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Da Anunciação de Maria

Resumo histórico.

Antigamente a Anunciação era considerada festa do Senhor, tendo o nome de Anunciação de Jesus Cristo. Começo da Redenção. Prevaleceu, entretanto, o uso de consagrar a festa à Santíssima Virgem. A prova mais antiga sobre o fato, temo-la no Sermão de São Proclo, Arcebispo de Constantinopla († 446). A festa era muito estimada em Ravena, como se deduz das pregações de São Pedro Crisólogo († 450). Encontramo-la na Espanha, pelo ano de 650, celebrada aos 18 de dezembro, porque não se celebravam festas na Quaresma. A partir do século VI fixou-se a sua data para 25 de março, como ainda é de uso em nossos dias festejá-la (Nota do tradutor).

Maria, na Encarnação do Verbo, não podia humilhar-se mais do que se humilhou; Deus, pelo contrário, não podia exaltá-la mais do que a exaltou

“Quem se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado” (Mt 23,12).

Esta é a palavra do Senhor; não pode falhar. Havia Deus determinado fazer-se homem para remir o homem decaído, e assim manifestar ao mundo sua bondade infinita. Devendo para isso escolher-se mãe na terra, andava buscando entre todas as mulheres qual fosse a mais santa e humilde. Entre todas observou uma, e foi a virgenzinha Maria, que muito mais era perfeita nas virtudes, tanto mais simples e humilde era no seu conceito:

“Há um sem-número de virgens (a meu serviço) – diz o Senhor – mas uma só é a minha pomba, a minha eleita” (Ct 6,7 e 8).

Por isso disse Deus, seja esta escolhida para minha Mãe. Vejamos, pois, quanto Maria foi humilde, e por isso quanto Deus a exaltou. Na Encarnação do Verbo ela não podia humilhar-se mais do que se humilhou: seja este o primeiro ponto. Deus não podia exaltá-la mais do que a exaltou: será o segundo.

I. A humildade de Maria na Anunciação do anjo

Ao ser saudada pelo anjo

Falando o Senhor, no Cântico dos Cânticos, precisamente da humildade desta humilíssima Virgem, disse: Enquanto o rei está no seu repouso, exalou o meu nardo a sua fragrância (1,11). Comenta Santo Antonino as citadas palavras deste modo: O nardo, planta pequena e baixa, é figura da humildade de Maria, cujo odor subiu ao céu e atraiu o Verbo do seio do Eterno Pai ao seu seio virginal. De modo que o Senhor, atraído pela fragrância desta humilde virgenzinha, a escolheu para sua Mãe, querendo fazer-se homem, para remir o mundo. Mas, para maior glória e merecimento desta Mãe, não se quis fazer seu Filho, sem que primeiro ela prestasse seu consentimento, diz Guilherme, abade. Eis por que, enquanto a humilde virgem suspirava em sua cela, com mais fervor que nunca, pela vinda do Redentor – conforme uma revelação a Santa Isabel de Turíngia – vem o arcanjo Gabriel com a grande embaixada. Entra e saúda-a dizendo: Ave, Maria, cheia de graça; o Senhor é convosco e bendita sois entre as mulheres (Lc 1,28). Deus vos saúda, ó Virgem cheia de graça, pois fostes sempre rica da graça, acima de todos os santos. O Senhor é convosco, porque sois tão humilde. Bendita sois entre as mulheres, porquanto as outras incorrem na maldição da culpa; mas vós, porque havíeis de ser Mãe do Bendito, sois e sereis sempre bendita e isenta de toda a mácula.

Entretanto, a humilde Maria, a esta saudação toda cheia de louvores, que responde? Nada; não respondeu, mas pensando na saudação perturbou-se.

“Quando ela o ouviu, turbou-se com o seu dizer, e cogitava que saudação fosse esta” (Lc 1,29).

