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Da Fugida das Ocasiões

Cor durum habebit male in novissimo; et qui amat periculum, in illo peribit —“O coração endurecido se sentirá mal no fim; e quem ama o perigo, nele perecerá” (Eclo 3, 27)

Sumário. O demônio se ri de todos os propósitos e promessas de um pecador que se arrepende, se não evitar a ocasião. O espírito maligno sabe por experiência que, quem se expõe voluntariamente ao perigo, com certeza se perderá; porquanto a ocasião, especialmente em matéria de prazeres sensuais, é como que uma venda, que cobre a vista e não deixa ver nada. Quem, pois, quer salvar-se, deve absolutamente afastar-se da ocasião do pecado; seja um companheiro, certa casa, uma relação, um livro.

I. Afirma São Bernardino de Sena que a mais importante de todas as recomendações de Jesus Cristo, a que é como que o fundamento da vida cristã, é a de fugir das ocasiões pecaminosas. Constrangido pelos exorcismos, o demônio confessou um dia que entre todas as prédicas,a que mais lhe desagradava, era a que tem por objeto a fugida das ocasiões. E, com efeito, o demônio se ri de todos os propósitos e promessas que faz o pecador penitente, se não evitar as ocasiões.

A ocasião, especialmente no tocante aos prazeres sensuais, é como que uma venda que se põe diante dos olhos, e que não deixa ver nem resoluções tomadas, nem luzes recebidas, nem verdades eternas; numa palavra, faz esquecer tudo e causa uma espécie de cegueira. Tal foi a causa da ruína de nossos primeiros pais. Mandara-lhes Deus que nem sequer tocassem no fruto proibido (1). Mas Eva incauta: vidit, tulit, comedit — “viu, tomou, comeu”. Começou a fitar o fruto, em seguida o tomou na mão, e afinal o comeu. O que se expõe voluntariamente ao perigo, no perigo morrerá: “Qui amat periculum, in illo peribit”.

Avisa-nos São Pedro que o demônio anda ao redor de nós buscando a quem tragar (2). Para entrar numa alma donde foi expulso, que faz ele? Diz São Cipriano que vai buscando uma ocasião. Se a alma se deixa arrastar pela ocasião, está logo perdida, o inimigo entrará novamente nela e a dominará. O abade Guerrico observa que Lázaro saiu do túmulo, mas com as ataduras, e ressuscitado assim morreu segunda vez.

Pobre do pecador, quer dizer este autor, que ressuscita do pecado, mas preso ainda nos laços da ocasião! Posto que ressuscitado, morrerá de novo. Para se salvar, é, pois, preciso renunciar, não só ao pecado, mas ainda à ocasião de pecar, isto é, a um certo companheiro, a uma certa casa, a umas relações, a um livro pernicioso. Especialmente, quem teve o hábito do vício de impureza, deve evitar não só as ocasiões próximas, senão também as remotas, se não quiser tornar a cair.

II. Não nos deixemos iludir pelo demônio, em pensar que a pessoa, causa da tentação, é santa; pois que muitas vezes a tentação é tanto mais forte, quanto mais devota a pessoa. Escreve Santo Tomás de Aquino que as pessoas mais santas têm mais atrativo. A tentação começará espiritual, e acabará carnal. Diz o grande servo de Deus, Pe. Sertório Coputo: primeiro faz amar a virtude, depois a pessoa e afinal obceca e faz cair no abismo.

Quantas pobres almas, que praticavam a oração, frequentavam os sacramentos e que se podiam chamar santas, tendo-se exposto às ocasiões, ficaram sendo presa do inferno! Lê-se na história eclesiástica que uma senhora virtuosa tinha a caridade de sepultar os corpos dos mártires. Um dia, como encontrasse um que ainda respirava, levou-o para casa e conseguiu salvá-lo. Que aconteceu, porém? Pela ocasião próxima, estas duas pessoas, que bem se podiam dizer santas, perderam primeiramente a graça de Deus e depois a fé.

Ah, meu Jesus! Quando chegará o dia em que Vos possa dizer: Meu Deus, já não Vos posso mais perder? Quando Vos verei face a face e estarei seguro de Vos amar com todas as minhas forças e por toda a eternidade? Ah, meu Bem supremo, meu único amor, enquanto viver, sempre estarei em perigo de Vos ofender e de perder a vossa bela graça! Houve um tempo infeliz em que Vos não amava e desprezava vosso amor. Agora pesa-me de todo o coração, e espero que já me haveis perdoado. Amo-Vos de todo meu coração e tenho desejo de fazer quanto possa, para Vos amar e Vos dar gosto.

Mas, estou ainda em perigo de renunciar a vosso amor e de tornar a virar-Vos as costas. Ah, meu Jesus! Minha vida, meu tesouro, não o permitais. Se houvesse de me acontecer tal suprema desgraça, deixai-me antes agora morrer da morte mais dura; de boa mente a aceito e Vo-la peço. Peço a mesma graça a vós, ó grande Mãe de Deus, e tenho a intenção de vos renovar o mesmo pedido todas as vezes que disser: Doce Coração de Maria, sede minha salvação! (3).

Referências:
(1) Gn 3, 16.
(2) 1 Pd 5, 8.
(3) Indulgência de 300 dias cada vez.

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(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 506-508)

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