«TENHO mau gênio», ou «bebo demais», «estou sempre a criticar» ou «sou preguiçoso», são queixas familiares a quantos acreditam ainda que a nobreza de caráter é um objetivo importante. Não fariam tais afirmações se não tivessem um forte desejo de romper a cadeia dos hábitos maus. E podem realizar este desejo, porque todo o hábito mau pode ser suprimido. Mas para se libertar dele, requerem-se quatro coisas:
A introspecção é necessária para que possamos isolar o hábito e vê-lo claramente como pecado. Quando os outros nos criticam alguma falta, a surpresa que então sentimos demonstra que não hemos praticado a introspecção bastante para nos conhecermos. Há alguns que se furtam a examinar a consciência, com receio do que lá possam encontrar; parecem-se com aqueloutros covardes que não ousam abrir os telegramas, porque receiam más notícias. Mas a introspecção é para a alma o que a diagnose é para o corpo — o primeiro passo necessário para a saúde. O filho pródigo «entrou em si», antes de se resolver confessar ao pai os seus erros. Focando o holofote da atenção sobre nós mesmos, descobrimos o vício ou o mau hábito que exige correção; vemo-nos não como desejávamos ser, mas como realmente somos.
O afastamento da ocasião de pecado é o mais fácil meio de evitar o pecado. O meio de evitar incômodos é fugir das situações que nos trazem incômodos: o homem que se queima sempre que se aproxima do fogão, faz bem em se manter distante dele. O alcoólico deve evitar o primeiro trago da primeira bebida; o libertino deve conservar-se longe de mulheres bonitas; o mal inclinado deve fugir de companheiros que o aviltem. Nosso Senhor disse:
«Aquele que ama o perigo, nele perecerá»
É difícil vencer a tentação, no último momento, quando o pecado está ao nosso alcance; é fácil de vencer se agimos com decisão, evitando uma situação em que podíamos ser tentados. Porque todos nós somos influenciados pelo meio ambiente, este pode tornar-nos o pecado repelente ou atraente. Podemos, porém, escolher o ambiente que desejamos, e rejeitar implacavelmente aquele que nos leva à tentação. Disse-nos Nosso Senhor:
«Se o teu olho direito for ocasião de pecado, arranca-o e arremessa-o para longe de ti»
Isto quer dizer que, se os livros que lemos, as casas que visitamos, os jogos que jogamos, nos fazem tropeçar moralmente, devemos, então, suprimi-los e atirá-los para longe de nós.
O ato da vontade é vital para qualquer realização. Afirmam os médicos que não há melhor remédio para a cura que a vontade de viver. Portanto, se havemos de suplantar os nossos vícios, importa que contra eles usemos de vontade forte. Contraímos maus hábitos, somente porque nos deixamos vencer pelo consentimento da vontade, até que se tomaram automáticos ou quiçá inconscientes. Para os dominar, devemos inverter o processo, e servirmo-nos da vontade para acabar com esse funcionamento automático. O nosso caráter não depende daquilo que conhecemos, mas daquilo que escolhemos, e quem escolhe é a vontade. Depois de o Pródigo entrar em si mesmo e deixar o ambiente de pecado, firmou-se imediatamente nesta grande resolução:
«Levantar-me-ei e irei ter com meu pai»
Uma filosofia sã da vida é necessária para completar a obra, porque não podemos vencer os maus hábitos somente pela vontade. Exige-se também o amor. Os alcoólicos não se curam, se não encontram alguma coisa de maior valia que as atrações do álcool. Também nenhum outro vício é abandonado, se o pecador não encontra um bem positivo que preze mais que o pecado. Nosso Senhor chamou-nos a atenção para a casa limpa e asseada que foi ocupada por sete demônios piores que o primeiro; este foi o resultado inevitável, quando o mal foi expulso, mas não houve um bem que viesse ocupar-lhe o lugar. Mesmo no mundo moral, a natureza tem horror ao vácuo.
Não rejeitamos os maus hábitos porque nem sempre os odiamos devidamente. Lançamo-los fora, amando qualquer outra coisa. Importa que o novo amor que se apodera de nós seja maior do que nós mesmos, porque é o nosso ser que carece correção. Não podemos, com segurança, ir buscar esse amor, como substituto de outro, a qualquer coisa de terreno; aquele que se cura da dissipação com o orgulho ou a ambição, pode ficar pior, depois da reforma, que no pecado. Não há outro amor bastante grande que suplante todos os outros a não ser o amor do próprio Deus, com tudo o que esse amor nos leva a aspirar fazer. Santo Agostinho compendiou os seus efeitos, quando disse:
«Ama a Deus e faz o que quiseres»
Com efeito, se amares a Deus deveras, nunca quererás ofendê-Lo, como não desejarias ofender um amigo.
Não podem combater-se eficazmente os hábitos, se não tivermos uma filosofia que centralize a nossa vida em Deus, para Quem fomos criados, e sem o Qual estamos miseravelmente encadeados à sórdida companhia das nossas crescentes imperfeições.
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(SHEEN, Dom Fulton. Rumo à Felicidade – WAY TO HAPPINESS. Tradução de Dr. A. J. Alves das Neves, pároco de São Pedro da Cova. Livraria Figueirinhas, Porto, 1956, p. 218-221)