Omnis dolor irruet super eum – “Toda a sorte de dores virá sobre ele” (Jó 20, 22)
Sumário. É artigo de fé que há um inferno, isto é, uma prisão miserabilíssima toda cheia de fogo, onde cada sentido e cada faculdade do réprobo sofrem uma pena particular. Enquanto fazemos esta meditação, tantos cristãos desgraçados, talvez da mesma idade que nós, talvez conhecidos nossos, estão ardendo nessa fornalha ardente, sem a mínima esperança de saírem de lá. Reflete agora, meu irmão: qual é o estado de tua consciência? Se o Senhor te deixasse morrer na primeira noite, para onde iria a tua alma?
I. Considera que o inferno é uma prisão miserabilíssima, toda cheia de fogo. Nesse fogo estão submergidos os réprobos, tendo um abismo de fogo acima de si, um abismo ao redor de si e um abismo abaixo de si. Fogo há nos olhos, fogo na boca, fogo por todos os lados.
Cada um dos sentidos sofre a sua pena própria. Os olhos são cegados pela fumaça e pelas trevas, e aterrados pela vista dos outros condenados e réprobos. Os ouvidos ouvem dia e noite urros, gemidos e blasfêmias. O olfato é empestado pelo mau cheiro daqueles inumeráveis corpos infectos. — O gosto é atormentado por uma sede ardentíssima e uma fome devoradora sem jamais obter uma gota de água nem um pedaço de pão. Por isso os desgraçados prisioneiros, ardendo em sede, devorados pelo fogo, cruciados por toda a espécie de tormentos, choram, urram e se desesperam. Mas não há, nem haverá jamais, quem os alivie ou console. Oh inferno, oh inferno! Como é que alguns não querem crer em ti, senão quando se veem precipitados dentro de ti!
Considera depois as penas que sofrerão as faculdades da alma. A memória será atormentada pelo remorso de consciência. O remorso é aquele verme que está roendo sempre no condenado ao pensar que se condenou por culpa própria, por uns poucos prazeres envenenados. Oh meu Deus! Como se lhe afigurarão aqueles prazeres momentâneos depois de cem, depois de mil milhões de anos? O verme do remorso lhe recordará o tempo que Deus lhe deu para salvação; a facilidade que teve de se salvar; os bons exemplos dos companheiros; as resoluções tomadas, mas não cumpridas. Verá então que não pode mais remediar a sua ruína eterna. Oh meu Deus, meu Deus! Que inferno no inferno será este! — A vontade será sempre contrariada; não terá nada do que deseja e terá sempre aquilo que não quer, isto é, toda a espécie de tormentos. O entendimento conhecerá o grande bem que perdeu, a saber: Deus e o paraíso. – Ó Senhor, perdoai-me, pelo amor de Jesus Cristo!
II. Meu irmão, dize-me se agora tivesses de morrer, para onde iria a tua alma? Não sabes suportar uma centelha caída de uma vela sobre tua mão e poderá suportar a permanência num abismo de fogo devorador, desolado e desamparado de todos, por toda a eternidade? — Ah! Quantos da mesma idade que tu, talvez conhecidos e companheiros teus, estão agora ardendo naquela fornalha ardente, sem a mínima esperança de poderem remediar a sua desgraça!
Agora talvez não te importe perder o paraíso e Deus; conhecerás porém a tua cegueira, quando vires os bem-aventurados em triunfo e no gozo do reino dos céus, e tu, como um cão lazarento, fores excluído daquela pátria feliz, da bela presença de Deus, da companhia de Maria Santíssima, dos Anjos e dos Santos. Então gritarás enfurecido: Ó paraíso de felicidades, ó Deus, Bem infinito, não sois nem sereis jamais para mim! — Ânimo, pois, faze penitência, muda de vida; não esperes que não haja mais tempo para ti. Pede a Jesus, pede a Maria que tenham piedade de ti.
Aqui tendes, Senhor, a vossos pés, o desgraçado que tão pouco caso fez da vossa graça e dos vossos castigos. Ai de mim! Quanto anos já devia estar abandonado por Vós e ardendo na fornalha do inferno! Mas vejo que me quereis salvar a todo o preço, porquanto com tamanha bondade me ofereceis o perdão, se eu quiser detestar os meus pecados; ofereceis-me a vossa graça e o vosso amor, se eu Vos quiser amar. Sim, meu Jesus, quero sempre chorar as ofensas que Vos fiz e amar-Vos de todo o meu coração. — Fazei-me saber o que quereis; quero satisfazer-Vos em tudo. Permiti que eu viva e morra em vossa graça; não me mandeis ao inferno onde não Vos poderia mais amar e disponde de mim segundo a vossa vontade.
— Ó Maria, minha esperança, guardai-me sob a vossa proteção e não permitais que eu venha ainda a perder o meu Deus.
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(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 228-230)