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Vida e Doçura nossa

I. Maria é nossa vida, porque nos obtém o perdão

A oração de Maria obtém-nos a graça da justificação

Para a exata compreensão da razão por que a Santa Igreja nos ordena que chamemos a Maria nossa vida, é necessário saber que, assim como a alma dá vida ao corpo, assim também a graça divina dá vida à alma. Uma alma sem a graça divina só tem nome de viva, mas na realidade está morta, como foi dito àquele bispo no Apocalipse: Tens reputação de que vives, mas estás morto (Ap 3,1). Obtendo Maria por meio de sua intercessão a graça aos pecadores, deste modo lhes dá vida. Ouçamos as palavras que a Igreja lhe põe na boca, aplicando-lhe a seguinte passagem dos Provérbios: Os que vigiam desde manhã por me buscarem, achar-me-ão (8,17). Os que recorrem a mim desde manhã, isto é, sem demora, certamente me acharão. Ou, segundo a tradução grega: acharão a graça. De modo que recorrer a Maria é recobrar a graça de Deus. Lemos por isso pouco depois: Quem me encontra, encontra a vida e receberá do Senhor a salvação (Pr 8,35). Ouvi-o, vós que procurais o reino de Deus, exclamou São Boaventura, honrai a Santíssima Virgem Maria e achareis a vida juntamente com a eterna salvação.

Na afirmativa de São Bernardino de Sena, Deus não destruiu o homem logo após o pecado, devido ao singular amor para com esta sua futura filha. Não lhe resta a menor dúvida de que todas as misericórdias e mercês, em favor dos pecadores na Antiga Lei, só lhes tinham sido feitas por Deus em consideração desta abençoada Virgem.

Exorta-nos por isso, com razão, São Bernardo: Procuremos a graça, mas procuremo-la por meio de Maria. Se formos tão infelizes, que perdemos a divina graça, procuremos recuperá-la por meio de Maria; porque se a perdemos ela a achou. E por este motivo o santo lhe chama descobridora da graça. Para nossa consolação declarou-o S. Gabriel Arcanjo, quando disse à Virgem: Não temas, Maria, pois achaste graça diante de Deus (Lc 1,30).

Mas, se Maria nunca se vira privada da graça, como podia dizer o anjo que a tinha achado? Só se pode achar uma coisa que se perdeu. A Virgem, entretanto, sempre esteve com Deus e não só em graça, mas cheia de graça, como o mesmo arcanjo manifestou, quando, ao saudá-la, lhe disse: Ave, Maria,
cheia de graça; o Senhor é contigo…

Devem os pecadores procurar com Maria a graça de Deus

Logo, se Maria não achou a graça para si, porque sempre dela esteve cheia, para quem a achou? Responde o Cardeal Hugo, num comentário a este passo: Achou-a para os pecadores que a tinham perdido. Corram, pois, a Maria os pecadores que perderam a graça, porque em seu poder a acharão certamente, continua este devoto escritor, e digam-lhe: Senhora, a coisa achada deve-se restituir a quem perdeu; aquela graça, que vós achastes, não é vossa, porque nunca a perdestes; é nossa, porque a perdemos, por isso no-la deveis restituir. Se, pois, desejamos recuperar a graça do Senhor – conclui Ricardo de São Lourenço -, vamos a Maria, que a encontrou e sempre a encontra. E já que a Virgem foi e sempre há de ser muito querida por Deus, se a ela recorremos, certamente acharemos a graça. A própria Mãe de Deus garante-nos, em os Sagrados Cânticos, que Deus a pôs no mundo para ser a nossa defesa e por isso também está constituída medianeira de paz entre Deus e os pecadores. “Eu me tenho na sua presença (de Deus) tornado como uma que acha a paz” (8,10). Com estas mesmas palavras anima São Bernardo o pecador, dizendo: Vai ter com esta Mãe de Misericórdia e mostra-lhe as chagas que na alma te fizeram os teus pecados. Ela não deixará de rogar a seu Filho que te perdoe, por aquele leite que lhe deu; e o Filho, que tanto a ama, atendê-la-á com toda a certeza. – Com efeito, a Santa Igreja nos manda pedir ao Senhor que nos conceda o poderoso socorro da intercessão de Maria, para que nos levantemos de nossos pecados.

“Concedei, misericordioso Senhor, fortaleza à nossa fraqueza, para que nós, que celebramos a memória da Santa Mãe de Deus, pelo auxílio de sua intercessão, nos levantemos de nossas iniquidades.”

Com razão, pois, a chama S. Lourenço Justiniano esperança dos malfeitores, porque é a Virgem que lhe obtém o perdão. Acertadamente di-la S. Bernardo escada dos pecadores, porque, dando a mão aos pobres decaídos, os tira do precipício do pecado e fá-los subir para Deus. Com razão lhe chama Pseudo-Agostinho única esperança de todos os pecadores, pois só por seu intermédio esperamos a remissão de todos os nossos pecados. E o mesmo diz São João Crisóstomo: Os pecadores só por intercessão de Maria recebem o perdão. Por isso em nome deles assim a saúda o Santo: Deus te salve, Mãe de Deus e Mãe nossa, céu onde Deus reside; trono, no qual dispensa o Senhor todas as graças; roga sempre a Jesus por nós, para que pelos teus rogos possamos alcançar o perdão no dia do juízo e a bem-aventurança na eternidade.