E por que se assustou? Acaso por temor de ilusão, ou por modéstia, vendo um homem, como quer alguém, pensando que o anj o lhe apareceu em forma humana? Não; o texto é claro: turbou-se com o seu dizer. Mas não com a sua aparição, observa São Bruno de Segni. Essa perturbação foi causada unicamente por sua humildade, que absolutamente não podia compreender semelhantes louvores. Por isso quanto mais pelo anjo ouve exaltar- se, mais se humilha e considera o seu nada. Reflete aqui São Bernardino: Houvesse o anjo lhe declarado que era a maior pecadora do mundo, e não teria a Virgem se admirado tanto; mas ouvindo aqueles louvores tão sublimes, toda se perturbou. E isso porque, sendo tão cheia de humildade, aborrecia todo elogio e desejava que só o Criador, fonte e origem de todo bem, fosse louvado e bendito. Assim o disse Maria a Santa Brígida, falando do tempo em que foi feita Mãe de Deus.

Mas, digo eu, era a Santíssima Virgem bem instruída nas Sagradas Escrituras e assim conhecia ser j á chegado o tempo, predito pelos profetas, da vinda do Messias. Já eram completas as semanas de Daniel (9,24), já tinha passado o cetro de Judá às mãos de Herodes, rei estrangeiro, segundo a profecia de Jacó. Bem sabia a Senhora que uma virgem devia ser Mãe do Messias. Ouve o anjo dar-lhe aqueles louvores, que parecia servirem unicamente a uma Mãe de Deus. Não lhe veio então ao pensamento ao menos um quem sabe, se porventura fosse ela esta Mãe de Deus escolhida? Não; a sua profunda humildade nem tal lembrança lhe permitiu. “Serviram tão somente aqueles louvores para fazê-la entrar num grande temor, considera São Pedro Crisólogo. À semelhança do Salvador, que foi confortado por um anjo, se tornou preciso que São Gabriel, vendo Maria tão assustada com aquela saudação, a animasse, dizendo: não temais, ó Maria, porque achastes graça diante de Deus! Aos vossos olhos, é verdade, sois tão pequena e insignificante; mas Deus, que exalta os humildes, vos fez digna de achar a graça perdida pelos homens. Por isso vos preservou da mácula, comum a todos os filhos de Adão; por isso, desde a vossa Conceição vos ornou de uma graça maior que a de todos os santos. Por isso, finalmente, agora vos exalta a ser sua Mãe: Eis, concebereis em vosso seio e dareis à luz um filho, e pôr-lhe-eis o nome de Jesus” (Lc 1,31).

O humilde consentimento de Maria

Ora, pois, que se espera? Senhora, espera o anjo a vossa resposta, mais a esperamos nós já condenados à morte, diz São Bernardo. Eia, ó querida Mãe, já se vos oferece o preço da nossa salvação, que será o Verbo Divino em vós feito homem. Se o aceitais por Filho, seremos imediatamente livres da morte. O mesmo Senhor nosso, pelo muito que está enamorado de vossa beleza, muito deseja o vosso consentimento, por cujo intermédio determinou salvar o mundo. Respondei, Senhora, depressa; não retardeis mais ao mundo a salvação, que de vosso consentimento agora depende.

Mas eis que Maria já responde ao anjo, dizendo-lhe: Eis aqui a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra. Eis a resposta mais bela, mais humilde e mais prudente, que nem toda sabedoria dos homens e dos anj os juntamente teria podido inventar, se nela pensassem por um milhão de anos! Ó resposta poderosa que alegraste o céu e trouxeste à terra um mar imenso de graças e de bens! Resposta que, apenas saída do humilde coração de Maria, atraíste do seio do Eterno Pai o Unigénito Filho, para fazê-lo homem no seio puríssimo da Virgem. Com efeito, mal foram pronunciadas as palavras “Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra”, e já o Filho de Deus passou a ser também Filho de Maria.

“Ó poderosa, ó eficaz, ó augustíssima palavra! – exclama São Tomás de Vilanova. – Com um fiat criou Deus a luz, o céu, a terra, mas com este fiat de Maria um Deus se tornou homem como nós.”

