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Da Coroação de Espinhos

Coroação de Espinhos de Nosso Senhor Jesus Cristo

Capítulo XXIV

Et placlentes coronam de spinis, posuerunt supet caput ejus – “Depois tecendo uma coroa de espinhos lh’a puseram na cabeça” (Mt 27, 29)

Foi seguido o suplício da flagelação de um outro, ou sugerido pela raiva dos judeus, ou inventado pela brutalidade dos soldados. Os soldados do governador levam Jesus ao pretório, e ai, estando reunida toda a corte em volta dele, despem-lhe Os vestidos, lançam-lhe sobre os ombros um manto de escarlate, a imitar a púrpura real, por cetro põem- lhe na mão uma cana, por coroa cobrem-lhe a cabeça de entrelaçados espinhos; e como se estes espinhos não entrassem bem por uma carne já toda aberta pelos açoites, agarram da cana que tinha “e ferindo-o no rosto, enterram com todas as suas forças esta cruel coroa”.

Ó espinhos, ó criaturas! Que fazeis? Porque atormentais assim o vosso Criador? Mas não é aos espinhos que devo dirigir estas exprobrações. Iniquidades dos homens, sois vós quem penetrastes a cabeça do Redentor; sim, meu doce Jesus, sou eu que por pensamentos e desejos culpáveis formei vossa coroa de espinhos; agora detesto-os, aborreço-os mais que todo outro mal, mais que a mesma morte. Ó espinhos consagrados pelo sangue do filho de Deus! A vós me volvo contrito e humilhado; penetrai a minha alma, e fazei que ela seja sempre penetrada de dor de haver ofendido um Deus tão bom. Meu amável Redentor, pois que tanto sofreis por mim, desprendei-me das criaturas e de mim mesmo, afim de com verdade poder* dizer que não pertença mais a mim, mas que só a vós, só inteiramente a vós pertenço.

Ó Rei do mundo! A que estado vos vejo reduzido! Consentistes aparecer como um rei de teatro, ser o ludibrio de toda a cidade de Jerusalém! Ai! O sangue cai em abundância de vossa fronte sobre o rosto e peito e nem assim se contentando de vos terem feito uma chaga da cabeça aos pés, oprimem-vos ainda com novos tormentos e novos ultrajes. Ó céu, até onde pode chegar a crueldade humana! Mas o que em tudo isto mais digno é de nossa admiração, é o vosso amor; é a doçura, é a paciência com que aceitastes e sofrestes tantas indignidades para a salvação dos homens. Ó Jesus! Dai-me um coração capaz de vos amar como o mereceis.

Não obstante tudo o isto os soldados, tendo assim atormentado o nosso Salvador, revestiram-no como um rei de teatro, “puseram-se de joelhos diante dele, e escarneciam-no dizendo: Salve, rei dos Judeus”. Levantando-se, como acrescenta São João, “insultavam-no e lhe davam bofetadas”. Ó Deus! Essa sagrada cabeça, transpassada de espinhos, ao mínimo movimento ressentia dores mortais, de sorte que a cada bofetada, a cada pancada, renovavam-se todas as dores. Ó minha alma! Contempla o teu Deus neste estado! Reconhece-o ao menos pelo soberano Senhor de todas as coisas, como com efeito é; rende-lhe graças como a um rei de dor e amor, e ama-o, pois ele não sofre senão para ganhar o teu amor. E tu, ó cristão, que lês esta obra, dize-me, eu t’o peço, é possível recusar o amor a um Deus que nos ama a ponto de sofrer tão indignos tratos? É possível consentir ainda em ofende-lo? Ai! Os mais cruéis espinhos que penetram a sua sagrada cabeça são os nossos pecados; todas as vezes que um cristão consente num pecado mortal renova dalguma sorte todos os sofrimentos e todas as ignomínias da flagelação e coroação de espinhos; esta é uma pura verdade. Fujamos, pois, não só do pecado mortal, mas ainda do pecado venial, pois que ofende a nosso bom Mestre. Digo ainda mais, fujamos da mesma sombra do pecado, e esforcemo-nos a ser todos de Jesus Cristo. Ah! Diz São Bernardo, quem recusa viver para Jesus é indigno de viver, e até já está morto; quem não tem todos os sentimentos conformes aos seus, é um insensato; quem não está no mundo unicamente para ele, não merece ai estar. É por ele só que Deus criou tudo o que existe; a quem só quer estar no mundo para si e não para Deus, começa a não ser nada, a já não ter lugar entre os seres.