Com razão, finalmente, é Maria chamada aurora.

“Quem é esta, que vai caminhando como a aurora quando se levanta?” (Ct 6,9).

Sim, por isso disse Inocêncio III: Sendo a aurora o fim da noite e o começo do dia, com razão a ela comparamos a Virgem Maria, que pôs termo aos vícios e fez nascerem as virtudes. E o mesmo efeito que causou no mundo o nascimento de Maria causa agora nas almas o nascimento de sua devoção. Põe termo à noite do pecado e faz andar a alma pelo iluminado caminho da virtude. Daí as palavras de São Germano: Ó Mãe de Deus, vossa proteção traz a imortalidade; vossa intercessão, a vida. E no sermão sobre o Cíngulo da virgindade diz o Santo: Pronunciar com afeto o nome de Maria ou é sinal de vida, ou de a ter brevemente. Cantou Maria no Magnificat: Eis que já desde agora me chamarão bem-aventurada todas as gerações (Lc 1,48).

“Sim, Senhora minha – acode São Bernardo -, todos os vossos servos alcançam por vossa intercessão a vida da graça e a glória eterna. Em vós acham os pecadores o perdão, e os justos a perseverança, e depois a vida eterna.”

Não desconfieis, ó pecadores, diz o devoto B. Bernardino de Busti; ainda que tenhais cometido todos os pecados, recorrei com sinceridade à Mãe de Deus, pois sempre a encontrareis com as mãos cheias de misericórdia. E ajunta: Maria deseja mais fazer e conceder-vos favores, do que vós desejais recebê-los.

Na frase de Santo André de Creta é a Santíssima Virgem penhor de perdão divino. Isto é, Deus promete garantido perdão aos pecadores, quando recorrem a Maria para que os reconcilie com o Senhor, e como garantia disso lhe dá um penhor. Este penhor é, sem dúvida, Maria Santíssima, que nos foi dada como intercessora. Por sua intercessão Deus perdoa, em vista dos merecimentos de Jesus Cristo, a todos os pecadores que a ela recorrem. Disse um anjo a Santa Brígida que os santos profetas exultavam de alegria ao saber que Deus, pela humildade e pureza de Maria, havia de aplacar-se e receber à sua graça os pecadores que o haviam menosprezado.

Nenhum pecador deve temer que Maria o desatenda se recorrer à sua piedade. Não; pois ela é Mãe de Misericórdia e como tal deseja salvar os mais miseráveis. Maria é aquela arca feliz, observa Egiberto, que livra do naufrágio a todos os que nela se refugiam. No tempo do dilúvio até os animais foram salvos na arca de Noé. Debaixo do manto de Maria se salvam também os pecadores. Certa vez viu S. Gertrudes Maria Santíssima com o manto aberto, debaixo do qual estavam refugiadas muitas feras: leões, ursos, tigres. Viu também como a Santíssima Virgem não só as não afastava, mas com grande piedade as recolhia e afagava. E com isto entendeu a Santa que ainda os pecadores mais perdidos, quando recorrem a Maria, não são expulsos, mas antes bem aceitos e salvos da morte eterna. Entremos, pois, nesta arca; refugiemo-nos sob o manto de Maria. Sem dúvida ela não nos repelirá, mas seguramente nos há de salvar.

Exemplo

Conta O Padre Bóvio que uma mulher perdida, chamada Helena, foi um dia à igreja e aí ouviu casualmente um sermão sobre o rosário. Saindo, trocou-se um rosário; mas trazia-o escondido, para que não fosse visto. Começou logo a rezá-lo. E ainda que o recitasse sem devoção, a Santíssima Virgem lhe infundiu tantas consolações e doçura em rezar, que depois não podia deixar de o fazer. Ao mesmo tempo nela inspirou o Senhor um profundo nojo da má vida que levava. Helena não podia encontrar mais repouso e viu-se como impelida a ir confessar-se. Realmente confessou-se com tanta contrição, que fez pasmar o confessor. Feita a confissão, prostrou-se aos pés de um altar da Mãe de Deus para dar graças à sua advogada. Enquanto aí recitava o santo rosário, falou-lhe da imagem a divina Mãe: Helena, basta quanto tens ofendido a Deus e a mim; de hoje em diante muda de vida, que eu te farei participante das minhas graças. Confusa, respondeu-lhe a pobre pecadora: Ah! Virgem Santíssima, é verdade que eu tenho levado uma vida de vícios; mas vós, que tudo podeis, ajudai-me; consagro-me inteiramente a vós e quero passar o resto de minha vida fazendo penitência por meus pecados. – Helena distribuiu todos os seus bens pelos pobres e principiou a fazer rigorosa penitência. Atormentavam-na terríveis tentações; mas bastava encomendar-se à Mãe de Deus para ficar vitoriosa. Chegou a receber muitas graças sobrenaturais, visões, revelações e profecias. Finalmente, quando foi de sua morte, da qual tinha sido avisada, veio a Santíssima Virgem com seu Filho visitá-la. E morrendo, foi vista a alma desta pecadora em forma de belíssima pombinha voar para o céu.

