Capítulo VII
Rorate, coeli, desuper, et nubes pluant Justum; aperlatur terra et germinet Salvatorem. Emitte Agnum Dominatorem terrae. Salutare tuum da nobis – “Derramai, ó céus, o vosso orvalho; nuvens, chovei o Justo; abrase a terra e germine o Salvador” (Is 45, 8). “Eviai-nos, Senhor, o Cordeiro dominador da terra” (Is 36, 1). Dai-nos o Salvador que nos prometestes” (Sl 84, 8)
Depois de haver Deus em sua misericórdia prometido um Salvador ao homem caído no pecado e condenado no inferno, não cessavam de subir ao céu, para apressar a sua vinda, os votos e preces dos santos e profetas do Antigo Testamento.
“Lá do alto desses céus, Senhor, exclamavam, reparai e lançai os vossos olhos sobre vossas miseráveis criaturas; onde está a ternura de vossas entranhas e da vossa misericórdia? Lembrai-vos do que nos aconteceu e das desgraças que vieram sobre a nossa cabeça. Vede o nosso opróbrio, e misérrimo estado a que estamos reduzidos. Escravos nos dominaram e carregaram de cadeias; tornamo-nos o ludíbrio das nossas paixões e os nossos inimigos tomam em divertimento o insultar-nos a nossa fraqueza. Esquecestes-vos para sempre de nós, Senhor, e nunca chegaremos a ver esse libertador tão solenemente prometido! Ah! Nós vos deprecamos, enviai aquele que tendes de enviar. Inclinai os vossos ouvidos e escutai; abri os vossos olhos e reparai em nossa desolação. Ouvi-nos, Senhor; não tardeis a enviar o nosso legislador, em nome da vossa mesma glória vo-lo suplicamos”
Estes eram os votos dos patriarcas. Oh! E que ardentes que eram os seus suspiros! Oh! Com que abrasamento ansiavam a vinda do Messias! Com quanta impaciência o esperavam! Que se eles tinham a dita de ver este Salvador, o que não fariam por agradar-lhe! Com que carinhos não procurariam expressar-lhe o seu amor! Com que fervor não agradeceriam tantas graças que lhes trazia!
E nós, cristãos, que temos a ventura de vermos a Jesus Cristo, de em nossos tabernáculos o possuirmos, nós que de todas as partes estamos enredados em laços do seu amor, nós, a quem ele acumulou de benefícios, inebriou de sangue, que proceder é o nosso? “Pasmai, ó céus!” se já ao menos pensássemos no que por nosso amor Jesus fez? Se a um tão terno amigo prestássemos sequer algum amor! Mas que digo eu? Se nós, em recompensa de tantos benefícios seus, já temos haver-lhe feito condigna satisfação, quando não o façamos a receber de nós desprezos e ultrajes!… Ah! Deixemos finalmente de ser ingratos, amemos a Jesus, quanto possível nos for o ama-lo. Se muito não o podemos amar, desejemos pelo menos amá-lo quanto caiba em nossas forças; que os bons desejos, quando sinceros, agradam ao Senhor, e não deixará de os encher. Sim, desejamos amar muito a Jesus; mas que não vão nossos desejos ser semelhantes aos do preguiçoso. O preguiçoso também nutre em seu coração o desejo de amar Jesus; mas, desgraçadamente, contenta-se só com este desejo estéril, que o mata; obrar porém, não obra. Não o imitemos nós; amemos ao nosso bom Mestre não de boca e palavras, mas de coração e afetos; sejamos fiéis a todos os deveres do estado em que nos colocou a divina Providência; e quando por amor de Jesus exatamente houvermos cumprido todos os nossos deveres, desejemos poder fazer ainda mais, afim de mais lhe agradarmos. São estes os verdadeiros desejos que aos olhos de Deus equivalem muitas vezes ao valor da própria ação.
“Abri os céus, Senhor, exclamava o profeta Isaías, descei; ao vosso aspecto abater-se-ão as montanhas, ficarão consumidas como tudo o que é devorado pelo fogo, e as águas ferverão”
Sim, Senhor, ao verem-vos os homens baixar do céu à terra por seu amor, aplanar-se-ão as montanhas, isto é, para vos servir derrubarão os homens todos os obstáculos, expedirão todas as dificuldades, que antes miravam como inacessíveis montanhas; as águas ferverão em cachão, isto é, as mais frias almas sentir-se-ão abrasadas do fogo do vosso amor. E nas bem-aventuradas almas de muitos santos bem se realizou esta profecia, em particular na de Santa Maria Madalena, Santo Inácio Mártir, Santo Agostinho, Santa Tereza, São Filipe Neri, São Francisco Xavier, São Luiz Gonzaga, e de um grande número de outras que na terra foram consumidas deste fogo sagrado. Mas ai! Quão raras são estas almas em comparação do número quase infinito das que ficam insensíveis à ternura do nosso Deus! Que raras que são!