Mas não nos desviemos do nosso ponto e consideremos, primeiramente, a grande humildade de Maria nessa resposta. Bem conhecia ela quanto fosse excelsa a dignidade de Mãe de Deus. O anjo acabava de assegurar- lhe que era essa feliz Mãe, escolhida pelo Senhor. Nem com tudo isso, porém, vemo-la se adiantar na estima de si mesma, ou demorar-se em vãs complacências. Considerando de um lado o seu nada, do outro a infinita Majestade de Deus que a escolhia por Mãe, reconhece-se indigna de tanta honra. Entretanto em nada se quer opor à sua vontade. Assim, pedindo-se-lhe o seu consentimento, que faz? que diz? Toda humilhada em si mesma, toda inflamada por outra parte do desej o de unir-se assim mais com Deus, responde num completo abandono de si própria à vontade divina: Eis aqui a escrava do Senhor, obrigada a fazer o que o Senhor ordena. E queria dizer: Se o Senhor elege por Mãe a mim, que nada tenho que me pertença, é porque tudo quanto possuo dele o recebi. Quem jamais pode pensar que ele me eleja por merecimento meu? Eis aqui a escrava do Senhor! Que merecimento pode ter uma escrava, para ser feita Mãe do seu Senhor? Seja, pois, louvada somente a bondade do Senhor, e não se louve a escrava. Pois que é tudo sua bondade, pôr os olhos numa criatura tão baixa como eu, e exaltá-la tanto.

Ó grande humildade de Maria, que a faz pequena a seus olhos, mas grande diante de Deus! exclama Guerrico, abade; indigna no seu conceito, e tão digna aos olhos daquele Senhor imenso, que não cabe no mundo! Mais beleza ainda há nas palavras de São Bernardo, na quarta alocução sobre a Assunção de Maria. Aí admira a humildade desta Virgem, nos seguintes termos: Senhora, como pudestes unir no vosso coração conceito de vós mesma tão humilde, com tanta pureza, com tanta inocência e tanta plenitude de graça, como possuís? E como, ó Virgem Santa, se pode arraigar em vós essa humildade, e tanta humildade, quando tão extraordinariamente honrada e exaltada vos víeis por Deus? Lúcifer, vendo-se dotado de grande beleza, aspirou a elevar o seu trono sobre as estrelas e fazer-se igual a Deus. Ora, que diria e que pretenderia o soberbo, se se visse ornado dos dotes de Maria? A humilde Maria não fez assim. Quanto mais se viu exaltada, tanto mais se humilhou. Ah! Senhora, por esta tão bela humildade (conclui o Santo), vós vos fizestes digna de ser olhada por Deus com amor singular; digna de enamorar vosso Rei com a vossa beleza; digna de atrair, com a suave fragrância de vossa humildade, o eterno Filho, do seu repouso no seio de Deus, ao vosso puríssimo ventre. Por isso, diz Bernardino de Busti que mais mereceu Maria com aquela resposta, do que não poderiam merecer todas as criaturas com todas as suas obras.

Recompensa de sua humildade

De fato, assevera São Bernardo, essa inocente Virgem tornou-se cara a Deus por sua pureza, mas por sua humildade fez-se digna, tanto quanto possível a uma criatura, de ser Mãe do seu Criador. Da mesma opinião é o Pseudo-Eusébio de Cremona, quando afirma que Deus a tomou por Mãe, mais por sua humildade, que por todas as suas outras excelsas virtudes. A própria Virgem assim o exprimiu a Santa Brígida: Como mereci eu a graça insigne de me tornar Mãe de meu Senhor, senão porque conheci o meu nada e me humilhei? E primeiro o declarou no seu humílimo canto, quando disse: Porque o Senhor pôs os olhos na baixeza de sua serva… Maravilhas me fez aquele que é poderoso (Lc 1,48ss.). Onde nota São Lourenço Justiniano: Maria acentua que o Senhor olhou não para a sua virgindade e inocência, senão para a sua baixeza. E não se refere à sua humildade, escreve São Francisco de Sales, para louvá-la, mas antes para dizer que Deus havia olhado para o seu nada, e por mera bondade a quisera exaltar tanto.