Oração

Aqui está, ó Mãe de meu Deus, ó minha única esperança, aqui está a vossos pés um miserável pecador que implora a vossa compaixão. A Igreja toda e todos os fiéis vos proclamam o refúgio dos pecadores. Sois, portanto, o meu refúgio, a vós compete salvar-me. Bem sabeis quanto vosso Filho quer a nossa salvação. Sabeis quanto ele sofreu para salvar-me. Ó minha Mãe, apresento-vos os sofrimentos de Jesus: o frio que padeceu no presépio, os passos que deu na viagem ao Egito, suas fadigas, seus suores, o sangue que derramou, as dores que o fizeram expirar aos vossos olhos na Cruz. Mostrai quanto amais o vosso Filho, já que por seu amor é que imploro vosso auxílio. Estendei a mão a um desgraçado que, do fundo do abismo, vos implora a compaixão. Se eu fora santo, não vos pedira misericórdia; por ser, entretanto, pecador é que a vós recorro, Mãe de misericórdia. Não ignoro que vosso Coração compassivo sente consolo em socorrer os miseráveis, quando por sua obstinação não impedem vossos favores. Consolai, pois, hoje o vosso piedoso coração e consolai-me também; pois tendes ocasião de salvar-me, que sou um pobre merecedor do inferno, hoje que podeis valer-me porque não quero ser obstinado. Entrego-me em vossas mãos; dizei-me o que devo fazer, e obtende-me força para executá-lo. Eis-me resolvido a fazer tudo para receber a divina graça. Refugio-me sob vosso manto. Jesus quer que eu a vós recorra, a fim de que, para glória vossa e dele, não só o seu sangue, mas também os vossos rogos, me ajudem a salvar-me. Ele me manda para vós, para que me socorrais.

Ó Maria, eis-me aqui, a vós recorro e em vós confio. Pedis por tantos outros, dizei também por mim uma palavra. Dizei a Deus que quereis a minha salvação, e Deus certamente me salvará. Dizei-lhe que sou vosso, e outra coisa não vos peço.

II. Maria é também nossa vida, porque nos alcança a perseverança

Sem Maria não alcançamos a graça da perseverança

A perseverança final é um dom divino tão grande, que, como disse o santo Concílio de Trento, é um dom de todo gratuito que por nada podemos merecer. Contudo Santo Agostinho diz que alcançam de Deus a perseverança todos aqueles que lha pedem. E conforme diz o Padre Suárez, infalivelmente a alcançam, sendo diligentes até o fim da vida em a pedir a Deus. Por isso escreve

São Belarmino: Peça-se a perseverança todos os dias, para que seja obtida cada dia. Ora, se é verdade – como eu o tenho por certo, conforme a sentença hoje comum, como depois mostrarei no capítulo VI – se é verdade, digo, que quantas graças Deus nos dispensa, todas passam pelas mãos de Maria, é também verdade que só por meio de Maria poderemos esperar e conseguir esta sublime graça da perseverança. Esta mesma graça promete a todos aqueles que fielmente a servem nesta vida.

“Os que agem por mim não pecarão; aqueles que me esclarecem, terão a vida eterna” (Eclo 24,30).

Para nossa conservação na vida da divina graça, é-nos necessária a fortaleza espiritual que nos leva a resistir a todos os inimigos da salvação. Ora, esta fortaleza só por meio de Maria se alcança.

“Minha é a fortaleza; por mim reinam os reis” (Pr 8,14).

Minha é esta fortaleza, diz Maria; Deus depositou em minhas mãos este dom, para que eu o conceda aos meus devotos servos. “Por mim reinam os reis”, por meu intermédio reinam os meus servos, e dominam sobre todos os seus sentidos e paixões, e assim dignos se tornam de um reino eterno no céu. Oh! quanta força possuem os servos desta grande Rainha para vencer todas as tentações do inferno! É Maria aquela decantada torre dos Sagrados Cânticos: Teu pescoço é como a torre de Davi, que foi a armadura dos esforçados (4,4). Para os que a amam e a ela recorrem nos combates, é como uma torre forte cingida de todas as armas na luta contra o inferno.

A Santíssima Virgem é por isso chamada plátano. “Eu me elevei como o plátano à borda d’água, nos caminhos” (Eclo 24,19). Diz o Cardeal Hugo que as folhas do plátano são semelhantes a um escudo. Assim se explica a proteção de Maria para com aqueles que a ela se acolhem. O Beato Amadeu dá uma outra razão a estas palavras e diz: Assim como o plátano com a sombra dos seus ramos defende os transeuntes da chuva e do sol, do mesmo modo sob o manto de Maria acham os homens refúgio contra o ardor das paixões e a fúria das tentações.

