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As Virtudes da Humildade e da Mansidão

Compre a coleção As 12 Virtudes para cada mês do ano, na Editora Rumo à Santidade
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Mês de Agosto: As Virtudes da Humildade e da Mansidão
Mês de Julho: A Virtude da Obediência

Mês de Agosto

Breve introdução sobre a humildade e mansidão e o Apóstolo Patrono

Sem a humildade não se pode agradar a Deus:

“Deus resiste aos soberbos, dá a Sua graça aos humildes” (Tg 4, 6)

A humildade de espírito consiste em nos termos por miseráveis como realmente o somos. Na prática:

1.º Desconfiemos sempre de nós mesmos;

2.º Não nos gloriemos de coisa alguma;evitemos até falar a nosso respeito;

3.º Não nos indignemos contra nós mesmos depois duma falta, mas levantemo-nos, contando com o socorro de Deus para não cairmos mais;

4.º Sejamos compassivos para com as quedas dos outros;

5.º Olhemo-nos como os maiores pecadores do mundo, pois tantas graças havemos recebido e tão pouco nos havemos aproveitado delas.

— A humildade de coração exige que folguemos de ser desprezados pelos outros. Na prática:

1.º Recebamos tranquilamente as admoestações, e agradeçamos a quem nos corrige;

2.º Quando recebemos alguma afronta, suportemo-la com paciência, e procuremos amar ainda mais aquele que nos despreza. Que de desprezos não padeceu Jesus por nós?

Dize, muitas vezes, com Santo Agostinho:

“Senhor, fazei-me conhecer quem Sois Vós e quem sou eu, para que Vos ame e me despreze”

Sabes quantos pecados cometestes; sabes que tua vida inteira é uma cadeia ininterrupta de faltas e que merecestes talvez mais castigo do que recompensa por tuas boas obras, visto estarem cheias de imperfeições. Persuade-te, pois, que ignomínia e desprezo é que mereces e alegra-te quando os tiveres de suportar.

Nunca fales coisa alguma em teu louvor, quer se trate de teus talentos, de tuas boas obras, de teres ilustre descendência ou de qualquer outra prerrogativa. Quando, porém, fores louvado por outros, humilha-te interiormente, lançando uma vista a teus pecados. Sendo criticado, não te irrites com isso, agradece antes a quem te repreende, pois seria muito injusto, como diz São Bernardo, se quisesses te irritar contra aquele que te mostra o caminho da salvação. Mesmo sendo a repreensão injusta, deves, por amor à santa humildade, renunciar à tua defesa, a não ser que a tua justificação seja necessária para evitar um escândalo público. Convence-te que, para chegares à perfeição, deves ser humilhado sensivelmente.

Ainda que todos que te circundam fossem santos, Deus saberia dispor as coisas de tal maneira que encontrarias toda a espécie de contradição, e serias desprezado, criticado e posposto aos outros. Por isso toma a peito a bela admoestação que o Pe. Torres dava a seus penitentes:

“Rezai todos os dias um Pai-Nosso e uma Ave-Maria em louvor da vida desprezada de Jesus e oferecei-vos para suportar não só com calma, mas até com alegria, toda a adversidade e desprezo que Deus vos enviar; pedi-Lhe ao mesmo tempo Seu auxílio para que possais executar a vossa resolução’’

Não te deixes dominar jamais peia ira, aconteça o que acontecer. Se às vezes te sentires internamente irritado, encomenda-te quanto antes a Deus, reprime tua língua e nada faças antes de se acalmar por completo tua irritação.

Se tiveres de dar alguma ordem a alguém, faze-o mais suplicando do que mandando. Se tiveres de agir com severidade, acautela-te contra todo o azedume, tão desaprovado por São Tiago; ajunta sempre à séria exortação algumas palavras de bondade.

Mostra-te benévolo e caridoso para com todos, em toda a ocasião e lugar, mas especialmente quando encontrares alguma contradição. Para esse fim prepara-te na oração para todas as contrariedades que te poderão suceder; assim praticaram os santos e essa prática levou-os a suportar com paciência todas as ofensas, e até pancadas e maus tratos. Não percas igualmente a coragem à vista de teus próprios defeitos, mas ergue-te com toda a tranquilidade de tua queda, humilha-te diante de Deus e continua resolutamente o teu caminho.

Sumário
I. A sua natureza
II. Da grande importância da Humildade
III. Da Humildade do Entendimento
IV. Da Humildade da Vontade
V. Da grande importância da Mansidão
VI. Do Exercício da Mansidão
VII. Meios contra a Raiva
VIII. A Humildade e a Mansidão do Redentor
IX. A Prática da Humildade e da Mansidão
X. Orações para alcançar a Virtude do Mês

Mês de Agosto: As Virtudes da Humildade e da Mansidão. Apóstolo Patrono: São Bartolomeu
Mês de Agosto: As Virtudes da Humildade e da Mansidão. Apóstolo Patrono: São Bartolomeu

I. A Natureza da Humildade e da Mansidão

Por Pe. Oscar das Chagas C.SS.R.

Desde que a serpente arrastou os nossos primeiros pais ao caminho do orgulho pelas promessas enganadoras: “Sereis como deuses”, apesar das cruéis desilusões seguidas a essas pretensões sacrílegas, o homem tem a inclinação de se substituir a Deus. Cego por si mesmo, quer arrogar-se sempre os atrativos da divindade.

Deus é, em Si mesmo, o oceano infinito de toda perfeição: a bondade, a beleza, a majestade o soberano Bem; em Suas obras é a onipotência, a sabedoria suprema; princípio de todo o bem, é o último fim de todas as coisas; único ser necessário ao qual deve a existência tudo quanto existe fora dEle, é o soberano Senhor do universo: a Ele só a glória, a majestade, a independência. Ele falou e tudo se fez, o nada tornou-se fecundo: dixit et facta sunt; Ele fale e tudo deixará de existir. Eis por que as Suas criaturas mais maravilhosas não passam diante dEle de sombra, de ínfima poeira que um sopro de Sua boca pode fazer desaparecer, porque, segundo a bela expressão de Bossuet, só tem por fundo o nada. Perante o Senhor, as nações são como se não fossem: Omnes gentes quasi non sint, sic sunt coram eo.

Ora, o orgulho pretende usurpar os atributos da divindade. Em vez de dar ao Senhor a glória de seus dons, tem-nos para si e prevalece-se deles como se os tivessem de si mesmo; pretende, pois, por si mesmo, como Deus. Esquecendo-se que a sua atividade, as suas energias, as suas faculdades seriam reduzidas à impotência sem o auxílio divino, ele quer, como Deus, ser princípio, dirigir a sua vida, ser o autor da sua felicidade. Última usurpação, enfim, consequência das outras, quer, como Deus, ser fim último, trabalhando para si e mendigando as homenagens das outras criaturas. O orgulho é, pois, a mentira, a injustiça, a desordem, e por isso Deus tem de reprimi-lo.

Embora Sua bondade se alegre em difundir os seus benefícios, Deus não pode enriquecer deles o orgulhoso, que os usa de modo tão detestável: Deus tem de retirar-Se dele.

Assim devemos entender as palavras do Senhor: Gloriam meam alteri non dabo; darei às criaturas todas as riquezas da natureza e da graça; mas a minha glória de princípio e de fim de todas as coisas, não posso cedê-la nem reparti-la com ninguém; para Deus isso seria negar-se a Si próprio.

É assim que o orgulho afasta Deus de nós e fecha-nos a fonte de todo o bem.

Ora, a humildade procura precisamente reprimir essas tendências, essas pretensões desregradas do orgulho; podemos descrevê-la:

Uma virtude pela qual a alma, tendo uma justa consciência de seu nada e penetrada de respeito e temor filial para com Deus, reprime todo desejo desordenado de excelência e grandeza, e submerge-se em sua abjeção.

Salientemos nessa descrição três pontos principais ao redor dos quais gruparemos as reflexões que temos de apresentar sobre a natureza da humildade:

1.º O seu fundamento, ou o conhecimento que a alma humilde possui do seu nada;

2.º O sentimento ou o motivo que inspira — ou o respeito filial de Deus;

3.º O ato próprio dessa virtude, — ou a repressão de toda tendência desordenada à grandeza ou a excelência.

À base da humildade acha-se o conhecimento da nossa miséria; ora, explica o doutor angélico, a nossa miséria é dupla: há em nós a miséria do nada e a miséria do pecado; somos pobres criaturas e criaturas culpadas. Que tendes, diz-nos São Paulo, que não seja dom de Deus? Quid habes quod non aocepisti? Por base o nada, diz por sua vez Bossuet, e por aquisição o pecado: eis o balanço das nossas riquezas.

A alma humilde reconhece, com efeito, e confessa a sua miséria; mas esse reconhecimento não constitui a humildade, é apenas a preparação, a condição sine qua non, a sua regra indispensável.

Sem esse conhecimento, é impossível a humildade; porque é necessário que a alma se conheça para compreender quão injustificáveis são as pretensões do seu orgulho; porém esse conhecimento pode achar-se com o mais declarado orgulho: é o caso daqueles que, forçados pela evidência a reconhecer a sua inferioridade, com ela se irritam e se revoltam na mais profunda amargura.

A alma verdadeiramente humilde não só reconhece a sua baixeza, a sua indignidade, mas a aceita também generosamente com todas as consequências que dela emanam. Reconheço que não passo dum puro nada culpado; só mereço, pois, o desprezo e o aceito. Eis por que Santo Afonso, com vários autores, distinguiu a humildade de espírito que é conhecimento do nosso nada, e a humildade de coração, que é a sua aceitação; mas a humildade reside essencialmente no coração ou na vontade: Discite a me quia mitis sum et humilis corde.

Quererá isso dizer que a humildade impede que reconheçamos os dons de Deus tanto na ordem natural como na sobrenatural? Absolutamente não. Santa Teresa afirma-nos algures que nunca empreenderemos nada de grande para Deus, se não reconhecermos haver recebido dele grandes dons. Mas a humildade nos premune contra o exagero nesse sentido, pois que refere a Deus toda a honra e glória, reconhecendo que só Ele é o princípio de todo o bem e que tudo quanto temos e somos é um dom de Sua liberalidade e munificência. Esse é o sentido desta outra palavra de Santa Teresa: a humildade é a verdade.

Mas qual é o motivo que decide a alma cristã a reconhecer e a aceitar assim a sua inferioridade, e a ficar no seu lugar apesar dos instintos violentos que a levam a procurar em tudo a sua própria excelência e exaltação? É o respeito e o temor de Deus. Santo Tomás ensina-o positivamente.

Há, porém, 1.º o respeito do escravo que se conserva na ordem por medo do castigo; 2.° o respeito do servo em que domina o temor, embora encerre já um elemento de estima e amor para com o patrão; 3.º enfim, o respeito filial: é o sentimento do filho que acima de tudo teme ofender o seu pai; nesse sentimento domina o amor, embora não seja banido todo o temor. Compreende-se facilmente que a humildade será tanto mais perfeita e generosa quanto mais se inspirar na caridade e for fruto do temor filial de Deus. Quanto mais uma alma ama o Senhor, tanto mais teme roubar-Lhe uma parcela de glória pelas usurpações do orgulho, e tanto mais quer, mergulhando-se no seu nada, fazer resplandecer a grandeza suprema de Deus, único princípio e fim soberano de todas as coisas: Non nobis, domine, non nobis, sed nomini tuo da gloriam. É a palavra de São João da Cruz: Domine, pati et contemni pro te. A humildade perfeita, levada até ao amor do desprezo, só deve sobre a terra brilhar com Jesus, que fez reinar entre nós a lei da caridade.