Em suma, na frase do Pseudo-Agostinho, foi a humildade de Maria como uma escada, pela qual se dignou o Senhor descer à terra para se fazer homem no seu seio. É também o que Santo Antonino acentuou com as palavras: A humildade da Virgem foi a sua disposição mais perfeita e mais próxima para ser Mãe de Deus. e com isto se estende o que predisse Isaías: E sairá uma vara do trono de Jessé, e uma flor brotará da sua raiz (11,1). Reflete Santo Alberto Magno que a flor divina, isto é, o Unigénito de Deus, devia nascer, não da sumidade ou do tronco da planta de José, mas da raiz, precisamente para denotar a humildade da Mãe. Breve e claramente o explica também Jordão, Abade de Celes: Nota-te que a flor surgirá não da fronte, mas da raiz da planta.

Falou por isso o Senhor a esta sua serva: Aparta os teus olhos de mim, porque eles são os que me fizeram partir (Ct 6, 4). Mas para onde vos fazem eles partir? pergunta São Tomás de Vilanova. Do coração do Pai para o seio da Mãe – eis a resposta. Sobre este pensamento diz o douto intérprete Fernández: Os olhos tão humildes de Maria, com que viu sempre a divina grandeza, sem jamais perder de vista o seu próprio nada, fizeram tal violência ao mesmo Deus, que o atraíram ao seu seio virginal. E com isso se entende, diz o abade Franco, por que razão o Espírito Santo louvou tanto a beleza desta sua Esposa, aludindo aos olhos de pomba que tinha.

“Oh! como és formosa, minha amiga, como és bela! Os teus olhos são como os olhos das pombas” (Ct 4,1).

É que Maria, olhando para Deus com olhos de humilde e simples pombinha, tanto o cativou da sua beleza que com vínculos de amor o fez prisioneiro do seu seio virginal. Assim, portanto, (concluamos este ponto), na Encarnação do Verbo, como temos visto desde o princípio, não pôde Maria humilhar-se mais do que se humilhou. Vejamos agora como Deus, tendo-a feito sua Mãe, não pôde exaltá-la mais do que a exaltou.

II. A exaltação de Maria por Deus

Como Mãe de Deus, é Maria a criatura mais chegada ao Senhor

Necessário seria compreender quão sublime é a grandeza de Deus, para também se compreender a altura a que foi Maria elevada. Bastará, pois, somente dizer que Deus fez desta Virgem sua Mãe, para entender com isso que não lhe era possível exaltá-la mais do que a exaltou. Apropriadamente afirma Arnoldo de Chartres que, em se fazendo Filho da Virgem, Deus a colocou numa altura superior a todos os santos e anjos. Exceto Deus, ela é sem comparação mais elevada do que todos os espíritos celestes, como dizem Santo Efrém e Santo André de Creta. Vulgato Anselmo escreve: Senhora, vós não tendes quem vos seja igual, porque qualquer outro ou está acima, ou está abaixo de vós; só Deus vos é superior, e todos os outros vos são inferiores. É tão grande, em suma, a grandeza da Virgem, conclui S. Bernardino, que só Deus pode e sabe compreendê-la.

“Por isso ninguém se maravilhe, adverte São Tomás de Vilanova, se os santos evangelistas, tão prontos em registrar os louvores de João Batista, de Madalena, foram tão parcos em descrever as prerrogativas de Maria. Contentam-se em dizer que ‘dela nasceu Jesus’. Baste-nos isso. Com tais palavras dizem tudo, resumem-lhe todas as excelências, sendo por isso desnecessário que as fossem descrevendo uma a uma.”

E descrevê-las por quê? Maria é Mãe de Deus, e já não excede com isso a toda grandeza e dignidade que se pode exprimir ou imaginar depois de Deus? pergunta Eádmero. Igualmente conclui Pedro Celense: Dai-lhe o nome que quiserdes, de Rainha do céu, de Senhora dos anjos, ou qualquer outro título de honra, jamais chegareis a honrá-la tanto, como chamando-lhe Mãe de Deus.