Infelizes as almas que se afastam desta defesa e cessam de venerar a Maria, e de se lhe recomendar nos perigos! Que seria do mundo, se não nascesse mais o sol? Nada mais do que um caos de trevas e de horror – pergunta e responde S. Bernardo. “Retira o sol e que será do dia? Perca uma alma a devoção para com Maria, e que será senão trevas?’ Sim, a alma ficará cheia daquelas trevas de que fala o Espírito Santo: Puseste trevas e foi feita a noite; nela transitarão todas as alimárias das selvas (Sl 103,20). Quando em uma alma já não resplandece a divina luz, e anoitece, ficará ela sendo covil de todos os pecados e dos demônios. Ai daqueles, exclama Santo Anselmo, que desprezam a luz deste sol, isto é, a devoção a Maria! Com razão temia São Francisco de Borja pela perseverança dos que não davam provas de uma especial devoção à Santíssima Virgem. Perguntando certo dia aos noviços pelos santos de sua devoção, conheceu que deles alguns não eram especialmente devotos de Nossa Senhora. Advertiu ao mestre dos noviços que olhasse com mais atenção para aqueles infelizes. E, de fato, todos eles perderam miseravelmente a vocação, e saíram da Companhia.

Razão sobrava, portanto, a S. Germano, ao chamar a Virgem de respiração dos cristãos. Pois como o corpo não pode viver sem respirar, tão pouco o pode a alma sem recorrer e recomendar-se a Maria, por cujo intermédio adquirimos e conservamos com segurança a vida da divina graça.

O Beato Alano, assaltado uma vez de uma forte tentação, esteve em termos de perder-se por se não ter encomendado a Maria. Apareceu-lhe então a Santíssima Virgem, e para o fazer mais advertido em outras ocasiões, bateu-lhe levemente no rosto e acrescentou: Se te houvesses recomendado a mim, não terias corrido tão grande risco.

Por intermédio de Maria obtemos a graça da perseverança

Com as palavras dos Provérbios a nós se dirige Maria: Feliz aquele que me ouve e que vela todos os dias à entrada da minha casa (8,34). Feliz quem escuta a minha voz e por isso está de alerta para vir sempre à porta da minha misericórdia, em busca de socorro e de luzes. Sem dúvida não deixará Maria de obter-lhe luzes e força para sair do vício e trilhar pela vereda da virtude. Pelo que graciosamente Inocêncio III lhe chama “lua de noite, aurora de manhã, sol de dia”. É lua para quem está cego na noite do pecado, a fim de esclarecê-lo e mostrar-lhe o miserável estado de condenação em que se acha. É aurora, isto é, precursora do sol, para quem já está iluminado, a fim de o fazer sair do pecado e recuperar a divina graça. Para quem já está em graça é finalmente sol, cuja luz o livra de cair em algum precipício.

Aplicam os Santos Doutores a Maria as palavras do Eclesiástico: Suas cadeias são ataduras de salvação (6,31). Mas cadeias por quê?, pergunta Ricardo de São Lourenço. Porque Maria prende os seus servos, para que não se desviem pela estrada dos vícios. Do mesmo modo explica Conrado de Saxônia as palavras que se encontram no ofício da Santíssima Virgem:

“Na plenitude dos santos se acha a minha assistência” (Eclo 24,16).

Maria não só está colocada na plenitude dos santos, diz ele, mas também nela os conserva para que não tornem para trás; conserva-lhes as virtudes, a fim de que não diminuam; impede os demônios, para que não lhes façam mal.

Dos devotos de Maria diz-se que estão cobertos com dois vestidos.

“Todos os seus domésticos trazem vestidos forrados” (Pr 31,21).

Maria, expõe Cornélio a Lápide, adorna os seus fiéis servos tanto com as virtudes de seu Filho, como com as suas, e assim revestidos conservam eles a santa perseverança. Desta forma explica este comentador quais são estes vestidos duplicados. São Filipe Néri sempre admoestava os seus penitentes dizendo-lhes: Filhos, se desejais a perseverança, sede devotos de Nossa Senhora! São João Berchmans, da Companhia de Jesus, dizia também: Quem amar a Maria terá perseverança. Bela é a reflexão que faz aqui o Abade Roberto, sobre a parábola do filho pródigo: Se ainda lhe vivesse a mãe, não deixara o filho pródigo a casa paterna, ou para ela regressara mais depressa do que voltou. Quer com isso dizer que um filho de Maria, ou nunca se aparta de Deus, ou, se por desgraça o faz, logo para ele torna por meio de Maria.

Oh! se todos os homens amassem essa tão benigna e amorosa Senhora, e se nas tentações sempre e sem demora recorressem a seu patrocínio, quem cairia jamais? Quem se perderia jamais? Cai e perece só quem não recorre a Maria. São Lourenço Justiniano, aplicando à Virgem o texto do Eclesiástico: “Eu andei sobre as ondas do mar” (24,8), fá-la dizer: Caminho com meus servos por entre as tormentas em que se acham, para assisti-los e salvá-los do pecado.

Quando nos vem tentar o demônio, escreve São Tomás de Vilanova, não deixemos de fazer como os pintinhos, que, mal enxergam o gavião, correm logo a refugiar-se sob as asas da mãe. Logo que nos assaltam tentações, sem discorrer com elas, refugiemo-nos depressa sob o manto de Maria. E vós, Senhora, deveis defender-nos, continua o santo; depois de Deus outro refúgio não temos senão vós, que sois a nossa única esperança e protetora, em quem confiamos.