Cheguemos ao ato próprio da virtude da humildade: é um ato de repressão. Aclarada de um lado sobre o seu nada, de outro lado sobre a grandeza de Deus, e penetrada de respeito para com a divina Majestade, a alma reprime todo desejo desordenado de exaltação. E como a exerce essa repressão? Mergulhando-a sua miséria, da qual a pretende fazer sair o orgulho. Sou rico e poderoso, diz o orgulho, para mim seja o louvor e a glória; tu não passas de cinza e pó, responde a humildade, a ti o desprezo de toda criatura.

Antes de irmos mais longe, é necessária aqui uma explicação. Se o ato de humildade fosse essencialmente e sempre um ato de repressão, resultaria que essa virtude não seria possível e não teria sua razão de ser, senão nas almas não trabalhadas pelo orgulho; e, quanto mais uma alma tivesse domado esse vício, tanto menos teria de preocupar-se com a humildade e tanto menos lhe seria possível praticar essa virtude. É preciso, pois, não urgir a palavra de Santo Tomás.

Papel da humildade é manter a alma na verdade e na ordem, ou de lá conduzi-la quando dela pretender sair por pretensões orgulhosas, reprimindo essas pretensões. Ora, o orgulho, que é a fonte de todo pecado, é também o seu primeiro fruto; por isso o ato de humildade é de ordinário um ato de repressão, porque nós, vítimas do pecado, somos mais ou menos infetados do orgulho. Assim, porém, como é mais perfeito prevenir um mal do que remediá-lo, e preferível impedir uma sedição a reprimi-la logo, assim a alma que, penetrada do sentimento da sua baixeza e tomada de respeito para com a Majestade divina, não é nem tentada a levantar orgulhosamente a cabeça e só pensa em abismar-se no seu nada, é mais humilde e mais agradável a Deus.

Notemos que a humildade não reprime todo desejo de excelência, mas o desejo desordenado. Querer chegar à virtude, à perfeição pelo auxílio divino e para glorificar a Deus, não é contrário à humildade, mas, conforme à vontade divina. Tenhamos grandes desejos, dizia Santa Teresa, e pouco a pouco chegaremos aonde chegaram os santos. Querer fazer grandes coisas visando à glória divina, pelo auxílio de Deus e para cumprir a Sua vontade, não é absolutamente contrário à humildade, mas é o feito de grandes almas, a magnanimidade que se harmoniza admiravelmente com a mais sincera e profunda humildade. São Vicente de Paulo é a prova disso, como o foram, aliás, todos os santos, que, desconfiando de si próprios e contando só com o socorro divino, empreenderam e realizaram as mais estupendas maravilhas.

De outro lado, recusar fazer a mínima coisa e coalhar-se na inércia, alegando a sua incapacidade e miséria, não seria humildade, mas pusilanimidade ou estreiteza de alma.

Não devemos, semelhantemente, ver humildade no desânimo ao qual se entregam certas almas depois das suas faltas. Se essas almas fossem aclaradas por Deus e tivessem bem consciência da sua miséria e incapacidade, não se admirariam das suas fraquezas, mas compreenderiam que seu apoio só pode ser Deus. Santo Afonso ensina-nos que o desânimo nasce do orgulho que quisera agir por si mesmo e se entrega ao despeito no insucesso.

Pela humildade a alma reprime as pretensões do orgulho, abismando-se em sua abjeção; isso não quer dizer que a alma se rebaixa, isso seria descer ela abaixo de si mesma, pois que não há nada abaixo do nada e do pecado. Só o Filho de Deus se rebaixou: pois que de Senhor se fez servo, do céu desceu até nós para Se revestir da nossa pobre natureza; de Deus Se fez homem, Jesus não só Se humilhou, mas Se aniquilou, diz o apóstolo. Abismando-se, porém, em sua abjeção, a alma, sem se rebaixar, coloca-se em seu lugar e fica onde lhe convêm. Aqui ainda a humildade é a verdade.

Se, todavia, o homem não pode descer abaixo do que é por si mesmo, por ser um puro nada e pecador, pode degradar em si a obra de Deus, o que sucedo, diz Santo Tomás, quando o homem, desconhecendo a dignidade da sua natureza tal qual Deus a fez, não obedece mais às leis da razão, mas se deixa arrastar pelos instintos grosseiros do irracional que nele se acham. Assim não só não pratica a virtude da humildade, mas se desonra é avilta. Proclamando o seu nada e a sua miséria, o homem deve respeitar e honrar os dons de Deus em si; com mais razão ainda deve respeitar e fazer respeitar o que Deus nele pôs como em depósito. Assim, por exemplo, seria censurável o superior que, sob o pretexto de humildade, deixasse desprezar e vilipendiar a autoridade de que é depositário.

Para, enfim, ser sincera e verdadeira, a humildade deve antes de tudo estar no coração e não só nas palavras e nos atos externos.

Penetrada do sentimento da sua baixeza, a alma verdadeiramente humilde sabe que não tem direito a nenhuma intimidade, a nenhuma atenção, e que o esquecimento e mesmo o desprezo é que convém ao nada culpado. Conduzindo-se de acordo com as suas convicções, não procura exibir-se, não se agita para chamar a atenção sobre si, não pretende os primeiros lugares; mas o seu desejo é ser desprezada e passar despercebida: ama nesciri et por nihilo reputari.

Se lhe acontece colher algum desprezo, não se revolta; mas pela mansidão, da qual falaremos mais abaixo, reprimindo toda cólera, permanece calma e aceita ser tratada como reconhece merecer. Não se julga no direito de desprezar ninguém; a que título poderia fazê-lo um nada pecador?

Vendo apenas a sua indignidade, compraz-se em contemplar-nos outros a obra de Deus, para lhes testemunhar respeito e veneração. Também não se sente tentada a preferir-se a ninguém. Os santos consideravam-se como a escória do mundo, dizendo cada qual ser o ente mais vil e miserável; era a convicção da sua alma que se refletia em toda a sua vida exterior, nas suas palavras, nos seus olhares, na sua postura nos menores dos seus atos, onde tudo respirava a mais encantadora modéstia e o mais profundo desprezo de si mesmo.

Mas há alguns que desejariam cobrir com o manto da humildade o orgulho mais refinado. Tomam dessa virtude as aparências exteriores, chegando até a depreciar-se a si próprio, mas com o desejo secreto e culpado de captar mais seguramente a estima e a veneração alheias; é isso, diz Santo Agostinho, a pretensão mais orgulhosa, porque pesquisa a excelência da glória que se irradia somente da fronte da virtude.

Quanto aos graus da humildade, é claro que podem ser classificados de diferentes maneiras, segundo a diferença dos pontos de vista em que alguém se coloca. São Bento enumera em sua Regra doze graus de humildade. O primeiro grau, segundo esse santo, consiste em alguém se mostrar sempre humilde, tendo os olhos baixos voltados para a terra; o segundo, em falar pouco e em dizer coisas sensatas sem elevar a voz; o terceiro, em não rir levianamente ou sem motivo; o quarto, em guardar o silêncio até ser interrogado; o quinto, em observar o que manda a Regra comum do mosteiro; o sexto, em crer-se e dizer-se mais desprezível do que os outros; o sétimo, em confessar-se e julgar-se indigno e incapaz de tudo; o oitavo, em fazer a confissão das suas culpas; o nono, em aceitar com paciência por obediência as coisas mais duras e molestas; o décimo, em submeter-se obediente aos superiores; o undécimo, em não querer fazer a sua vontade própria; o duodécimo, em temer a Deus e lembrar-se de tudo quanto ele mandou.

Sem estabelecer que a prática da humildade perfeita se desenvolva segundo esses doze graus e na ordem em que são enumerados, Santo Tomás mostra-nos que São Bento salientou com razão todos esses pormenores.

De seu lado Santo Anselmo diz que o primeiro grau consiste em saber que se é desprezível; o segundo, em senti-lo; o terceiro, em confessá-lo; o quarto em persuadir-se disso e em querer que o creiam; o quinto em suportar com paciência que o digam; o sexto em sofrer ser tratado com desprezo; o sétimo em amá-lo. E Santo Tomás explica e justifica também esse modo de ver.

Com São Boaventura, cuja opinião aceita, Rodrigues indica três graus. Segundo ele, o primeiro grau é ter baixa opinião de si mesmo, baseada no verdadeiro conhecimento de si própria. O segundo grau consiste em gostar de ser desprezado, segundo a palavra de São Boaventura:

“Gostai de não ser conhecido e de ser desprezado” – Ama nesciri et pro nihilo reputari

E nesse grau Rodrigues indica diversas graduações:

1.º Não procurar a glória e a estima dos homens;

2.° Suportar os desprezos com paciência;

3.° Não se impressionar com louvores e com a estima dos homens;

4.º Desejar ser desprezado pelos homens e comprazer-se nas injúrias e nos opróbrios.

O terceiro grau da humildade é, enfim, atingido por aquele que, havendo recebido grandes dons de Deus e vendo-se honrado e estimado, não se enfatua nem se atribui coisa alguma, mas refere tudo a Deus, fonte de todo o bem. Esse terceiro grau, diz São Boaventura é para os que, consumados na virtude, se humilham na medida em que se elevam na perfeição.

Santo Afonso, como já vimos, distingue a humildade de espírito e a humildade de coração ou da vontade.

“A humildade de espírito, diz ele, consiste em julgar-se digno de desprezo; a humildade de coração ou da vontade consiste em desejar ser desprezado pelos outros, e em comprazer-se nas humilhações. Esse é o principal mérito da humildade, pois que se lucra muito mais por atos de vontade do que pelos de espírito”

Em seguida o santo doutor faz sua a palavra de São Bernardo: O primeiro grau de humildade num religioso é não querer mandar; o segundo, querer ser submisso, e o terceiro, suportar tranquilamente, no estado de submissão, todas as injúrias que lhe são feitas.

Em resumo, escreve Santo Afonso: por isso:

1.º Nunca louvar-se e, se acontecer ser ele louvado por outrem, humilhar-se interiormente;

2.º Não procurar as distinções e os ofícios honrosos;

3.° Não se perturbar nas repreensões;

4.° Receber em paz todos os desprezos;

5.° Comprazer-se nos desprezos, sentindo contentamento e alegria.

Resumindo, a alma que quer chegar à humildade perfeita terá, com a graça de Deus, baixa opinião de si mesma: eis a condição primária e indispensável; procure reprimir toda complacência própria, toda pretensão e toda procura da estima dos homens; eis o primeiro grau. Aceite depois generosamente os desprezos sem revolta nem queixas: eis o segundo grau. Se se alegra e compraz neles, eis o terceiro grau e a perfeição da humildade.

Passemos à Mansidão

Essa virtude, diz Santo Tomás, tem por objeto próprio moderar, mitigar a cólera segundo as exigências da razão: Mansuetudo secundum rationem rectam moderatur iras. — Mansuetudo est mitigativa irae.

Para bem se compreender a mansidão, é preciso saber o que é a cólera. Cólera é a paixão que se desperta quando nos sentimos vítima, na nossa pessoa ou na dos nossos ou dos que nos são caros, duma injustiça ou duma injúria, e que nos inflama do desejo de tirar vingança de quem nos ultrajou.

A cólera faz desejar a vingança não como sendo o mal do próximo, mas como a justa reparação da ofensa que nos foi feita.

Santo Tomás observa que é, sobretudo, o desprezo a nós mostrado que nos irrita e excita a nossa cólera. E, com efeito, quem nos causa algum dano involuntariamente, por ignorância ou por ser arrastado pelo fogo da paixão, não excita a nossa cólera, e não procuramos vingar-nos dele; mas irrita-nos quem nos prejudica voluntariamente e por malícia, porque faz pouco caso de nós, fere-nos no sentimento que temos de nossa dignidade.