É evidente a razão do exposto. Pois Santo Tomás ensina o seguinte: Quanto mais uma coisa se avizinha ao seu princípio, tanto mais recebe da sua perfeição. Ora, sendo Maria a criatura mais vizinha a Deus, do mesmo Deus ela participou mais graça, perfeição e grandeza, que todas as outras criaturas. Daqui deduz o Padre Suárez a razão por que a dignidade de Mãe de Deus é de ordem superior a toda outra dignidade criada. Pois de algum modo pertence à ordem da união de uma Pessoa Divina com a qual vai necessariamente conjunta. Assevera por isso Dionísio Cartuxo, que, depois da união hipostática, nenhuma há mais próxima que a da Mãe de Deus com seu Filho. É esta a união suprema que pode ter uma pura criatura com Deus, ensina Santo Tomás. Santo Alberto Magno afirma que ser Mãe de Deus é a dignidade imediata depois da dignidade de ser Deus. Por isso diz que Maria não pode ser mais unida a Deus, do que foi, senão fazendo-se Deus.

A Virgem devia ser Mãe de Deus. Precisou, portanto, na linguagem de S. Bernardino, ser exaltada a certa igualdade com as Pessoas Divinas, por meio de uma quase infinidade de graças. Moralmente falando, os filhos são reputados a mesma coisa com seus pais, de modo que comuns lhes são os bens e as honras. Daí deduz São Pedro Damião que, se Deus habita em diversos modos nas criaturas, em Maria habitou com modo singular de idoneidade, fazendo a mesma coisa com Maria. Depois exclama com aquele célebre dito: Aqui trema e emudeça toda criatura, ousando apenas contemplar a imensidade de tão sublime dignidade! Deus habita no seio da Virgem, com ela mantém a identidade de uma natureza.

Como Mãe de Deus, é Maria portadora de uma dignidade quase infinita

Segundo Santo Tomás, tendo Maria sido feita Mãe de Deus, em razão dessa união tão estreita com o Bem Infinito, recebeu certa dignidade infinita, a qual Suárez chama de infinita no seu gênero. Pois a dignidade de Mãe de Deus é a máxima que pode conferir-se a uma pura criatura. Ouçamos a explicação do Doutor Angélico:

“A humanidade de Jesus Cristo podia receber de Deus maior graça habitual. Mas como assim? Porque a natureza limitada da graça, como coisa criada, é sempre capaz de aumento. Entretanto não pôde a humanidade de Cristo receber maior realce que o da união com uma Pessoa Divina. Assim a Bem-aventurada Virgem não pôde também ser constituída em maior dignidade, que ser Mãe do Infinito”.

E S. Bernardino garante que o estado de sua Mãe, a que Deus exaltou Maria, foi sumo, de modo que a não pôde exaltar mais. E o confirma Santo Alberto Magno: Deus conferiu à Santíssima Virgem o que há de mais alto possível para uma criatura: a maternidade divina.

Eis a razão das conhecidíssimas palavras de Conrado de Saxônia: Deus pode fazer um mundo maior, um céu mais extenso, mas não pode fazer uma criatura mais excelsa, do que fazendo-a sua mãe. Melhor que todos, porém, a própria Mãe de Deus exprimiu a altura a que o Senhor a sublimou, quando disse: Maravilhas em mim operou Aquele que é poderoso. E por que não especificou ela quais eram essas maravilhas concedidas por Deus? Maria não as expôs, responde-nos São Tomás de Vilanova, porque são tão grandes, que não se podem explicar.

Razão teve, pois, o autor da Salve-Rainha de dizer que Deus criou o mundo por causa dessa Virgem que havia de ser a sua Mãe. São Boaventura podia dizer que o mundo persiste por disposição de Maria.

“Por vossa intercessão, ó Santa Virgem, é conservado o mundo, que no começo fundastes juntamente com Deus”.

Essas palavras fazem alusão ao texto dos Provérbios, onde se lê: Estava eu com ela regulando todas as coisas (8,30). Que, por amor de Maria, Deus não destruiu o homem depois do pecado de Adão, é sentença de São Bernardino.