Concluamos, pois, com as palavras de São Bernardo:

“Homem, quem quer que sejas, já sabes que nesta vida vais flutuando mais entre perigos e tempestades, do que caminhando sobre a terra. Se não queres ser submergido, não apartes os olhos dos resplendores desta estrela. Olha para a estrela, chama por Maria. Nos perigos de pecar, nas moléstias das tentações, nas dúvidas do que deves resolver, considera que Maria te pode ajudar, chama logo por ela para que te socorra. O seu poderoso nome nunca se aparte do teu coração pela confiança, nem de tua boca para o entoares. Seguindo a Maria, não errarás o caminho da salvação. Quando te encomendares a ela, não desconfies; sustendo-te ela, não cairás. Protegendo-te ela, não temas perder-te; sendo tua guia, sem fadiga te salvarás. Em suma, pretendendo Maria defender-te, certamente chegarás ao reino dos bem-aventurados”.

Exemplo

Célebre é a história de Santa Maria Egipcíaca, que se lê no livro primeiro das Vidas dos Padres no deserto. Com doze anos fugiu ela da casa paterna e foi para Alexandria. Aí passou uma vida infame, e veio a ser o escândalo daquela cidade. Depois de passar 16 anos em pecados, foi peregrinando até Jerusalém. Celebrava-se então na cidade a festa da Exaltação da Santa Cruz. Movida antes pela curiosidade do que pela devoção, quis a pecadora entrar na igreja. Mas no limiar da porta sentiu uma força invisível que a repelia para trás. Intentou segunda vez entrar e também foi repelida. O mesmo lhe sucedeu terceira e quarta vez. Então, encostando-se a miserável a um canto do pórtico da igreja, foi iluminada para conhecer que, por sua má vida, Deus a tocava para fora da igreja. Levantando depois os olhos, por felicidade sua, viu uma imagem de Maria que estava pintada no pórtico. Voltando-se para ela, disse-lhe entre lágrimas: Ó Mãe de Deus, tende piedade desta pobre pecadora. Bem vej o que pelos meus pecados não mereço que olheis para mim; mas sois o refúgio dos pecadores; por amor de Jesus, vosso Filho, ajudai-me. Fazei que eu possa entrar na igreja, pois quero mudar de vida e ir fazer penitência aonde vós me ordenardes.

Ouviu então uma voz interna, como se a bem-aventurada Virgem lhe respondesse: Eia, j á que a mim recorreste e queres mudar de vida, entra na igreja, que já a sua porta não se fechará para ti. Entra a pecadora, adora a Santa Cruz e chora. Torna à imagem e lhe diz: Senhora, aqui estou pronta; para onde queres que me retire a fazer penitência? – Vai, respondeu-lhe a Virgem, para o Jordão e acharás o lugar do teu repouso. A pecadora confessa-se, comunga, passa o rio, chega ao deserto e aqui entendeu que era o lugar da sua penitência.

Ora, nos primeiros dezessete anos, que combates lhe não deram os demônios, desejosos de vê-la recair! Então que fazia ela? Nada mais que encomendar-se a Maria. E Maria lhe alcançou força para resistir em todos os anos de luta, depois dos quais cessaram as batalhas. Finalmente, depois de ter vivido cinquenta e sete anos naquele deserto, achando-se na idade de oitenta e sete anos, permitiu a divina Providência que fosse encontrada pelo abade São Zózimo. A ele contou ela toda a sua vida e pediu-lhe que tornasse ali no ano seguinte e lhe trouxesse a sagrada comunhão. Volta com efeito o santo abade e dá–lhe a comunhão. Depois a Santa lhe tornou a pedir que viesse outra vez visitá-la. Retorna novamente São Zózimo e a encontra morta, com o corpo cercado de luzes e na cabeça escritas estas palavras: Sepulta neste lugar o corpo desta miserável pecadora e roga a Deus por mim. – Sepultou-a o Santo na cova, que veio abrir um leão. Voltando para seu mosteiro, publicou as maravilhas que a divina Misericórdia operara com esta feliz penitente.

Oração

Ó Mãe de piedade, Virgem sacrossanta, eis a vossos pés o traidor, que em pagando com ingratidão as mercês, por vossa intercessão recebidas de Deus, tem sido infiel a vós e a ele. Mas, Senhora, vós bem sabeis que a minha infidelidade não tira, antes aumenta a minha confiança em vós. Pois vejo que minha miséria faz crescer vossa compaixão para comigo. Mostrai, pois, ó Maria, que sois cheia de liberalidade e de misericórdia para com este pecador, assim como o sois para com todos aqueles que vos invocam. Basta que me olheis e tenhais compaixão de mim. Se o vosso coração se compadecer, que posso eu temer? Não; não temo nada. Não temo os meus pecados, porque podeis remediar o mal que fiz. Não temo os demônios, porque vós sois mais poderosa que o inferno todo. Não; não temo vosso Filho, justamente irritado contra mim, porque uma só palavra vossa o aplacará. Só temo por minha negligência que me leve a deixar de recomendar-me a vós nas minhas tentações e por isso me perca. Mas isto é o que hoje vos prometo, que quero recorrer sempre a vós. Ajudai-me a executá-lo. Vede que bela ocasião tendes de satisfazer o vosso desejo de socorrer um miserável, qual eu sou!