Ora, precisamente porque a cólera é excitada em nós por tudo quanto parece atingir a nossa excelência pessoal, à qual cada um de nós tanto liga, essa paixão é uma das mais violentas; excita em todo ser humano uma perturbação profunda e Santo Tomás chega a dizer que, mais do que qualquer outra paixão, ela cega a razão e lhe tira toda a liberdade de raciocínio. Falando da perturbação que a cólera produz em nós, fazendo o sangue afluir ao coração, São Gregório dissera:

“Sob o aguilhão da cólera o coração palpita, o corpo treme, a língua se embaraça, o rosto se inflama, os olhos se irritam; não se conhecem mais os amigos; a boca faz ouvir gritos e pronuncia palavras inconscientes”

Ora, nem toda cólera é condenável; há casos em que a cólera é digna de louvores; e a alma que não sabe inflamar-se para vingar o direito e a justiça ultrajados não tem zelo nem virtude perfeita. Moisés, ultrajado pessoalmente por seu povo, que tanto lhe devia não se irrita: suportando a ingratidão dos seus, pratica a humildade e mansidão; mas, quando está em jogo a honra divina, inflama-se, exprobra rigorosamente aos rebeldes a sua ingratidão para com Deus, e, em santa cólera, quebra às tábuas da lei: era o zelo pela glória e honra de Deus.

Não obstante, diz Santo Tomás, já que a cólera rouba à razão a liberdade de raciocínio, parece que em todos os casos a cólera seja repreensível e deva ser evitada. Mas, responde o santo doutor, uma coisa é agir por cólera e sem madura reflexão, e outra agir com cólera depois de sabiamente decidido o que se tinha que fazer; porque, se a razão exige que, antes de agir, o homem examine atentamente o valor e o alcance de seus atos, chegada a hora da execução, já não é o momento de deliberar, mas de agir com o vigor conveniente. Executando-se então o que estava sabiamente ponderado, permanece-se racional, embora o ardor do zelo tire ao homem momentaneamente a liberdade de espírito de que precisaria para deliberar.

Mas, objeta ainda o santo doutor, em Deus não há cólera; logo, acrescenta a cólera não pode ser louvável. Mas, responde ele mesmo, Deus é um puro espírito e por isso não pode ter paixão. O homem, ao contrário, é espírito e corpo, e é justo que empregue todas as suas potências à procura do bem. Quando, pois, a razão manda vingar o direito ou a justiça ultrajado, é de boa ordem que a parte sensível do homem se una à razão para reclamar essa justa vingança: eis a paixão da cólera.

Se a cólera, todavia, é às vezes prescrita pela razão e por isso louvável, muitas vezes a cólera é contrária às leis da razão e por isso digna de censura. Irritar-se sem causa e querer punir um inocente, exceder no castigo a falta cometida, — não seguir na repressão a ordem legítima, — não ter intenção reta e procurar na cólera outra coisa que não a manutenção da justiça e a repressão do mal, — abandonar-se a uma irritação demasiado violenta, seja que essa irritação fique no coração, seja que saia, é ir contra a razão, e assim a cólera é viciosa e culpável.

Quanto à cólera, pode-se pecar de dois modos: por excesso e por defeito; e aqui, como sempre, a alma conserve o justo meio. E, com efeito, a virtude tem geralmente por objeto manter a alma no justo meio entre dois excessos contrários, que ela combate, mas que, por seu turno, lhe são igualmente funestos. Entre o desespero e a presunção temos a esperança. Contrariamente ao desespero que paralisa, a esperança inclina a alma para a procura dos bens celestes; mas contrariamente à presunção, confiança excessiva e ilegítima por repousar sobre fundamentos ruinosos, a esperança mantem a alma nos limites da sabedoria e da prudência. A seu turno, a esperança é combatida e pode ser aniquilada ou viciada pelo desespero ou pela presunção; e assim pode-se pecar contra a esperança por defeito ou por excesso, pelo desespero ou pela presunção. Assim também, entre a avareza e a prodigalidade, está a liberalidade. Contrariamente à avareza, a liberalidade faz dar; contrariamente à prodigalidade, ela faz dar com medida. E esses dois vícios matam ou corrompem á virtude da liberalidade, um por excesso, outro por defeito: dois modos de pecar contra a liberalidade.

Parece, pois, que deve existir uma virtude que tem por fim conservar a alma no justo meio em relação à cólera. Papel dessa virtude seria excitar prudentemente a cólera, e mantê-la nos limites fixados pela razão. Contra essa virtude poder-se-ia pecar por dois modos: por defeito, não sabendo indignar-se contra a injustiça; por excesso ultrapassando os limites da moderação e irritando-se sem razão.
O doutor angélico observa que, em relação à cólera, não precisamos ser excitados; devemos antes ser contidos e moderados. Bem raros são os que ligam pouca importância a uma injúria recebida, e que se não irritam quando alguém lhes recusa atenções. Também não indica virtude quando se tem por fim excitar uma cólera legítima e moderada. Devemos, sobretudo, procurar não nos exceder no uso da cólera: eis o papel da virtude da mansidão, da qual é próprio, como o diz o nome, acalmar e moderar a cólera como o exige a razão. Contra essa virtude peca-se mais por excesso de cólera do que por defeito.

A mansidão não tem por objeto extinguir no coração humano toda cólera, mas só a que a razão condena. Por isso não se pratica a mansidão não se irritando nunca e não tendo ardor e chama na repressão do mal e na reivindicação direitos injustamente violados; mas também não é faltar a essa virtude, que não tem por objeto inflamar a alma, mas unicamente moderá-la em sua cólera. Essa inércia, essa apatia culpável é contrária ao zelo, mas não à mansidão.

Bem que a mansidão tenha a cólera por objeto próprio, atribuísse-lhe por extensão também a repressão de todo outro movimento violento proveniente, como a cólera, da excitação da bílis. De fato, quem está habituado a dominar a cólera, evita mais facilmente, pelo domínio que tem sobre si mesmo, os transportes, as impaciências, as violências de linguagem, os arrebatamentos que escapam com tanta frequência ao homem irascível, e que tornam a convivência muito desagradável e penosa.

Essas poucas considerações bastam para fazer compreender os louvores dados à mansidão por todos os mestres da vida espiritual e pelos livros santos, e os poderosos concursos que a humildade e a caridade prestam a essa virtude.

Ao passo que a cólera lança o homem fora de si e o expõe a combater a verdade que ele nem mais percebe, a mansidão o põe na posse de sua alma e o deixa reconhecer a verdade e aderir a ela. É assim, diz Santo Tomás, que a mansidão prepara o homem ao conhecimento de Deus.

Daí a palavra da Escritura: Fili, in mansuetudine serva animam tuam (Ecli 10, 31) e esta outra: Diriget mansuetos in judicio: Docebit mites vias tuas (SI 24, 4).

De outro lado, a mansidão ama e favorece a paz; ora, do bem da paz todos querem gozar; o homem manso e pacato é amado por Deus e pelos homens: Dilectus Deo et hominibus; ele reina facilmente sobre todos os corações: Beati pacifici quoniam possidebunt terram.

É, pois, evidente que a humildade e a caridade prestam à mansidão o mais valioso concurso: uma suprimindo frequentemente a causa da cólera, que é a injúria; a outra tirando o seu objeto, que é a vingança. E, com efeito, a alma humilde, penetrada do desprezo de si mesma, longe de achar que desprezam o seu mérito e lhe negam atenções, admira-se de não ser sempre tratada como a escória do mundo, com o maior desprezo. Como, pois, irritar-se contra o próximo? Somente sente a injúria feita a seu Deus e arma-se de santo zelo para vingar a honra divina.

Mesmo, porém, quando a injúria é evidente e não pode ser negada, a caridade intervém por seu turno, para proteger o próximo e advogar a sua causa. O próximo que nos ofendeu é, como nós, filho de Deus e por isso nosso irmão; temos, pois, a obrigação de querer não o seu mal, mas o seu bem, e de trabalhar eficazmente para lho proporcionar na medida das nossas forças. Se, pois, o perdão da injúria pode contribuir, não para alentar o próximo no mal, mas para levá-lo a Deus, a caridade solicitará com instância esse perdão. Sob a feliz influência da humildade e da caridade, a alma cristã faz assim apelo à mansidão para abafar a cólera; em vez de vingar-se, paga o bem pelo mal, estabelece o reino da paz e trabalha para a união dos corações em Deus.

II. Da grande importância da Humildade

Os escritos seguintes são de Santo Afonso Maria de Ligório.

A humildade é chamada pelos santos o fundamento e a conservadora de todas as virtudes. Ainda que não seja a mais excelente de todas as virtudes, contudo, como fundamento das outras, ocupa, segundo Santo Tomás (II. II. q. 161, a. 5), o primeiro lugar. Como, na ereção de um edifício, o fundamento antecede as paredes e as colunas, ainda que sejam de ouro, assim a humildade, na vida espiritual, deve estar em primeiro lugar, para expelir a soberba, que repugna a Deus. Quem, pois, quiser adquirir as outras virtudes sem a humildade, segundo São Gregório, espalha areia ao vento.

Essa bela virtude não era conhecida nem amada na terra, antes muito desprezada; por toda a parte reinava a soberba, que ocasionara a queda de Adão e de toda a sua posteridade. Por isso desceu do céu o Filho de Deus para nos ensinar a humildade, não só com palavras, mas também com Seu exemplo; para esse fim foi tão longe na Sua humildade, que Ele “Se aniquilou a Si mesmo, tomou a forma de escravo, fazendo-Se semelhante aos homens e sendo tido na condição como homem” (Fl 2, 7). Quis até aparecer entre os homens como um objeto de desprezo e como “o último de todos”, como Isaías (Is 53, 3) o chama.

E, na verdade, vemos nosso Salvador, em Belém, nascer em um estábulo; em Nazaré, trabalhar, pobre e desconhecido, como filho de um carpinteiro, em uma oficina; em Jerusalém, vemo-lO açoitado como um escravo, entregue à irrisão como um homem desprezível, coroado de espinhos como um rei de teatro, e, finalmente, morto na cruz como um malfeitor.

Ouçamos agora o que Ele nos recomenda:

“Eu vos dei um exemplo, para que façais como eu fiz” (Jo 13, 15)

Com isso parece dizer: Meus filhos, suportei todos esses ultrajes para que sigais o meu exemplo. Santo Agostinho diz, em relação à humildade de Jesus Cristo:

“Se este remédio não cura a nossa soberba, não sei que meio nos poderá curar dela” (Sermão 77)

“Todo o arrogante é uma abominação para o Senhor” (Pr 16, 5), diz o Espírito Santo. Por que isso? Porque o soberbo é um ladrão, um cego e um mentiroso. É um ladrão, porque se apropria do que pertence a Deus, de quem ele recebeu tudo o que tem, segundo São Paulo (1 Cor 4, 7). Se se colocasse sobre um cavalo uma manta bordada a ouro, poderia ele gloriar-se disso, se fosse racional, sabendo que, a um sinal de seu senhor, ser-lhe-á tirada?

0 soberbo é, além disso, cego, como se diz no Apocalipse (Ap 3, 17); pois o que podemos nos atribuir, fora do nada e do pecado? Segundo São Bernardo (In fest. onin. Sanct., Sermo 1), nós mesmos, no pouco bem que fazemos, só encontramos pecados e faltas, caso o apreciemos segundo seu justo valor.

O soberbo é, finalmente, um mentiroso, visto que todos os bens que o homem possui, tanto os da natureza, como saúde, inteligência, beleza, aptidões, como os da graça, bons desejos, um coração dócil, um espírito lúcido, são presentes de Deus. “Pela graça de Deus, diz o Apóstolo (1 Cor 15, 10), sou eu o que sou”, já que é certo, acrescenta ele, que nada podemos por nós mesmos, nem sequer ter um bom pensamento.