Amemos, pois, a Jesus; amemo-lo tanto quanto é possível a pobres criaturas ama-lo; amemo-lo até ao derradeiro suspiro da vida, e por toda a eternidade.

Ó chagas do meu Salvador Jesus Cristo, exclama Santo Agostinho, vós sois chagas de misericórdia e de bondade, de doçura e caridade. Os judeus vos abriram com incrível furor; mas vós vos tornastes o meu refugio; por vós é-me permitido sentir quão doce é o Senhor; por vós posso saborear as suavidades da misericórdia de que Deus usa para com os que o invocam, que o procuram na sinceridade do seu coração, sobre tudo com os que o amam. Ai! Que seria de mim se em vós não achara uma abundante redenção, uma fonte de doçura nas tribulações deste exílio, uma doce confiança na graça do meu Jesus, e um contínuo alento para progredir na via da perfeição e do amor de Deus? Que seria de mim? Sejais bendito, ó Jesus! Por essa ternura que vos levou a vos deixar cobrir de chagas e a deixar-me refugiar nelas, para escapar ás furiosas perseguições dos inimigos da minha salvação: sejais bendito para todo o sempre. Assim seja.

RESOLUÇÕES PRÁTICAS

Evitar os Pecados Veniais

Acabas de o ver, meu caro Teótimo; o mais cruel de todos os espinhos que penetrar possam a cabeça do nosso Salvador, é o pecado. Se com efeito amas a este terno amigo de nossas almas, evita com cuidado não digo somente o pecado mortal; ai! É um monstro tão horrendo, que só o seu pensamento te deve inspirar horror: um pecado mortal! Ó meu caro Teótimo, Deus no persevere de jamais cometermos um só! mas evita também os pecados veniais, por mais leves que te pareçam. Vela atentamente sobre ti mesmo, afim de não cometeres algum de propósito deliberado, o que é possível com a graça de Deus.

1. Vela sobre a tua língua: assim, nada de mentiras leves, de ligeiras murmurações tão comuns no trato da vida; nada de discurso inconsiderados, de palavras de vaidade, de zombarias do próximo, e até de palavras inúteis, pois delas terás um dia de dar conta.

2. Vela sobre os olhos: assim nada de inúteis olhares sobre os objetos que te cercam, e muito mais te podem ser perigosos.

3. Vela sobre o espírito: assim a ninguém julgues, exceto se a isso o dever te obrigar; não suspeites facilmente mal, não nutras uma secreta estima de ti mesmo e de tudo o que fazes, etc.

4. Vela sobre o teu coração: assim não te deixes prender de laços muito vivos ou naturais ás criaturas, quaisquer que sejam; não cultives ciumezinhos, etc. Em uma palavra, vela sem cessar, vela sobre tudo; não te permitas leves distrações, pequenas impaciências, perda de tempo, rir imoderado, visitas inúteis, gosto de aparecer, pequenos excessos no comer, beber, dormir, jogar, etc. Sobre tudo não digas em teu coração: “São faltas pequenas, de que não se me dá corrigir-me”; isso era causar ao nosso bom Mestre um grande desgosto, era reconhecer muito mal o seu amor por nós. Vamos, meu caro Teótimo, resolve-te desde já a nunca mais cometeres pecado venial voluntário. Pede a nosso Senhor que te ajude, e ele o fará.

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(Pinnard, Abade Dom. As Chamas do Amor de Jesus ou provas do ardente amor que Jesus nos tem testemunhado na obra da nossa redenção. Traduzido pelo Rev. Padre Silva, 1923, p. 179-188)