Ó Mãe de Deus, eu tenho uma grande confiança em vós. De vós espero a graça de chorar como devo os meus pecados! E de vós espero a fortaleza para não tornar a cair neles. Se eu estou enfermo, vós, ó auxílio celeste, podeis valer- me. Se minhas culpas me fizeram ser fraco, o vosso socorro me fará valente. Ó Maria, tudo espero de vós, porque podeis tudo junto de Deus. Amém.

III. Maria suaviza a morte a seus servos

Maria é nosso conforto na morte

“Aquele que é amigo o é em todo tempo; e nos transes apertados conhece-se o irmão” (Pr 17,17).

Os amigos verdadeiros e os verdadeiros parentes não se conhecem no tempo de prosperidades, mas sim no das angústias e das desventuras. Os amigos do mundo não deixam o amigo, enquanto está em prosperidade. Mas o abandonam imediatamente, se lhe acontece uma desgraça ou dele se avizinha a morte. Tal não é o procedimento de Maria com seus devotos. Nas suas angústias e especialmente nas da morte, que de todas são as piores, essa boa Senhora e Mãe não abandona seus fiéis servos. Como é nossa vida no tempo do nosso degredo, assim também quer ser a nossa doçura no tempo da morte, obtendo-nos um suave e feliz trânsito. Desde aquele dia em que teve a dor e juntamente a felicidade de assistir à morte de Jesus, seu Filho, cabeça dos predestinados, obteve também a graça de assistir na morte todos os predestinados. Por isso a Santa Igreja manda rogar à bem-aventurada Virgem: Rogai por nós, pecadores, agora, e na hora de nossa morte.

Muito e muito grandes são as angústias dos pobres moribundos, j á pelos remorsos dos pecados cometidos, já pelo horror do próximo juízo, já pela incerteza da salvação eterna. É então que o inferno lança mão de todas as armas e empenha todas as reservas para ganhar aquela alma que passa para a eternidade. Bem sabe que pouco tempo lhe resta para obtê-la e que para sempre a perde, se então lhe escapar.

“O demônio desceu a vós cheio de uma grande ira, sabendo que lhe resta pouco tempo” (Ap 12,12).

Costumado a tentá-la durante a vida, não se contenta de ser ele só que a tenta na morte, mas chama companheiros para o ajudarem. “Encher-se-ão as suas casas (de Babilônia) com dragões” (Is 14,21). Quando alguém está para morrer, entram-lhe pela casa os demônios que à porfia tentam perdê-lo.

De Santo André Avelino conta-se que, estando para morrer, vieram muitos demônios para tentá-lo. E de tal modo investiram contra ele, que deixaram horrorizados aos bons religiosos que o estavam assistindo. Viram eles que ao Santo se lhe inchou com grande agitação o rosto, de tal sorte que se fez de todo negro. Viram-no tremer e debater-se. De seus olhos corriam lágrimas e violentos lhe eram os movimentos da cabeça. Tudo sinais da horrível peleja que lhe dava o inferno. Os religiosos choravam de compaixão, redobravam de orações e tremiam de pavor, vendo que assim morria um Santo. Mas consolavam-se em ver que o Santo repetidas vezes movia os olhos para uma devota imagem de Maria, como quem procurava o seu socorro. Vinha-lhes à lembrança a frase na qual ele afirmara que a Mãe de Deus havia de ser o seu refúgio na hora da morte. Enfim, foi Deus servido que terminasse aquele combate com uma gloriosa vitória. Cessadas as convulsões do corpo, desinchado e tornado o rosto à sua cor antiga, viram-no, de olhos tranquilamente fixos naquela imagem, fazer uma devota inclinação a Maria (a qual se crê que então lhe apareceu), como em ação de graças, e expirar placidamente nos braços da Mãe de Deus, tendo no rosto a transfiguração dos eleitos. Ao mesmo tempo uma religiosa capuchinha, agonizante, voltou-se para as que a assistiam e lhes disse então: Rezai a Ave- Maria, porque agora morreu um Santo.

Ah! como fogem os demônios à presença de Nossa Senhora! Se na hora da morte tivermos Maria a nosso favor, que poderemos recear de todo o inferno? Reanimava-se Davi para as terríveis angústias da sua morte, pondo sua confiança na morte do futuro Redentor e na intercessão da Virgem Mãe.

“Pois ainda quando andar no meio da sombra da morte, não temerei males; porquanto tu estás comigo. A tua vara e o teu báculo, eles me consolam” (Sl 22,4-5).

Pelo báculo entende o Cardeal Hugo o lenho da cruz e pela vara a intercessão de Maria, que foi a vara profetizada por Isaías (11,1). Esta divina Mãe, diz São Pedro Damião, é aquela poderosa vara que vence todas as violências dos inimigos infernais. Anima-se por isso S. Antonino, dizendo: Se Maria é por nós, quem será contra nós? – Estando à morte o Padre Manuel Padial, da Companhia de Jesus, apareceu-lhe Maria, que, para consolá-lo, lhe disse: Eis, finalmente, chegada a hora em que os anjos, congratulando-se contigo, vão dizer: Ó felizes trabalhos, ó bem recompensadas mortificações! E nisso foi visto um bando de demônios que, desesperados, fugiam, gritando: Ai! que nada podemos, porque aquela que não tem mancha o defende! Da mesma forma o Padre Gaspar Haywood foi assaltado por uma grande tentação contra a fé. Encomendou-se, porém, sem demora à Virgem Santíssima e ouviram-no exclamar: Sinceros agradecimentos, ó Maria, porque me viestes ajudar.