O Senhor deixa, às vezes, para preservar seus servos da soberba, que eles sejam atormentados por tentações vergonhosas, como as tentações contra a santa pureza; não obstante suas instantes súplicas, procede com eles como outrora com São Paulo, que escreve:

“Para que não me ensoberbecesse com as sublimes revelações, foi-me dado um aguilhão na minha carne, o anjo de satanás para me esbofetear. Por esse motivo roguei ao Senhor três vezes que ele se apartasse de mim; e então me disse: ‘Basta-te a minha graça’” (2 Cor 12, 9)

O Senhor não queria, pois, livrar o Apóstolo do tormento dessas tentações impuras para que permanecesse humilde. Às vezes chega Deus a permitir que se caia em um pecado para que se fique humilde. Isso se deu, entre outros, com Davi, que confessou que pecara porque, não se humilhara (SI 118, 67).

“Humilha-te, que Deus descerá para se unir a ti”, diz Santo Agostinho, “se porém, te ensoberbeceres, fugirá de ti” (Sermo 179). No mesmo sentido diz o profeta (SI 137, 6): “O Senhor olha com complacência para os humildes, e só de longe para os orgulhosos”, e como não se conhecem os que se veem de longe, parece que Deus aqui quer dizer dos orgulhosos que Ele não os conhece.

Os orgulhosos são mui desagradáveis a Deus: Ele não os pode suportar. Apenas se tornaram os anjos do céu orgulhosos, e o Senhor já os expeliu para longe de Si, no inferno. Precisa-se cumprir a palavra de Deus:

“Quem se exalta será humilhado” (Mt 23, 12)

Como narra São Pedro Damião (Op. 34, De ver. mir. narr., c. 4), um homem orgulhoso ouviu ler uma vez as sobreditas palavras no Evangelho da Santa Missa, na ocasião que se preparava para um duelo, para defender uma sua possessão. Ouvindo isso, teve a ousadia de dizer: Isso não é verdade, pois se eu me humilhasse, perderia meus haveres e a consideração dos homens. Mas que aconteceu? Ao travar o duelo com seu adversário, este, com seu punhal, atravessou-lhe a boca, rasgou-lhe a língua blasfema e prostrou-o morto por terra.

O Senhor prometeu atender a todo aquele que o invocar:

“Quem pede, recebe” (Lc 11, 10)

Deus, porém, não ouve os soberbos:

“Deus resiste aos orgulhosos, diz São Tiago (Tg 4, G), mas aos humildes dá Sua graça”

A estes apressa-se Deus em abrir Sua mão e conceder-lhes tudo que desejam. Daí a advertência do Espírito Santo:

“Humilha-te diante de Deus, e espera na Sua mão benéfica” (Ecl 13, 9)

“Senhor, dá-me o tesouro da humildade”, suplicava Santo Agostinho. A humildade é chamada um tesouro, porque o Senhor cuida que os humildes abundem em todos os bens. Se o coração do homem está cheio de si mesmo, não tem lugar para os dons de Deus; o homem deve, pois, pelo conhecimento de si mesmo, como que despojar-se de si.

“Vós fazeis nascer fontes nos vales, diz Davi (SI 103, 10), e as águas passarão no meio dos montes”

Deus inunda os vales, isto é, as almas humildes, com graças, não, porém, os montes ou os espíritos soberbos, por sobre os quais correm as águas, sem se deter neles. E, por essa razão, diz a Santíssima Virgem no seu cântico: “Grandes coisas operou em mim o Poderoso, pois Ele olhou para a humildade de Sua serva”, isto é, Ele viu o conhecimento que tenho do meu nada.

Santa Teresa conta de si mesma que recebia as maiores graças de Deus quando mais se humilhava diante dEle no coração.

“A oração do homem que se humilha, diz o Sábio (Ecl 35, 21), atravessa as nuvens, e não para até chegar, e de lá não volta sem que o Altíssimo a ouça”

Os humildes alcançam de Deus tudo o que desejam: não precisam temer, segundo o real Profeta (SI 73, 21), que fiquem confun­didos e desconsolados. Isso levava São João Calazans a dizer:

“Se queres tornar-te santo, sê humilde”

O mesmo aconselhara um homem devoto a São Francisco de Borja, quando se achava ainda no mundo: disse-lhe que, se queria tornar-se santo, deveria todos os dias pensar na sua miséria. Fiel a esse conselho, o Santo empregava todos os dias as duas primeiras horas de sua oração no conhecimento e desprezo de si mesmo.

Como o orgulho é o mais evidente sinal de reprovação, escreve São Gregório (Mor., 1. 34, c. 32), é a humildade o mais claro indício da predestinação. Quando Santo Antão Abade viu o mundo cheio de ciladas do demônio, exclamou, suspirando:

“Quem poderá jamais escapar a tantos perigos?”

Ouviu, porém, uma voz que dizia:

“Só a humildade anda segura: quem andar com a cabeça baixa, não precisa temer cair em uma emboscada” (Vita Pat., 1. 3, n. 120)

Numa palavra: Se não nos tornarmos crianças, não na idade, mas na humildade, como diz o Salvador (Mt 13, 3), não poderemos entrar no reino dos céus.

Na vida de São Palemon se conta que um monge andou sobre carvões acesos, do que ele se gabara diante de seus confrades, dizendo: Dizei-me quem de vós poderá andar sobre carvões acesos sem se queimar? São Palempn repreendeu-o de sua vaidade; o infeliz não entrou em si, permaneceu na sua presunção, caiu em pecados mortais e terminou sua vida com uma morte triste.

Os humildes são felizes não só na outra vida, mas também nesta, conforme as palavras de nosso divino Salvador:

“Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e achareis paz para vossas almas” (Mt 11, 25)

O orgulhoso nunca encontra paz, desde que nunca chega a ser tratado de tal modo que corresponda à alta ideia que faz de si. Se é honrado, está descontente por ver que outros o são ainda mais. Sempre lhe faltará ao menos uma honra que ele deseja e sua falta o atormenta mais do que o satisfazem as honras que se lhe prestam. Que honras não recebia Amã na corte de Assuero! Podia até assentar-se à mesa real! Mas, apesar disso, se julgava infeliz, porque Mardoqueu não o queria saudar:

“Ainda que tenha tudo isso, julgo nada ter, vendo Mardoqueu, o judeu, assentado à porta do rei” (Est 5, 13)

E quais são as honras que recebem os soberbos? São honras com as quais não se podem contentar, porque são prestadas com constrangimento e por respeito humano. São Jerônimo (Ep. 22 ad Eust.) diz que a verdadeira honra foge daquele que a busca e corre atrás daquele que a despreza, como a sombra segue aquele que dela foge e foge daquele que a quer apanhar.

O humilde, porém, está sempre satisfeito, pois se se lhe presta uma honra, parece-lhe ela mui grande para seu merecimento; faz- se-lhe uma injúria, julga que, por seus pecados, mereceu coisa muito pior, e diz, com Jó:

“Pequei, verdadeiramente delinqui e não recebi o que merecia” (Jó 33, 27)

A esse respeito São Francisco de Borja nos dá um belo ensino. Empreendendo ele uma vez uma longa viagem, aconselharam-no a mandar alguém adiante para tratar do alojamento, a fim de evitar as dificuldades que uma chegada inesperada ocasiona. O Santo respondeu:

“Oh! Quanto a isso, sempre mando adiante um mestre de quartel. É o pensamento do inferno que eu mereci e, assim, me parece um palácio real qualquer albergue, em comparação do lugar em que merecia estar”

III. Da Humildade do Entendimento

Depois de conhecer os grandes bens que a humildade traz consigo, consideremos a prática da mesma e vejamos o que devemos fazer para alcançar essa santa virtude.

A humildade se divide em humildade do entendimento e humildade da vontade. Falemos primeiro da humildade do entendimento, sem a qual não chegaremos à da vontade.

A humildade do entendimento, segundo São Bernardo (De grad. hum., c. 1), consiste em que tenhamos uma baixa ideia de nós mesmos e nos tenhamos em conta de desprezíveis, como, na realidade, o somos. Humildade é verdade, escreve Santa Teresa (Cant. dalm. Hab. ti, c. 10), e o Senhor ama tanto os humildes porque eles amam a verdade. É pura verdade que nada somos, que somos ignorantes, cegos e incapazes de praticar qualquer bem. De um lado, nada temos de nós mesmos, a não ser o pecado, que nos torna ainda mais desprezíveis que o nada; doutro lado, por nós mesmos só podemos praticar o mal. Todo o bem que temos ou fazemos vem de Deus e pertence a Deus. Porque o humilde tem sempre diante dos olhos essa verdade, nada se atribui senão o mal, e julga-se digno de todo o desprezo; em vista disso, não suporta que se lhe atribuam merecimentos que ele não tem; ao contrário, alegra-se, vendo-se desprezado e tratado como merece, e quanto mais desprezível se julga a seus olhos, tanto mais agradável se torna a Deus, diz São Gregório (Mor., 1. 18, c. 22).

Por isso devemos pedir incessantemente, com Santo Agostinho:

“Senhor, fazei que eu me conheça a mim e conheça a vós (Sol., 1. 2, c. 1). Vós Sois a fonte de todo o bem, e eu nada sou senão miséria, já que de mim nada possuo, nada sei, nada posso e para nada sirvo senão para praticar o mal”

“Só pelos humildes é Deus honrado”, diz o Sábio (Ecl 3, 21). Na verdade, só os humildes têm Deus em conta do que Ele é, a saber, o único e sumo Bem.

Se, pois, queres honrar a Deus, alma cristã, deves ter sempre tua miséria diante dos olhos; reconhece humildemente que nada te podes atribuir, a não ser o nada e o pecado, e que Deus, de seu lado, é tudo. Deves estar persuadida que nada mereces senão desprezo e castigo e mostra-te pronta a abraçar todos os castigos que Deus quiser te enviar. Em conformidade com esses princípios, deves observar o seguinte:

Primeiro: Nunca te glories de tuas boas obras; os santos praticaram coisas mui diversas das tuas e nunca se vangloriaram; por isso sempre aconselho que se faça amiúdo a leitura espiritual sobre a vida dos santos, pois, à vista das grandes coisas que os santos fizeram por Deus, ao menos perderemos o orgulho e nos envergonharemos de ter feito tão pouco até agora e de ainda fazermos pouco.

Como poderemos nos gloriar de alguma coisa, sabendo que é um puro dom de Deus se temos algum bem?

“Quem deixaria de rir, diz São Bernardo (In Cl. sermo 13), se as nuvens se gloriassem de ser a causa da chuva?”

Mereceríamos o mesmo escárnio se nos gloriássemos do pequeno bem que fazemos.

São João d’Ávila narra que um senhor de categoria, que se casara com uma pobre camponesa, ordenou-lhe que guardasse seus humildes trajes para que não se ensoberbecesse, vendo-se cercada de criados e trajando lindos vestidos. Deves proceder do mesmo modo, alma cristã. Se achas algum bem em ti, retoma teus antigos trajes: lembra-te daquilo que eras antes e deduze dai que todo o bem que possuis é uma esmola de Deus.

“Senhor, diz Santo Agostinho (Conf., 1. 9, c. 13), se alguém Vos enumerar Seus merecimentos, que enumera ele senão Vossas dádivas?”

Quando Santa Teresa praticava ou via praticar uma boa obra, apressava-se em louvar a Deus por isso, porque pensava que esse bem vinha de Deus. Com toda a razão nota ela que a humildade de forma alguma impede que se reconheçam as graças especiais que Deus, talvez mais liberalmente, nos concedeu que a outros. Isso não é orgulho, diz ela, um tal reconhecimento favorece até a nossa humildade e gratidão, fazendo-nos ver que somos mais favorecidos que outros, apesar de sermos mais indignos que eles.

“Uma alma que não reconhece que recebeu grandes coisas de Deus, acrescenta a santa (Vid., c. 10), não fará também grandes coisas por Deus”

Tudo depende disso, que distingamos sempre o que temos de nós mesmos. São Paulo não hesitou em dizer que ele trabalhou mais por Jesus Cristo que todos os outros apóstolos (1 Cor 15, 10), mas declarou também, logo depois, que tudo o que ele fez não era obra sua, mas da graça divina, que o auxiliara.