Motivadamente canta, portanto, a Santa Igreja que “Maria escolheu a melhor parte”. Porquanto esta Mãe e Virgem não só elegeu a ótima parte, mas das ótimas elegeu a ótima parte. É o que no-lo atesta Santo Alberto Magno: Deus dotou-a em sumo grau de todas as graças, e dons gerais e particulares, conferidos a todas as outras criaturas.

Inefável riqueza de graças conferidas a Maria

Mas todo esse tesouro lhe foi dado em consequência da dignidade que lhe fora concedida de Mãe de Deus. De modo que Maria foi menina, mas desse estado teve unicamente a inocência, não o defeito de incapacidade. Pois desde o primeiro instante de sua vida teve o uso perfeito da razão. Foi Virgem, mas sem a ignomínia de estéril. Foi Mãe, mas conservando sempre a glória da virgindade. Foi bela, mas belíssima até, como diz Ricardo de São Lourenço, com Jorge de Nicomedia e o Pseudo-Dionísio Areopagita. O Senhor revelou a Santa Brígida que a beleza de sua Mãe excedeu a de todos os anjos e santos. Foi belíssima, repito, mas sem perigo para os que a contemplavam, porque a sua beleza afugentava os movimentos impuros e inspirava pensamentos de pureza, como atestam S. Ambrósio e Santo Tomás. Por isso ela se chamou mirra, que impede a corrupção.

“Espalhei como mirra escolhida suavidade de perfume” (Eclo 24,20).

Levava a Senhora uma vida ativa, mas sem que o trabalho a distraísse da união com Deus. Na contemplativa estava recolhida em Deus, mas sem negligência do temporal e da caridade devida ao próximo. Tocou-lhe a morte, mas sem as suas angústias e sem a corrupção do corpo.

Concluamos, pois. Esta Divina Mãe é infinitamente inferior a Deus, mas é imensamente superior a todas as criaturas. E se é impossível achar um filho mais nobre que Jesus, é impossível também achar uma mãe mais nobre que Maria. Sirva tudo isto aos devotos de Maria, não só para se regozijarem das suas grandezas, como também para aumentar-lhes a confiança no seu poderosíssimo patrocínio. Pois não diz o Padre Suárez que Maria, sendo Mãe de Deus, tem certo direito sobre seus dons, em benefício dos que a servem? Além disso, na opinião de S. Germano, Deus não pode deixar de ouvir as súplicas de Maria, porquanto precisa reconhecê-la como sua verdadeira e imaculada Mãe. Assim, pois, ó Mãe de Deus e nossa Mãe, não vos falta nem o poder nem a vontade para socorrer- nos. Sabeis, dir-vos-ei com o Abade de Celes, que Deus não vos criou para si, mas que vos deu aos anjos como sua restauradora, aos homens como sua reparadora, e aos demônios como sua debeladora. Por meio de vós recobraremos a graça divina, e por vós o inimigo é vencido e debelado.

Desejamos porventura dar um agrado à Divina Mãe? Saudemo-la então muitas vezes com a Ave-Maria. Apareceu um dia a Virgem a Santa Matilde e disse-lhe que ninguém a podia obsequiar melhor do que com esta saudação. Se assim o praticarmos, receberemos graças singulares desta Mãe de Misericórdia, como se verá pelo seguinte.