Meu Jesus, quero eu também ser do número dessas almas tão raras que do amor vosso se consomem. Ai! Há muito que já no inferno devia arder, de vós para todo o sempre separado; e na dura necessidade de aborrecer-vos e amaldiçoar-vos por toda a eternidade! Mas sobre mim velou sempre a vossa misericórdia, no meio das minhas desordens me sofrestes com admirável paciência, para ainda um dia me verdes consumido não desse fogo abrasador de que são abrasados os condenados, mas do doce, das chamas santas do vosso amor. Neste intento é que tantos raios de luz me enviastes, tantas inspirações, tantos desejos de voltar a vós me prodigalizastes, ainda longe de vós vivia; e neste intento que lançastes mão de todas as finezas da vossa ternura, que me traístes por vossas bondades e afabilidades, que pusestes tudo em ação para roubar este mísero coração. Ah! Deus meu; este mísero coração está todo ulcerado, todo coberto ainda da lepra de pecado!
Mas se me o pedis, ó meu Deus, ei-lo, todo vo-lo dou; tomai-o vós mesmo e curai-o; será para sempre vosso; para sempre, para sempre. Mas ai; é tanta a minha inconstância e fraqueza, que só vós, ó meu Jesus, só vós o podeis conservar junto a vós e dar-me a força de constantemente vos permanecer fiel; de vossa infinita bondade firmemente espero esta graça. E que! Meu Deus; terei eu ainda a covardia de abandonar-vos e sem o vosso amor viver um instante, um só instante? Amo-vos, ó meu Jesus! Mais que todas as coisas do mundo, mas bem pouco é isto. Amo-vos mais do que a mim mesmo; mas é ainda muito pouco. Amo-vos então de todo o meu coração de toda a minha alma, de todas as minhas forças, de todo o meu ser; mas ai! É sempre muito pouco, muito pouco! Meu Jesus, ouvi-me; mais amor, sim, mais amor, mais amor. Ó Maria, orai a Deus por mim, obtende-me a graça de começar finalmente a amá-lo verdadeiramente; e de o amar sempre mais e mais, até que chegue à felicidade de convosco o amar no céu. Assim seja.
RESOLUÇÕES PRÁTICAS
Desejo de Perfeição
Hoje excita em teu coração o amor e desejo da perfeição e santidade; de nosso adiantamento espiritual esta é a base, pois o Espírito Santo nos ensina “que o princípio da sabedoria é desejarmo-la verdadeiramente em nosso coração“. No decurso deste dia repete frequentemente:
“Meu Jesus, fazei que eu tenha fome e sede de justiça”
Oh! Que feliz não serás tu quando todos os teus pensamentos tenderem como que naturalmente a buscar os meios de santificares! Sim, afortunado serás porque em teu coração já possuis seguro penhor da presença de Deus.
Este é o sentir de São Bernardo, e ele o comprova por estas palavras:
“Os que me comem terão mais fome, os que me bebem terão mais sede”
Se em ti sentes esta fome e sede do teu espiritual adiantamento, regozija-se; sinal evidente é que Deus habita em tua alma; quem te causa essa sede é Ele. Sejam todos os teus afins excitá-la cada dia mais, “porque Deus sacia a quem dEle está sequioso“. Mas, senão sentes o desejo da perfeição, o desejo de uma santidade sempre crescente, trevas é o teu caminho, inesperados precipícios talvez te aguardem. Como quer que seja, hoje faze as tuas ações tão perfeitamente como se esta noite houvesse de morrer; sejam pequenas ou grandes. deleitosas ou enfadonhas, fáceis ou custosas, humildes ou elevadas, o amor de deus e sua maior glória seja de todas o alvo. Por este modo obterás a sede da perfeição, e se já a tens, muitíssimo a aumentarás.
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(Pinnard, Abade Dom. As Chamas do Amor de Jesus ou provas do ardente amor que Jesus nos tem testemunhado na obra da nossa redenção. Traduzido pelo Rev. Padre Silva, 1923, p. 43-51)