Segundo: Já que sabes que sem Deus nada podes, nunca confies em tuas próprias forças, mas imita a São Filipe Néri, que sempre desconfiava de si mesmo. O soberbo confia em sua própria força e por isso tomba, como aconteceu com São Pedro. “Se tiver de morrer convosco, protestava ele ao Salvador, não vos negarei” (Mt 26, 35) ; mas porque ele dizia isso confiado em suas próprias forças, apenas chegado à casa do sumo sacerdote, já negou seu divino Mestre.

Não confies, portanto, em teus propósitos e em tua atual boa vontade; põe toda a tua confiança em Deus e dize sempre:

“Tudo posso naquele que me conforta” (Fl 4, 13)

Então podes esperar fazer grandes coisas, pois os humildes, “que esperam em Deus”, diz Isaías (Is 40, 31), “terão sempre novas forças”. Porque sempre desconfiam de si, deixam de ser fracos e adquirem a força de Deus. Dizia São José Calazans:

“Quem deseja que Deus dele se sirva para grandes coisas, deve se esforçar para tornar-se o mais humilde de todos”

Deves fazer, alma cristã, como Santa Catarina de Sena, que se humilhava, se era tentada pela vã glória, e punha toda a sua confiança em Deus, se era tentada de desconfiança. Um dia lhe disse o demônio, no auge do furor: Amaldiçoada sejas e amaldiçoado seja aquele que te ensinou esse meio de me venceres, pois já não sei mais como te ei de atacar. Se, portanto, o demônio se chega a ti com a sugestão de que não precisas temer, que não cairás, deves tremer ao pensar que estarás perdida no momento que Deus te deixar; e se o demônio te tentar de desconfiança, deves dizer confiadamente com Davi: “Em vós, Senhor, pus minha confiança, espero firmemente que nunca serei confundido”, que nunca serei privado de Vossa graça e um escravo do inferno.

Terceiro: Se tiveres a desgraça de cair em um pecado ou falta, não percas a coragem, mas humilha-te, arrepende-te e, porque ficaste conhecendo melhor a tua fraqueza, entrega-te ao Senhor com maior confiança ainda. Não é humildade, mas sim orgulho, ficar-se indignado depois de cometer uma falta. Porque se é orgulhoso, admira-se que se pode cometer tal falta. Esse desânimo é ao mesmo tempo uma mancha do demônio, que nos quer roubar a confiança, para nos afastar do caminho da perfeição e nos precipitar em maiores pecados.

Mas, longe de nos deixarmos enganar pelo inimigo, devemos, mais que nunca, confiar no Senhor. Assim se devem entender as palavras do Apóstolo: “Tudo serve para o bem daqueles que amam o Senhor” (Rm 8, 28), até o pecado, como ajunta a Glossa. Nesse sentido disse um dia o Senhor a Santa Gertrudes:

“Quando se suja a mão, lava-se e ela fica mais limpa que antes: assim a alma que se purifica de uma falta cometida, pelo arrependimento, torna-se-me mui­to mais agradável que antes”

Deus permite, às vezes, que as almas que ainda não estão bem firmadas na humildade caiam em alguma falta para que aprendam a desconfiar de si e a por sua confiança em Seu auxílio. Se, pois, caíste em uma falta, alma cristã, não permaneças prostrada, mas levanta-te imediatamente por atos de amor e arrependimento, com o firme propósito de te emendar, e redobra de confiança em Deus. Deves então dizer com Santa Catarina de Gênova:

“Vede, Senhor, esses são os frutos de meu jardim: se não estenderdes vossa mão auxiliadora sobre mim, farei coisa ainda pior; mas com vossa assistência espero não tornar a cair, como firmemente proponho”

Se, apesar disso, tornares a cair, levanta-te sempre de novo, da mesma forma, e não dês de mão à resolução de te tornares santa.

Quarto: Se souberes que alguém cometeu um pecado mortal, não deves te admirar muito disso, antes ter compaixão dessa alma e tremer por tua própria salvação, dizendo, com Davi:

“Se o Senhor não me tivesse auxiliado, se acharia no inferno minha alma” (SI 93, 17)

Nunca te glories, portanto, de não ter as faltas que notas nos outros; senão o Senhor deixará, para teu castigo, que caias nas mesmas (Collat. 2, c. 13).

Cassiano narra que um jovem religioso que, há tempo, era atormentado por uma forte tentação contra a santa pureza, foi buscar socorro com um velho monge; este, porém, em vez de o animar só aumentou sua confusão e aflição, agravando-o com exprobrações.

“Como é possível, exclamou ele, que um religioso pense em tais imundícies? Mas que sucedeu?”

Por permissão de Deus, foi esse ancião atormentado pelo espírito imundo de um modo tão assombroso que ele corria, como um mentecapto, pelo mosteiro. Dirigiu-se então a ele o abade Apolo, que tivera notícia do seu imprudente procedimento, e disse-lhe:

“Meu irmão, Deus permitiu que te sobreviesse essa tentação porque te mostraste tão admirado daquele pobre jovem que recorreu a ti; ao mesmo tempo ele queria ensinar-te paciência com os outros em semelhantes casos”

Também o Apóstolo nos exorta que não mostremos dureza ou desprezo nas repreensões:

“Se alguém tiver de corrigir a qualquer um, considere então que ele próprio é tão pobre e frágil como o outro; senão permite Deus que ele seja atacado pela mesma tentação e, talvez, caia no mesmo pecado de que se admirou em seu irmão”

“Irmãos, se algum homem for surpreendido em algum delito… admoestai a um tal em espírito de mansidão e considerai a vós mesmos, para que não sejais também tentados” (Gl 6, 1)

Quinto: Deves também te considerar, alma cristã, como a maior pecadora do mundo. Como as almas verdadeiramente humildes, que são mais iluminadas pela luz celeste, melhor conhecem as perfeições de Deus, também melhor vêem sua miséria e seus pecados. Daí provém que os santos, apesar de levarem uma vida tão exemplar e tão diferente dos outros, se julgavam os maiores pecadores do mundo, e isso não por exagero, mas por convicção íntima, como lemos, por exemplo, de São Francisco de Assis. São Tomás de Vilanova vivia em contínuo temor por causa das contas que uma vez havia de dar a Deus, de sua vida tão má, como ele dizia. Santa Gertrudes considerava um milagre que a terra não se abrisse debaixo dos seus pés para tragá-la, por causa de seus pecados.

“Ai de mim, pecador, exclamava, chorando, São Paulo, o primeiro eremita, eu tenho injustamente o nome de um monge”

São João d’Ávila conta de uma pessoa virtuosa que ele alcançara de Deus a graça de conhecer o estado de sua alma e achou-a tão feia e hedionda, apesar de só ter cometido pecados veniais, que exclamou:

“Ó Senhor, por vossa misericórdia, afastai para longe de meus olhos esse aspecto”

O mesmo João d’Avila, que levou uma santa vida desde a sua mais tenra idade, não podia ouvir que o Padre que o assistia na morte o tratasse como um grande servo de Deus e sábio distinto. Ele o interrompeu com as palavras:

“Eu vos suplico, meu Padre, recitai-me as orações dos agonizantes como se faz com um criminoso, condenado à morte, já que isso é o que eu sou”

Tal era a ideia que os santos tinham de si mesmos durante a vida e na morte.

Sexto: Quanto mais formos favorecidos por Deus, tanto mais nos devemos humilhar. Quando Santa Teresa recebia uma graça especial, procurava por diante dos olhos todos os pecados que tinha cometido e então o Senhor a unia mais estreitamente consigo. Quanto mais uma alma reconhece sua indignidade, tanto mais Deus a enriquece com suas graças. Thais, que era, ao princípio, uma grande pecadora e, mais tarde, uma grande santa, se humilhava tanto diante de Deus que até se julgava indigna de pronunciar Seu nome; não ousava dizer: Meu Deus, mas unicamente: Meu Criador, compadecei-vos de mim!

A respeito das graças especiais que o Senhor concedeu a Santa Te­resa, diz ela:

“Deus procede comigo como se faz com uma casa pobre, que ameaça ruína: põem-se-lhe esteios de todos os lados”

Se uma alma for agraciada por Deus com muitas consolações e com inflamado amor, acompanhado de lágrimas e grande ternura de coração, não pense ela que Deus a quer recompensar por alguma boa obra que praticou. Em tal caso a alma nada pode fazer de melhor que se humilhar e se persuadir que Deus a traia tão bondosamente só para que ela não o abandone; se ela, porém, em vista dessas graças, se entregasse à vã presunção de que é preferida porque serve melhor a Deus que outros, este a privará de tais favores em razão desse orgulho.

Por isso, alma cristã, nunca te julgues mais que os outros.

“Basta que te julgues melhor que os outros, diz São Tritêmio, para te tornares pior que todos”

Do mesmo modo basta acreditar que se têm maiores merecimentos, para se perder o que já se possui.

O humilde adquire o maior merecimento quando se compenetra da verdade de que não possui nenhum merecimento e que até merece censura e castigo. Os dons e graças que Deus te concedeu só te acarretarão uma sentença mais rigorosa no dia do juízo, se abusares delas para te elevares acima dos outros.

Não basta, porém, que não te anteponhas aos outros: deves também te considerar como o último e o pior de todos. E por que isso? Porque, de um lado, sabes com certeza que cometeste muitos pecados e, de outro lado, que os pecados do próximo e as virtudes que possui talvez aquele a quem menos consideras, te são inteiramente desconhecidas. Além disso, deves considerar que já devias ter atingido a santidade com as inspirações e graças que o Senhor te concedeu tão liberalmente. Se Deus tivesse concedido a um infiel as graças que recebeste, talvez se teria tornado um serafim em santidade, enquanto que permaneces tão pobre e cheio de imperfeições. Esse pensamento de tua infidelidade devia te levar a te humilhares continuamente diante dos outros, porque, segundo Santo Tomás, o pecado é tanto maior, quanto maior é a infidelidade daquele que o comete. Conforme isso, um só de teus pecados pode pesar mais diante de Deus que cem pecados de um outro que recebeu menos graças. Ora, tu sabes muito bem que cometeste muitos pecados e mesmo que tua vida inteira foi uma série de faltas voluntárias; as boas obras, porém, que praticaste, estavam tão cheias de imperfeições e amor-próprio, que mereceriam antes castigo que recompensa.

Depois de tudo isso, alma cristã, deves te julgar indigna até de beijar o chão que é calcado pelos outros, e, se te ultrajarem de todo o modo que imaginar se possa, e se, até, fosses lançada no inferno, debaixo de todos os condenados, deverias pensar que tudo isso ainda era pouco em vista do que merecias. Dize, portanto, sem interrupção, do fundo de tua miséria:

Ó meu Deus, apressai-Vos em socorrer-me! Senhor, atendei em meu socorro! Senão estarei perdido e Vos ofenderei mais gravemente que antes e mais que todos os outros

Essa oração deves repetir sempre e mesmo a todo o momento, quer trabalhes, quer andes, quer comas, quando te levantares ou deitares, dize sempre:

Senhor, ajudai-me; Senhor, assisti-me; Senhor, tende compaixão de mim!

Se deixares um só dia de te recomendares a Deus, poderás tornar-te o homem mais infeliz do mundo. Deves igualmente te precaver mais contra o orgulho, antes de cada ação, cada pensamento, do que contra a morte.

Concluo com o significativo dito de São Bernardo:

“Não temos de temer que de uma humilhação se siga um mal qualquer; mas devemos temer o menor movimento da soberba, porque ele pode nos precipitar em todos os males”

IV. Da Humildade da Vontade

Como vimos, a humildade do entendimento consiste na convicção de que nós não merecemos senão desprezo; a humildade da vontade, porém, consiste no desejo sincero de sermos realmente desprezados pelos outros e alegrarmo-nos quando desprezados. Justamente nisso está o mérito principal da humildade, pois se merece muito mais pelo ato da vontade que pelo do entendimento.

