Meditação para a Oitava Sexta-feira depois de Pentecostes
SUMARIO
Meditaremos sobre a obrigação de empregar bem o tempo e de não o esperdiçar. Veremos que esta obrigação é:
1.° De preceito divino;
2.° De direito natural.
— Tomaremos depois a resolução:
1.° De estarmos sempre muito ocupados;
2.° De nos ocuparmos especialmente no trabalho que entra na ordem dos nossos deveres no momento atual.
O nosso ramalhete espiritual será a palavra de Deus a Adão:
“Comerás o teu pão no suor do teu rosto” – In sudore vultus tui vesceris pane (Gn 3, 19)
Meditação para o Dia
Adoremos Jesus Cristo empregando, pela glória de seu Pai e salvação dos homens, todos os momentos que passou sobre a terra. Nenhum instante dado ao prazer, à satisfação própria (1); faz sempre o que é do agrado de seu eterno Pai (2). Agradeçamos-Lhe este grande exemplo, que nos dá, e amemo-lO e louvemo-lO.
PRIMEIRO PONTO
A obrigação de empregar bem o tempo é de Preceito Divino
Se ainda quando fôssemos filhos de Adão inocente, um preceito divino nos obrigaria a utilizar o tempo trabalhando, pois que está escrito que Deus pôs o homem no paraíso terrestre para que o cultivasse (3), quanto mais não nos obriga a trabalhar, sendo filhos de Adão delinquente, esta lei imposta a ele e a todo o gênero humano, sem distinção de ricos e pobres, de grandes e pequenos:
“Comerás o teu pão no suor do teu rosto?”
Jesus Cristo confirmou esta lei, declarando que o servo inútil será lançado nas trevas exteriores (4); que a árvore, que não dá bom fruto, será cortada e lançada no fogo (5); que finalmente todos terão de Lhe dar conta dos talentos que lhes confiou: e que são esses talentos senão as suas faculdades que a ociosidade paralisa ou dissipa; senão o tempo, que se deve gastar todo no serviço de Deus? Se algum não quer trabalhar não coma (6); é indigno de ocupar um lugar na terra (7), lhes diz Ele pelo seu Apóstolo.
SEGUNDO PONTO
A obrigação de empregar bem o tempo é um Preceito de Direito Natural
O direito natural proíbe nos que desonremos a nossa dignidade humana, que abusemos dos dons de Deus, e que arrisquemos a nossa salvação. Ora a perda do tempo:
1.° Desonra a nossa dignidade humana, porque é uma desonra viver na inação, ter uma existência que para nada serve, e que é na terra um fardo inútil.
2.° É um abuso dos dons de Deus, a saber: do tempo que é uma dádiva da Sua munificência; das nossas faculdades, que a ociosidade debilita, embota, amortece.
3.° Arrisca a nossa salvação: porque a experiência ensina que a ociosidade é a mãe de todos os vícios; gera-os, desenvolve-os e fortifica-os (8); foi a causa das iniquidades e ruína de Sodoma; tão verdade é, que não há pecados que ela não possa induzir a cometer, castigos do céu que não possa atrair! (9). Ela tem pervertido os mais insignes varões: Sansão, Davi, Salomão, depois de terem sido santos no trabalho, perverteram-se na ociosidade (10). A razão disto é fácil de conceber. Assim como o corpo se desenvolve com o exercício, se fortifica com o trabalho, enquanto que se debilita com a inação, perde o seu vigor com a imobilidade; assim também a alma se enerva com a ociosidade, perde a sua energia e desfalece. Neste triste estado. O coração endurece, a imaginação divaga, o espírito entrega-se a pensamentos inúteis, tem-se por bons todos os meios de se ficar desembaraçado de um tempo em que se não sabe o que se há de fazer, e por conseguinte passa-se em companhias perigosas, em conversações alegres, algumas vezes licenciosas e pouco decentes. Emprega-se, absorve-se a inteligência em coisas fúteis, em leituras vãs, em quimeras; e então não se pode já contar com a virtude. Todas as tentações têm fácil acesso, todos os vícios impressionam. Os demônios, que bem o sabem, aproveitam esses momentos e vêm de tropel tentar a alma. É o demônio da soberba e do amor-próprio, o demônio da impureza e sensualidade, o demônio da cobiça e amor das riquezas: todos, finalmente, se juntam para acometer, e sucumbe-se. O que levou Cassiano a dizer que, em vez de um demônio que tenta um homem que trabalha, há mil que tentam a alma ociosa (11).
À vista desses fatos, comprovados pela experiencia, quem não compreenderá a obrigação que há de empregar bem o tempo e de nunca o esperdiçar? Que exprobações não temos a fazer a nós mesmos nesta matéria! Que momentos perdidos na ociosidade! Deploramos esse triste passado, e propomo-nos empregar melhor para o futuro o nosso tempo?
Resoluções e ramalhete espiritual como acima
Referências:
(1) Christus non sibi placuit (Rm 15, 3)
(2) Quae placita sunt ei, facio semper (Jo 5, 29)
(3) Posuit Deus Hominem in paradiso…, ut operantur (Gn 2, 15)
(4) Inutilem servum ejicite in tenebras exteriores (Mt 25, 30)
(5) Omnis arbor quae non facit fructum bonum, excidetur, et ingnem mittetur (Mt 3, 10)
(6) Si quis non vult operari, nec manducet
(7) Succide illam: ut quid etiam terram occupat?
(8) Multam malitiam docuit otiositas (Ecl 33, 29)
(9) Haec fuit iniquitas Sodomae…, otium ipsius (Ez 16, 49)
(10) In occupationibus sancti, in otio perierunt (Ad frat. erem., serm., 6, inter Op. S. Augus.)
(11) Operantem uno daemone pulsavi, utiosum vero innumeris devastari (Cass., tit. 10, c. 19)
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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo VI, p. 35-38)