Como assevera Conrado de Saxônia, a Santíssima Virgem, em defesa dos fiéis moribundos, manda o príncipe São Miguel com todos os seus anjos, para protegê-los contra as tentações do demônio e lhes receber as almas, com especialidade as daqueles seus servos que se recomendaram continuamente a ela.

Maria é nosso auxílio no tribunal divino

Quando uma alma está para sair desta vida, diz Isaías, se conturba o inferno todo e manda os demônios mais terríveis a tentá-la antes de sair do corpo e depois acusá-la, quando se apresentar ao tribunal de Jesus Cristo.

“O inferno via-se lá embaixo à tua chegada todo turbado, e diante de ti levanta gigantes” (Is 14,9).

Mas Ricardo diz que os demônios, em se tratando de uma alma patrocinada por Maria, não terão atrevimento, nem ainda para acusá-la. Pois sabem muito bem que o Juiz nunca condenou, nem condenará jamais, uma alma patrocinada por sua grande Mãe. São Jerônimo escreve à virgem Eustóquio que Maria não só socorre seus amados servos na sua morte, mas também os vem esperar na passagem para a eternidade, a fim de os animar e de os acompanhar até o tribunal divino. Ó dia esse, exclama o Santo, em que a Mãe de Deus, rodeada de muitas virgens, há de vir ao teu encontro! E isto se conforma com que a mesma Santíssima Virgem disse a Santo Brígida, referindo-se a seus devotos moribundos: Na hora da morte dos meus servos eu venho, como Senhora e Mãe amantíssima deles, e lhes trago consolo e alívio. Ajunta São Vicente Ferrer que a bem-aventurada Virgem recebe as almas dos que morrem. Nossa amorosa Rainha acolhe sob seu manto as almas dos seus servos, apresenta-as ao Filho que as deve julgar e obtém-lhes a salvação. Foi o que aconteceu a Carlos, filho de Santa Brígida. Morrera na perigosa carreira de soldado, longe da mãe, que por isso mesmo muito temia pela salvação dele. Mas a Santíssima Virgem revelou-lhe que Carlos se havia salvo, pelo grande amor que lhe consagrava, razão por que ela própria o assistira na última hora, sugerindo-lhe todos os atos cristãos necessários no momento. Ao mesmo tempo, viu a Santa Jesus Cristo no trono, e viu também que o demônio lhe apresentou duas acusações contra a Santíssima Virgem. Era a primeira que Maria lhe tinha impedido de tentar o moribundo; a segunda, que ela mesma havia apresentado ao Juiz a alma de Carlos e assim a salvara, sem lhe permitir alegar nem ainda os direitos que ele, demônio, possuía.
Seus vínculos são uma atadura de salvação – e nela acharás tu no fim o teu descanso (Eclo 6, 29, 31). Feliz de ti, meu irmão, se na hora da morte te achares preso pelas doces cadeias do amor à Mãe de Deus. Como cadeias de salvação, esses vínculos te assegurarão a tua eterna bem-aventurança, e te farão gozar na morte aquela paz bendita, que será princípio da paz e do repouso eterno. Refere o Padre Binetti, no seu livro “A perfeição”, que assistindo ele um grande devoto de Maria à hora da morte, o ouviu dizer antes de expirar:

“Ó meu padre, se soubésseis quanto contentamento sinto por ter sido servo da Santíssima Mãe de Deus! Não sei explicar a alegria que sinto neste instante”!

Tinha o padre Suárez muita devoção a Nossa Senhora e costumava dizer que trocaria sua ciência pelo valor de uma Ave-Maria. Ao morrer, tanta lhe era a alegria, que exclamou: Nunca imaginei que fosse tão suave o morrer! O mesmo contentamento e alegria sentirás também tu, devoto leitor, se na hora da morte te recordares de haver amado a esta boa Mãe, a qual não sabe deixar de ser fiel com seus filhos, que foram fiéis em servi-la e em obsequiá-la, visitando-lhe as imagens, rezando o rosário, jejuando, rendendo-lhe graças com frequência, louvando-a e encomendando-se a seu poderoso patrocínio.

Não te privará desta consolação a lembrança de teus pecados passados, se de hoje em diante cuidares em viver como bom cristão, servindo a tão grata e benigna Senhora. Verdade é que o demônio há de vir com angústias e tentações para levar-te ao desespero. Mas a Virgem te confortará; virá em pessoa te assistir na hora da morte, como fez a Adolfo, conde de Alsácia. Deixara ele o mundo e entrara para a Ordem dos Franciscanos, onde se tornara, como rezam as Crônicas, um grande servidor de Maria. Estando para morrer, ao pensar no rigor do juízo divino, começou a tremer perante a morte, cheio de receios sobre a sua salvação. Então Maria, que não dorme nas angústias de seus servos, acompanhada de muitos santos, se apresentou ao moribundo e animando- o lhe disse: Meu caro Adolfo, por que tens medo da morte? Porventura não me pertences? Com estas palavras o servo de Maria se consolou, desaparecendo todos os seus temores e expirou em santa paz e contentamento.