A humildade da vontade tinha principalmente em vista Jesus Cristo, quando disse:

“Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração” (Mt 11, 29)

Muitos são humildes de boca, não, porém, de coração; confessam que são maus e merecem todos os castigos; quando, porém, os admoestamos, se enfurecem e negam ter defeito que se lhes imputa.

Eis, por exemplo, uma pessoa que protesta ser a maior pecadora do mundo e merecer mil vezes o inferno; quando, porém, seus superiores ou seus semelhantes, com palavras brandas, a admoestam de uma falta ou só lhe tocam em sua tibieza ou em seu procedimento pouco edificante, ela se defende imediatamente e responde em tom arrogante:

“Que mal fiz eu? Que escândalo o senhor me viu dar? Vá corrigir antes a outros, que cometem faltas que eu nunca tive!”

Mas que é isso, alma cristã, há pouco disseste que, por causa de teus pecados, mereceste mil infernos, e agora não podes suportar uma palavra sequer de censura? Tua humildade, portanto, é só uma humildade de boca e não aquela humildade de coração, recomendada por Jesus Cristo.

“Alguns se humilham maliciosamente”, diz o Espírito Santo (Ecl 19, 23), não para serem repreendidos e humilhados, mas sim tidos em conta de humildes e louvados. Mas humilhar-se para ser louvado, diz São Bernardo (In Cant., s. 10), não é humildade, mas antes destrói toda a humildade, pois, assim, a própria humildade torna-se objeto de orgulho. São Vicente de Paulo dizia que a humildade é atraente na sua aparência, mas espantosa na prática; pois a verdadeira humildade consiste em se amar o desdém e o desprezo. Segundo São João Clímaco, para se ser humilde não basta apelar-se um miserável pecador, mas deve-se também desejar ser tido por tal e desprezado:

“É bom que fales mal de ti, diz ele, mas é melhor que aproves sem descontentamento e até te alegres quando outros falam mal de ti” (Scal. par. gr. 21)

O mesmo já linha dito, antes dele, São Gregório:

“O verdadeiro humilde reconhece que ele é um pecador e não o nega mesmo quando lhe lançam em rosto seus defeitos” (Mor., 1. 22, c. 14)

São Bernardo exprime o mesmo pensamento da maneira seguinte (In Cant., s. 16):

“O verdadeiro humilde não quer ser louvado por isso, mas passar por um homem miserável, cheio de defeitos e desprezível; alegra-se se é humilhado e tratado como julga merecer, e, assim, a humilhação torna-o mais humilde”

Por isso dizia José de Calazans:

“Quem ama a Deus não quer parecer santo, mas ser santo”

Se queres, pois, alma cristã, ser humilde de coração e vontade, então deves observar o seguinte:

Primeiro: Nunca deves dizer coisa alguma em teu louvor, quer em relação ao teu proceder, teus talentos, tuas boas obras, quer em relação à tua família, falando de sua nobreza, riqueza ou parentesco. Ouve o que te diz o Sábio:

“Louve-te um outro e não a tua própria boca” (Pr 27, 2)

De mais, cada um sabe que louvor próprio não traz honra, mas desonra. Quando, pois, deves falar de ti mesmo ou daquilo que te respeita, procura humilhar-te sempre e não te exaltar; se te humilhares nada terás a temer; mas se, à custa da verdade, te exaltares um pouquinho só, diz São Bernardo (In Cant., s. 37), poderás causar-te um grande mal. Quem atravessa uma porta e abaixa a cabeça mais do que preciso, não se causará nenhum mal; mas quem a ergue, ainda que só um dedo mais alto, dará com a fronte na porta e se ferirá.

Se, pois, falas de ti, procura dizer antes mal que bem, antes descobrir teus defeitos que aquilo que te fará parecer virtuoso. O melhor, porém, é nunca falar de si mesmo, nem bem, nem mal. Deves te considerar tão desprezível, que nem sequer mereças ser nomeado pelos outros. Mesmo quando falamos de coisas que servem para nossa vergonha, se imiscui, muitas vezes, um orgulho sutil e encoberto: a humilhação voluntária, que sofremos pela revelação de nossas faltas, desperta em nós um desejo de sermos louvados pelos outros ou, ao menos, de sermos lidos no número dos humildes.

Isso, porém, nada vale em relação ao confessor: a ele deves revelar as tuas faltas, tuas más inclinações e, geralmente, até os maus pensamentos que te sobrevêm. Pode também algumas vezes acontecer que devas revelar outras coisas que te causam confusão; faze-o então de boa vontade, seguindo o exemplo do Pe. Vilanova, da Companhia de Jesus, que não se envergonhava de dizer a todo o mundo que seu irmão era um pobre operário. De semelhante modo procedia o Pe. Sacchini, igualmente jesuíta; encontrando-se uma vez com seu pai, que era um pobre tropeiro, abraçou-o em plena rua, dizendo: Eis aqui meu pai.

Se fores louvada contra tua vontade, alma cristã, procura humilhar-te- ao menos interiormente, recordando-te de teus muitos defeitos. Os muitos orgulhosos alegram-se do louvor, ainda quando não o merecem, diz São Gregório (Mor., 1. 22, c. 9; 1. 26, c. 30), enquanto que os humildes coram e se entristecem, quando os louvamos, ainda que justamente. O humilde se entristece quando ouve seu louvor, acrescenta São Gregório; pois ele sabe que não possui as qualidades que se lhe atribuem e teme perder, pela complacência em tais louvores, algum merecimento que talvez tenha diante de Deus; poderá uma vez ser-lhe dito:

Não te esqueças que já recebeste tua recompensa em vida, ouvindo com prazer aqueles louvores.

“Como o ouro é prova­do na fornalha, diz o Sábio, assim o homem pela boca do que o louva” (Pr 27, 21), isto é, o homem mostra sabedoria se ele, em vez de dar ouvidos e se vangloriar dos louvores recebidos, se confundir e entristecer por isso, como se dava com São Francisco de Borja, com São Luís Gonzaga e outros santos.

Se, pois, te louvam e honram, deves te humilhar profundamente e temer que essas honras não te sejam causa de quedas e ruína. Não te esqueças que a consideração por parte dos homens talvez seja a maior desgraça que te possa acontecer, visto que essa estima alimenta o teu orgulho e pode perverter teu coração e, assim, levar-te à condenação eterna. Deves ter sempre diante dos olhos as palavras de São Francisco de Assis:

“Eu sou unicamente aquilo que sou diante de Deus”

Julgas talvez ser alguma coisa mais diante de Deus se valeres alguma coisa mais diante dos olhos dos homens? Se te comprazes no louvor dos homens e te ensoberbeces por isso e te julgas melhor que outros, podes estar certo que no mesmo tempo que os homens te louvam, Nosso Senhor te repele para longe de Si. Persuade-te, portanto, que não te tomas melhor pelo louvor dos outros.

“Como as ofensas e injúrias não nos roubam o merecimento das virtudes, diz Santo Agostinho (Cat. Petit.. 1. 3, r. 7), assim os louvores dos outros não nos fazem melhores”

Quantas vezes, pois, fores louvado, dize, com o mesmo santo: “Eu me conheço melhor do que esses que dizem bem de mim”; sei que não mereço esse louvor, e “Deus sabe melhor que eu”, desde que ele sabe que não mereço honras, mas desprezo, na terra e no inferno.

Por isso não tenhas inveja dos que têm mais talentos e aptidões, ou que são mais estimados que tu; deves antes invejar os que te superam em amor de Deus e humildade. Melhor que todas as honras e todo o aplauso do mundo é a humilhação. A ciência mais bela para ti consiste em aprenderes a te humilhar, te desprezar e a te alegrar quando não fazem nenhum caso de ti. Deus não te concedeu maiores talentos porque eles, talvez, trariam a tua ruína. Por isso, contenta-te com os poucos dotes que tens; eles te dão ocasião de exercer a humildade, que é o caminho mais seguro, ou, antes, o único para a felicidade e santidade.

Se outros sabem melhor que tu conquistar a estima geral, deves, conforme o conselho do Apóstolo (Fl 2, 3), procurar sobrepujá-los na humildade. Quem é honrado corre perigo de deixar-se arrastar pelo orgulho e perder as inspirações de Deus e, como diz Davi (SI 48, 13), assemelhar-se aos animais irracionais, que só buscam os míseros bens desta terra e não podem pensar nos bens eternos.

Segundo: Se queres conservar a humildade, não deves te irritar nas repreensões; se, quando repreendido, te inquietas, ainda não alcançaste a humildade, e deves pedir a Deus que te conceda essa virtude tão necessária para a salvação.

Como observa o Pe. Rodriguez, alguns cristãos imitam o ouriço; mal se lhes toca, já apontam seus espinhos, isto é, irrompem logo em palavras impacientes, em invectivas e em queixas.

“Muitos se dão voluntariamente por pecadores, se ninguém os censura, diz São Gregório (Mor., 1. 22, c. 14); mas se forem censurados por causa de alguma falta, defendem-se com toda a veemência para não parecerem repreensíveis”

Assim também procedem alguns que se obrigaram a tender à perfeição; que esses tomem a peito o que diz o Espírito Santo: “Quem aborrece a repreensão, não trilha o caminho do justo, mas o do pecador” (Ecl 21. 7), isto é, o caminho do inferno. São Bernardo dizia:

“Alguns se irritam contra quem os procura curar com uma repreensão, e não se agastam com aquele que os fere com adulações” (In Cant.. s. 42)

E, contudo, deveria cada um tremer ao ouvir o que diz o Sábio (Pr 1, 25-32), àqueles que não querem aceitar uma correção:

“Porque eles aborreceram as instruções, a prosperidade dos insensatos virá a perdê-los”

O aparente bem-estar dos insensatos consiste nisso, que não encontram ninguém que os repreenda ou que se importe com isso; dessa maneira se perdem miseravelmente.

João Crisóstomo diz que o justo se entristece quando se nota nele um defeito. O pecador também se entristece se se descobre nele uma falta, não porque ele pecou, mas porque sua falta ficou notória; ele nem pensa em se arrepender, mas só em se defender, e se agasta com aquele que o repreende.

Dize-me, alma cristã, procedeste também tu de semelhante modo com aqueles que foram tão caridosos em te corrigir, e queres ainda fazer o mesmo no futuro?

Não, não procedas assim, te admoesta São Bernardo; agradece antes a quem te avisou de uma falta; seria grande injustiça se te irritasses com aquele que te mostra o caminho da salvação. Farias até um grande bem se, como costumava aconselhar Santa Maria Madalena de Pazzi, te procurasses um amigo que te admoestasse de todas as faltas que cometeste, talvez sem o saber.

Sabes que estás cheia de miséria e defeitos: o único meio contra isso consiste em te humilhares quando os descobrires ou os outros te apontarem.

“Na nossa humildade, diz Santo Agostinho (In ps. 130), consiste nossa perfeição”

Desde que tão imperfeitamente praticamos a virtude, sejamos ao menos perfeitos na prática da humildade, e alegremo-nos se os outros, por meio de suas censuras, nos dão ocasião de exercê-la.

Devemos também notar que nosso orgulho suporta mais facilmente as correções imerecidas que as merecidas, porque o amor-próprio acha uma certa satisfação nas repreensões imerecidas. Se fores censurado com razão, apressa-te em oferecer a Deus, quanto antes, a tua confusão, e em te emendar; esmaga o escorpião na própria ferida que ele te fez, isto é, utiliza-te dessa confusão para reparar a falta cometida, e podes ficar persuadido que Deus se mostrará tanto mais pronto a te perdoar as tuas faltas quanto maior for a humildade com que receberes a correção.