Exemplo

É célebre aquele acontecimento que refere o Padre Ségneri na sua obra intitulada: O cristão instruído. Foi confessar-se, em Roma, ao Padre Zucchi, um jovem carregado de pecados desonestos, e mal habituado. O confessor acolheu-o com caridade, e compadecendo-se das suas misérias lhe disse que a devoção a Nossa Senhora podia livrá-lo daquele desventurado vício. Portanto, impôs-lhe, por penitência, que até outra confissão recitasse pela manhã e à noite, ao levantar-se e ao deitar-se, uma Ave-Maria à Virgem, oferecendo-lhe os olhos, as mãos e todo o seu corpo, e rogando-lhe que o defendesse como uma coisa sua. E, além disso, que beijasse três vezes a terra. O jovem praticou essa penitência, ao princípio com pouca emenda. Mas o padre continuou a inculcar-lhe que jamais a deixasse, animando-o a que confiasse no patrocínio de Maria. Neste tempo partiu o penitente com outros companheiros, e levou muitos anos a rodar pelo mundo. Quando voltou a Roma, foi de novo ter com o confessor, o qual com grande júbilo e maravilha o achou completamente mudado, e livre das antigas torpezas. – Filho, perguntou-lhe, como obtiveste de Deus tão feliz transformação? Respondeu-lhe o jovem: Meu padre, Nossa Senhora alcançou-me esta graça, por causa daquela pequena prática de devoção que me ensinastes. – Mas não param aqui as maravilhas. Tendo o confessor narrado do púlpito o que acabamos de referir, foi ouvido por um capitão que entretinha, havia muitos anos, relações criminosas com uma mulher. Resolveu-se ele a praticar a mesma devoção para libertar-se daquela horrível cadeia, com que o demônio o escravizava (esta intenção é necessária a todos os pecadores, para que a Virgem os possa socorrer). Por este meio conseguiu também deixar a má conduta, e mudou de vida.

Mas o que aconteceu depois? Ao cabo de seis meses, o capitão, fiando- se loucamente nas próprias forças, quis ir um dia visitar aquela mulher, para ver se ela também tinha mudado de vida. Mas ao chegar à porta daquela casa, onde ia correr manifesto perigo de tornar a cair, sentiu-se puxado para trás por uma força invisível, e achou-se tão distante, no fim da rua, em frente à sua própria casa. Conheceu então claramente que Maria o livrara assim da sua perdição. De tudo isso se depreende quanto é solícita nossa boa Mãe, não só em arrancar-nos do pecado, se com este fim a ela nos recomendamos, mas ainda em livrar-nos do perigo de novas recaídas.

Oração

Ó Virgem imaculada e santa, ó criatura a mais humilde e a mais excelsa diante de Deus! Fostes tão pequena aos vossos olhos, porém tão grande aos olhos do Senhor, que ele vos exaltou a ponto de vos escolher para sua Mãe e fazer-vos depois Rainha do céu e da terra. Dou, pois, graças àquele Deus, que tanto vos sublimou, e me alegro convosco por ver-vos tão unida a Deus, que mais não é possível a uma pura criatura. Diante de vós que sois tão humüde, com tantos dotes, me envergonho de comparecer, eu, miserável, tão soberbo e tão carregado de pecados. Entretanto, mesmo assim, quero saudar-vos: Ave, Maria, cheia de graça. Sois cheia de graça, impetrai também a graça para mim. O Senhor é convosco. Aquele Senhor que esteve sempre convosco desde o primeiro instante de vossa criação, uniu-se agora a vós mais estreitamente, fazendo-se vosso Filho. Bendita sois vós, entre as mulheres: ó Mulher bendita entre todas as mulheres, alcançai- me também a divina bênção. E bendito é o fruto de vosso ventre: ó planta bem- aventurada, que destes ao mundo um fruto tão nobre e tão santo! Santa Maria, Mãe de Deus: ó Maria, confesso que sois verdadeiramente a Mãe de Deus, e por esta verdade estou pronto a dar mil vezes a vida. Rogai por nós, pecadores. Mas se vós sois a Mãe de Deus, sois também a Mãe de nossa salvação, e de nós pobres pecadores. Pois para salvar-nos foi que Deus se fez homem, e vos fez sua Mãe para que vossos rogos tenham a virtude de salvar qualquer pecador Eia, pois, ó Maria, rogai por nós: agora e na hora de nossa morte. Rogai sempre; rogai agora, que estamos em vida no meio de tantas tentações e perigos de perder a Deus. Mas sobretudo rogai por nós na hora da nossa morte, quando estivermos a ponto de deixar este mundo, e sermos apresentados ao divino tribunal a fim de que, salvando-nos pelos merecimentos de Jesus Cristo, e pela vossa intercessão, possamos um dia, sem perigo de jamais nos perder, saudar-vos e louvar-vos com o vosso Filho no céu, por toda a eternidade. Amém.

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