Eia, pois, animemo-nos nós também. Ainda que sejamos pecadores, tenhamos confiança que Maria há de vir assistir-nos na hora da morte, consolando-nos com sua presença, se a servirmos com amor durante os dias que ainda nos restam no mundo. Nossa Rainha prometeu um dia a Santa Matilde que havia de vir assistir, à hora da morte, todos os seus devotos que a servissem fielmente em vida. Que consolação, ó meu Deus, não será a nossa, quando no último momento da nossa vida, tão decisivo para a causa da nossa salvação, virmos ao pé de nós a Rainha do Céu, assistindo-nos e consolando-nos com a promessa de sua proteção! Inumeráveis exemplos da assistência de Maria a seus servos moribundos, além dos já citados, vêm narrados em vários livros. Esse favor foi concedido a São Félix de Cantalício, capuchinho, a Santa Clara de Montefalco, a Santa Teresa, a São Pedro de Alcântara. Conta o padre Crasset que Santa Maria Ognocense viu a Santíssima Virgem à cabeceira de uma devota viúva de Villembroc, que ardia em febre; e viu-a consolando a doente, refrigerando e aliviando-a em sua febre.
Fechemos este capítulo com um novo exemplo que fala do terno amor desta boa Mãe para com seus filhos na hora da morte.

Exemplo

São João de Deus, estando para morrer, esperava a visita da Santíssima Virgem, de quem era muito devoto. Não a vendo vir, porém, entristeceu-se muito e disso queixou-se com os parentes. Eis que a seu tempo lhe aparece a Mãe de Deus e repreende-o da sua falta de confiança. Diz-lhe em seguida estas meigas palavras, que devem alentar a todos os seus servos: João, não abandono os meus servos numa hora como esta! Com isso parecia querer dizer: Que estás pensando, meu caro João? Que eu te havia abandonado? Não sabes então que nunca abandono meus servos, à hora da morte? Não vim mais cedo porque ainda não era tempo; agora, sim, vim te buscar; vamos juntos para o paraíso. – Pouco expirava o Santo (| 1550) e voava para o céu, a dar graças a sua amantíssima Rainha, por toda a eternidade.

Oração

Ó minha Mãe suavíssima, qual será a morte de um pobre pecador como eu? Quando penso naquele terrível momento em que hei de expirar e comparecer ao tribunal divino, tremo e fico todo confuso, e muito duvido da minha salvação eterna, lembrando-me de que eu mesmo escrevi a sentença de minha condenação.

Ó Maria, no sangue de Jesus e na vossa intercessão ponho toda a minha esperança. Sois Rainha do céu, a Soberana do universo, numa palavra, sois Mãe de Deus. É verdade que sois muito elevada em dignidade; mas vossa grandeza não vos afasta de nós, senão que faz com que tenhais ainda mais compaixão de nossas misérias. Quando elevados a alguma dignidade, abandonam os amigos do mundo e desprezam seus antigos companheiros no infortúnio. Mas vosso coração tão amoroso não procede assim. Mas se empenha em aliviar, onde maiores misérias descobre. Assim que vos invocamos, vindes em nosso socorro: prevenis até nossas preces com vossos favores. Vós nos consolais nas aflições, dissipais as tempestades e venceis os inimigos. Em suma, nunca perdeis ensejo de trabalhar para nosso bem. Bendita seja para sempre aquela divina mão que em vós aliou a tanto amor tanta grandeza, tanta majestade e tanta ternura. Agradeço-o sem cessar ao Senhor e sobre isso me alegro. Pois em vossa felicidade encontro a minha também e considero minha a vossa ventura. Ó consoladora dos aflitos, consolai uma alma aflita que a vós se recomenda. Aflito estou por causa dos remorsos de uma consciência tão sobrecarregada de pecados.

Não sei se os tenho chorado como devia. Vejo todas as minhas obras cheias de defeitos e manchas. O inferno só espera por minha morte para acusar- me; a justiça divina ultrajada quer ser satisfeita. Que será de mim, minha Mãe? Se não me ajudardes, estou perdido. Que dizeis, quereis ajudar-me? Ó Virgem piedosa, consolai-me; obtende-me verdadeiro arrependimento de meus pecados, alcançai-me força para emendar-me e ser fiel a Deus nos dias que ainda me restam. E quando eu me achar nas ânsias da morte, ó Maria, esperança minha, não me abandoneis. Então, fortalecei-me mais do que nunca e assisti-me para que, à vista de meus pecados relembrados pelo demônio, eu não me entregue ao desespero. Ó Senhora minha, escusai tanta ousadia: vinde vós mesma consolar- me com a vossa presença. A tantos outros já tendes feito semelhante graça. Fazei- a também a mim. Se grande é minha ousadia, ainda maior é vossa bondade, que anda procurando os infelizes para os consolar. É nesta que eu ponho minha esperança. Seja vossa eterna glória o haverdes salvo do inferno e conduzido ao vosso reino um pobre condenado. Lá espero depois consolar-me, estando sempre aos vossos pés, dando-vos graça, louvando-vos e amando-vos eternamente. Ó Maria, eu espero em vós; não me deixeis ficar desconsolado. Assim seja, assim seja. Amém.

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