Resolve-te, pois, àquele grande ato de humildade, tão agradável a Deus, que consiste em não se defender nem se desculpar nas repreensões. Santa Teresa diz que uma pessoa que não se defender nem se desculpar quando é repreendida por causa de alguma falta, ganha muito mais com isso do que ouvindo dez sermões. Se, pois, te repreenderem, ainda que injustamente, por amor da santa humildade, renuncia a te justificar, exceto o caso que isso fosse necessário para evitar um escândalo.

Terceiro. Se quiseres alcançar uma humildade perfeita, alma cristã, deves te esforçar a receber com serenidade toda sorte de desprezo e maus tratos. Poderás praticar isso se creres sinceramente que em vista de teus pecados mereces todo o desprezo possível. A humilhação é a pedra de toque da santidade. O meio mais seguro para se conhecer se uma alma possui virtude, segundo São João Crisóstomo (In Gen. hom., 34), consiste em observar se ela recebe tranquilamente as humilhações. O Pe. Crassel narra, na sua história da Igreja do Japão, que um missionário agostiniano que, por causa da perseguição, trajava à secular, recebeu, uma vez, uma bofetada sem se irritar nem por um só instante; disso concluíram os pagãos que ele era um cristão e meteram-no na prisão, convencidos de que só um cristão pode praticar uma tal virtude.

Alguns colocam a santidade na recitação de muitas orações e prática de penitências, diz São Francisco de Sales, e não podem suportar uma palavra ofensiva. Esses não têm ideia do grande valor das humilhações. Mais se ganha suportando uma ofensa, que jejuando dez dias a pão e água.

Vês, por exemplo, que se permite a outros o que se nega a ti; o que os outros dizem é ouvido com atenção, enquanto que as tuas observações são tomadas em ridículo; outros são louvados era tudo que fazem, são elevados a cargos honrosos, enquanto que não se tem a mínima consideração para contigo e se zomba de tudo o que fazes. Em tais ocasiões, diz São Doroteu, deves mostrar se és verdadeiramente humilde. Se de boa mente recebes todos esses desprezos e recomendas a Deus com tanto maior amor aqueles que mais te maltratam, porque te curam do orgulho, dessa doença perigosa, então és verdadeiramente humilde, segundo o pensamento de São Doroteu. Porque os orgulhosos se julgam dignos de toda a espécie de honras, abusam das humilhações que encontram, para aumento de sua soberba, enquanto que os humildes, que se julgam dignos de todo o desprezo, se utilizam das humilhações que lhes sucedem para aumento de sua humildade.

Humilhações que nos impomos a nós mesmos são boas, porém muito melhores são as que nos advêm de outros; por exemplo, repreensões, acusações, injúrias e zombarias, contanto que as aceitemos a boa mente, por amor de Jesus Cristo.

O Espírito Santo diz: “O ouro é provado no fogo, e os homens que Deus quer receber, na fornalha da humilhação” (Ecl 2, 5); como o ouro é experimentado no fogo, assim a perfeição dos homens é provada nas humilhações.

“Uma virtude sem provação, diz Santa Maria Madalena de Pazzi, não é verdadeira virtude”

Quem não suporta tranquilamente o desprezo, nunca poderá alcançar a santidade. “Meu nardo espalhou o seu cheiro” (Ct 1, 11), diz-se no Cântico dos Cânticos. O nardo é uma planta odorífera, mas que só espalha o seu cheiro agradável, quando é fendida ou moída. Oh! Que cheiro agradável não difunde diante de Deus uma alma que recebe tranquilamente qualquer ultraje e se alegra vendo-se desprezada e tratada por todos como se fosse a última.

Alguns julgam-se humildes por estarem convencidos de sua miséria e se arrependerem de ter vivido mal; não querem, porém, ser humilhados e não suportam que se lhes falte com a atenção e respeito e, por isso, evitam todas as ocupações menos honrosas e tudo o que não é compatível com sua soberba.

Mas que humildade é essa? Confessam que são dignos de toda a ignomínia e não podem suportar uma falta sequer de atenção, e até procuram honras e distinções. O Espírito Santo os caracteriza com as palavras: “Alguns se humilham maliciosamente”, isto é, dizem de boca que são os piores de todos, mas no coração desejam ser estimados e honrados mais que os outros “e o seu interior está cheio de dolo” (Ecl 19, 23).

Espero, alma cristã, que não pertenças a essa classe. Se, pois, te julgas pior que todos os outros, deves ficar contente se te tratam pior que aos outros; deves até amar como teus maiores amigos aqueles que te auxiliam por seu trato desdenhoso à humildade e ao desprezo das honras mundanas e que contribuem para que te unas mais intimamente com Deus e nada mais busques nesta vida que seu santo amor.

Considera-te a ti mesmo como um cadáver em putrefação que, com razão, é abominado por todos, e mostra-te pronta a suportar, por amor de Deus, e em satisfação de teus pecados, todas as injúrias, sem nunca permitires uma queixa a teu amor-próprio. Pensa que quem teve a ousadia de desprezar a Deus, merece um tratamento muito pior, a saber, ser calcado pelo demônio no inferno.

“Não conheço melhor remédio para curar as chagas do meu espírito, diz São Bernardo, do que injúria e desprezo” (Ep. 280)

Alegra-te, pois, alma cristã, se fores desprezada, escarnecida e tida pela pessoa mais tola e desprezível de todas. Crê no que diz o Pe. Álvarez:

“O tempo da humilhação é o mais próprio para ficarmos livres de nossa miséria c de ajuntarmos merecimentos”

Segundo Santa Maria Madalena de Pazzi, as maiores graças do divino Esposo a seus privilegiados consiste nisso, que ele lhes envia humilhações e cruzes; afirmava também que encontrava uma consolação especial podendo tratar com pessoas que eram desprezadas, por serem mui caras a Jesus Cristo. Por isso dizia a suas irmãs:

“Não procureis em outra coisa vosso gosto e satisfação senão no desprezo”

Devemos, antes de tudo, ter sempre diante dos olhos as palavras do divino Mestre:

“Bem-aventurados sois, se os homens vos odiarem e vos excluírem e carregarem de injúrias e rejeitarem o vosso nome como mau por causa do Filho do Homem” (Lc 6, 22)

O apóstolo São Pedro acrescenta:

“Bem-aventurados sois, se por causa do nome de Cristo vos insultarem, porque o que há de honra, de glória e de virtude de Deus e o espírito que é dele, repousa então sobre vós” (1 Pd 4, 14)

Os santos não atingiram a santidade debaixo dos aplausos, mas sob injúrias e desprezo. Santo Inácio Mártir que, como Bispo, gozava de consideração e veneração, foi arrastado como um malfeitor para Roma, para ser lançado às feras. Os guardas, durante a viagem, o cobriram de injúrias e maus tratos de toda a espécie; ele, porém, cheio de júbilo, exclamava:

“Agora é que começo a tornar-me um discípulo de Cristo, que foi tão desprezado por amor de mim” (Ep. ad Rm)

Os mundanos sentem menor alegria nas homenagens, que os santos nos desprezos. Quando se fazia uma injúria ao Irmão Junípero, franciscano, ele suspendia o seu hábito e estendia-o no alto, como se quisesse aparar pérolas.

Meu Deus, o que entende aquele que não sabe suportar uma ofensa por Jesus Cristo! Quem não é capaz de suportar uma injúria prova que perdeu de vista a Jesus Cristo Crucificado. A venerável Ma­ria da Encarnação disse um dia, à vista de um crucifixo, às suas irmãs:

“Será possível, queridas irmãs, que nós recusemos sofrer desprezos, quando vemos a Jesus Cristo tão desprezado?”

Nosso Senhor apareceu uma vez a São João da Cruz com a cruz às costas e a coroa de espinhos na cabeça e disse-lhe:

“João, exige de mim o que quiseres”

Ao que o Santo respondeu:

“Senhor, desejo padecer e ser desprezado por amor de Vós”

Com isso queria dizer:

Ó meu Salvador, vendo-Vos por meu amor tão atormentado e desprezado, que outra coisa posso desejar que padecer e ser desprezado?

Uma outra pessoa piedosa, quando recebia uma injúria, dirigia-se ao altar do Santíssima Sacramento e dizia:

Ó meu Deus, sou muito pobre para Vos oferecer alguma coisa de preço; por isso Vos ofereço estas pequeninas dádivas que acabo de receber

Oh! Com que amor não abraça Jesus Cristo uma alma que suportou com paciência um desprezo! Como se apressa Ele em consolá-la e enriquecê-la de graças! O Pe. Antônio Torres foi acusado como propagador de falsas doutrinas e, em consequência disso, privado por vários anos da jurisdição de ouvir confissões. Ele escreveu mais tarde a respeito desse tempo: Enquanto duraram as calúnias, foram tão grandes as consolações, que posso afirmar nunca ter experimentado semelhantes consolações.

Quem suportar com coração alegre as injúrias, não só alcança grandes merecimentos para si mesmo, mas ganha também o próximo para Deus Nosso Senhor. São João Crisóstomo diz:

“O manso de coração, que suporta tranquilamente as ofensas, aproveita a si e a todos que o observam; pois nada é mais próprio para edificar o próximo do que a mansidão de um homem que com rosto sereno suporta ultrajes”

O Pe. Maffci conta de um Padre jesuíta do Japão que, estando ele a pregar, um homem vil lhe escarrou no rosto; ele, tomando o lenço com toda a tranquilidade, limpou e continuou a sua pregação, como se nada tivesse acontecido. Isso impressionou tanto a um dos ouvintes, que se converteu à fé cristã, “pois a religião que ensina uma tal humildade, dizia ele, deve ser verdadeira e divina”. Assim também converteu São Francisco de Sales a muitos hereges pela mansidão com que suportava todos os insultos da parte deles.

De resto, quem quiser trilhar o caminho da perfeição deve estar pronto a ser escarnecido, caluniado, injuriado, perseguido e odiado. Isso é inevitável.

“Os ímpios abominam aqueles que se acham no caminho direito” (Pr 29, 27)

A vida dos bons é, de fato, uma contínua exprobração para os pecadores; pois seu desejo é que todos vivam como eles. A fugida do mundo, o desapego dos vãos prazeres, numa palavra, todos os atos piedosos de um cristão fervoroso, eles qualificam de singularidade, beatice e até hipocrisia, visto que se pratica tudo isso para se passar por santo. E se uma vez tem um bom cristão a infelicidade de cair numa falta (pois não deixou de ser frágil), gritam logo: Vede o santo: isso faz aquele que comunga todos os dias e passa o dia inteiro na igreja, para enganar os homens. Muitas vezes se acrescentam ainda mentiras.

Quem quer se santificar, deve estar resolvido a receber serenamente todas essas humilhações e oferecê-las a Deus, porque, se não quiser suportá-las, não poderá permanecer por muito tempo no caminho encetado; dentro em pouco deixará tudo e procederá do mesmo modo como a grande maioria.

Tratei a fundo deste assunto, porque me parece impossível que um cristão faça progresso na perfeição se não se sujeita de boa vontade ao desprezo, e porque tenho por certo que, em caso contrário, não se santificará.

Se queres, pois, atingir a santidade, deves ser muito humilhado e desprezado. Se estas palavras te assustarem, reanima-te pela promessasa de Jesus Cristo:

“Bem-aventurados sois quando vos injuriarem e vos perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós, por causa de mim: folgai e exultai, porque vossa recompensa é copiosa nos céus” (Ml 5, 12)

Da Mansidão

V. Da grande importância da Mansidão

A humildade e a mansidão formam as virtudes de Jesus Cristo e, por isso, inculcou-as de um modo especial a Seus discípulos, dizendo-lhes:

“Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração” (Mt 11, 29)

O Salvador foi chamado “Cordeiro de Deus” não só pelo sacrifício que devia oferecer na cruz em satisfação dos nossos pecados, mas também por causa da mansidão que mostrou durante Sua vida inteira e, em especial, durante a Sua paixão. Ao receber uma bofetada diante de Caifás e ao ser acusado de desrespeito para com o sumo pontífice, nada mais disse, senão:

“Se respondi mal, dá testemunho do mal; mas se falei bem, por que me feres?” (Jo 18, 23)

Essa mansidão praticou-a Jesus até Sua morte. Estando pendente da cruz e sendo carregado de injúrias e sarcasmos por Seus inimigos, orava por eles:

“Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23, 34)

Oh! Como são caras a Jesus aquelas almas verdadeiramente mansas, que sabem suportar zombarias, calúnias, perseguições e até pancadas e maus tratos, sem se irritarem contra aqueles que as ofendem e ferem. “Sua oração é sempre agradável a Deus” (Jdt 8, 16), isto é, sempre será atendida.

O céu é mui especialmente a pátria daqueles que aqui são desprezados e calcados aos pés, diz o Pe. Alvarez. E, de fato, a estes é prometido o céu, e não aos soberbos, que são honrados e estimados pelo mundo (Mt 5, 4).

O salmista chega até a afirmar que os mansos não só alcançarão a felicidade na outra vida, mas mesmo nesta eles deleitar-se-ão na abundância da paz (SI 36, 11); pois, longe de alimentarem ódio contra os que os maltratam, prezam-nos mais que antes e, em recompensa de sua mansidão, o Senhor aumenta-lhes a paz interior.

“Quanto aos que falam mal de mim, diz Santa Teresa, parece-me que, justamente por isso, sinto mais amor por eles”

Lemos nos Atos de sua beatificação que justamente com ofensas se ganhava em grau especial o seu amor.

Não se pode, porém, ganhar uma tal mansidão, sem uma humildade profunda, sem uma baixa ideia de si mesmo e sem se julgar digno de todo o desprezo. O orgulhoso está sempre irado e planejando vinganças, porque tem uma grande ideia de si mesmo e se julga digno de todas as honras.

O Espírito Santo diz:

“Bem-aventurados os mortos que morrem no Senhor” (Ap 14, 13)

Deves, pois, morrer no Senhor se quiseres ser feliz e começar já aqui a gozar daquela verdadeira bem- aventurança que é possível obter-se na terra. Se ela fica aquém da bem-aventurança do céu, contudo sobrepassa, segundo o Apóstolo, todos os deleites dos sentidos:

“A paz do Senhor sobrepuja lodo o entendimento” (Fl 4, 7)

Repito, porém, que, para se alcançar e conservar essa paz no meio das injúrias e calúnias, deve-se estar morto no Senhor. O morto não sente nenhum agravo, nenhum mau trato; igualmente o manso, como um morto, que nada mais vê e nada mais ouve, está pronto a suportar todas as humilhações sem se opor a isso. Quem ama sinceramente a Jesus Cristo chega a esse feliz estado; porque, dirigindo-se em tudo segundo a vontade de Deus, recebe com a mesma paz da alma e resignação a felicidade e infelicidade, consolação e aflição, injúrias e benefícios. Isso se dava com o Apóstolo, que disse:

“Estou cheio de consolação, exubero de gozo em toda a minha tribulação” (2 Cor 7, 4)

Feliz daquele que atinge uma virtude tão alta! Ele possui uma paz contínua, um bem acima de todos os bens. “Que são todos os bens desta vida, em comparação com a paz do coração?” (Carta 580), exclamava São Francisco de Sales. Na realidade, que te aproveitam todos os tesouros do mundo, se não possuis a paz e a tranquilidade?

VI. Do Exercício da Mansidão

O Espírito de Deus é um Espirito de mansidão:

“Meu Espirito é mais doce que o mel” (Ecl 24, 27)

São Francisco de Sales, modelo e mestre da mansidão, diz:

“A humilde mansidão é a virtude das virtudes, que nos foi recomendada instantíssimamente pelo divino Salvador; por isso deves praticá-la sempre e por toda a parte” (Carta 853)

“Achas que se pode fazer alguma coisa com amor, faze-o então; o que, porém, não pode ser feito sem altercação, deves deixar” (Carta 786)

Isso deve-se entender daquilo que se pode deixar sem pecado, pois, se teu dever exige que impeças uma ofensa de Deus, deves então fazê-lo sem escrúpulo.

Deve-se praticar a mansidão particularmente com os doentes e pobres; com os pobres, porque eles, em vista de sua pobreza, são tratados muitas vezes com dureza; com os doentes, porque eles sofrem com sua enfermidade e, além disso, muitas vezes não acham auxílio junto aos outros.

Com mansidão devem os superiores tratar seus súditos, e, se lhes têm de dar uma ordem, devem antes pedir que mandar. Não há melhor meio de os superiores se fazerem obedecer, diz São Vicente de Paulo, do que a mansidão. Era esse também o parecer de Santa Chanlal:

“Experimentei todos os modos de proceder, dizia ela; o melhor é o manso e paciente” (Mem. de la M. Chaugny, p. 3, c. 19)

De um modo especial deve-se observar a mansidão com os inimigos: “Vence o mal com o bem” (Rm 12, 21), o ódio com o amor, a hostilidade com a mansidão. Assim praticaram os santos todos e dessa maneira alcançaram a simpatia de seus mais assanhados inimigos.

“Nada causa tanta edificação como a amorosa mansidão” diz São Francisco de Sales (Carta 605). Nos lábios desse santo pairava continuamente um amável sorriso; seus gestos, suas palavras, toda a sua pessoa respirava mansidão. São Vicente de Paulo afirmava que nunca conhecera homem mais manso do que esse santo Bispo; julgava até ver nele uma imagem viva da bondade de Jesus Cristo. Mesmo quando devia recusar algum pedido para não ofender sua consciência, revestia sua recusa com tão grande amor, que ganhava a afeição do requerente, que se ia satisfeito, apesar da resposta negativa. Era manso com todos, com os seus superiores, com os seus iguais, com os seus inferiores, com os seus domésticos como com os estranhos. Nunca se queixava de seus criados; raramente os repreendia e então sempre com grande mansidão. Que diferença não existe entre esse santo e aqueles que, como ele se exprimia, “na rua parecem anjos e em casa demônios” (Filotéia p. 3, c. 8).

Também tu, alma cristã, se tiveres de repreender, deves fazê-lo sempre como o sobredito santo, com toda a mansidão. Uma coisa é falar com energia, outra coisa falar com dureza. Algumas vezes a repreensão deve ser feita com energia, principalmente se a falta é importante ou se se repetiu depois de admoestado. Mas, mesmo assim, deves te precaver para que não repreendas em tom áspero e irritado, pois, dessa forma, causarás maior mal que bem. Esse seria aquele zelo áspero que São Tiago tanto reprova.

Alguns gabam-se por inspirarem um grande respeito a seus súditos por seu duro modo de proceder e pensam que essa deve ser a maneira de agir dos superiores. O Apóstolo, porém, pensa mui diversamente:

“Se tendes um zelo amargo, não vos glorieis” (Tg 3, 14)

Se a necessidade às vezes te obriga a falar com rigor para fazer sentir a grandeza da falta, assim mesmo deves terminar com mansidão a repreensão, empregando então palavras afáveis. Como o samaritano, deves curar as feridas com azeite; mas, como o azeite, misturado com outros líquidos, permanece em cima, assim também deve a bondade predominar em todas as nossas ações, diz São Francisco de Sales. Se aquele a quem tens de repreender estiver irado, espera até que ele se acalme, do contrário mais o irritas. Se uma casa está a arder, não se deve lançar-lhe lenha.

“Vós não sabeis de que espírito sois” (Lc 9, 55)

Assim respondeu o divino Salvador a São João e São Tiago, quando lhe rogavam que castigasse os samaritanos, de cujo país tinham sido expulsos. Ah! Que espírito é esse? Queria o Salvador dizer; não é esse o meu espírito: o meu é clemência e bondade; o Filho do Homem não veio para perder as almas, mas para salvá-las (Lc 9, 56), e vós quereis induzir-me a lançá-las na perdição! Calai-vos e não desejeis mais isso: que não é conforme o meu espírito.

E, de fato, com que indulgência não tratou Jesus Cristo a adúltera:

“Mulher, disse-lhe Jesus, ninguém te condenou? Ela respondeu: Ninguém, Senhor. Então lhe disse Jesus: Também eu não te condeno: vai e não peques mais” (Jo 8, 11)

Com a mesma mansidão empreendeu a conversão da samaritana e conseguiu-a. Primeiramente pediu-lhe de beber e em seguida lhe disse: “Oh! Se soubesses quem é que te diz: Dá-me de beber”; finalmente descobre-lhe que Ele era o Messias prometido (Jo 4, 7).

Com que atenciosa delicadeza não procedeu Jesus para com o traidor Judas, a fim de comovê-lo! Permitiu-lhe comer do mesmo prato de que comia; lavou-lhe os pés; admoestou-o no momento mesmo em que o desgraçado consumava seu crime com as enternecedoras palavras:

“Judas, com um ósculo atraiçoas o Filho do Homem?” (Lc 22, 48)

Como converteu Jesus a Pedro, depois de este o renegar? (Lc 22, 26). Ele não lhe fez nenhuma exprobração, mas unicamente, ao sair da casa do sumo sacerdote, virou-se, lançando-lhe um meigo olhar (Lc 22, 61), e com isso converteu-o tão perfeitamente que ele, durante sua vida inteira, não deixou mais de chorar a ofensa feita a seu divino Mestre.

Com mansidão se consegue muito mais que com aspereza. São Francisco de Sales dizia que nada há mais amargo que uma noz verde: sendo, porém, preparada, torna-se agradável e doce. Do mesmo modo as repreensões, por mais desagradáveis que sejam, serão recebidas de bom grado e produzirão unicamente o bem se forem administradas com amor e mansidão. Com sua mansidão São Francisco de Sales alcançava quase tudo o que queria e conduzia para Deus até os pecadores mais endurecidos. São Vicente de Paulo era animado do mesmo espírito e dava a seus missionários as seguintes recomendações:

“Afabilidade, amor e humildade possuem uma força prodigiosa para atrair os corações dos homens e para facilitar-lhes coisas que são inteiramente contrárias à natureza”

Em todas as circunstâncias e em todo o tempo deves ser indulgente e amável para com todos. Alguns são mansos enquanto tudo corre segundo seus desejos, diz São Bernardo, mas se uma contrariedade lhes advém ou lhes acontece alguma coisa desagradável, pegam fogo e deitam fumo como o Vesúvio. Devem ser comparados com os carvões que ardem debaixo da cinza.

Quem quiser santificar-se, deve viver como um lírio entre os espinhos, porque, por mais que seja perfurado pelos espinhos, permanece sempre lírio; com outras palavras, deve ser sempre manso e carinhoso. Uma alma que ama a Deus conserva sempre a paz e ostenta-a também externamente no seu rosto, que permanece sempre igual tanto na felicidade como na desgraça.

Se temos de dar resposta a alguém que nos maltrata, façamo-lo sempre com mansidão: “Uma resposta branda quebra a ira”, diz Salomão (Pr 15, 1). Se nos sentimos irritados, é melhor calar-nos, pois, no calor da paixão, nos parece muitas vezes que devemos dizer tudo que nos vem à boca; passada, porém, a exaltação, vemos que cometemos tantas faltas quantas foram as palavras proferidas.

Se cairmos em alguma falta, devemos usar de mansidão conosco mesmos. Quem se exaspera contra si mesmo, depois de cometer uma falta, prova com isso que não tem humildade, mas um secreto orgulho: mostra que não se tem por uma criatura fraca e miserável, como todos nós o somos.

A humildade que causa desassossego não provém de Deus, mas do demônio, diz Santa Teresa (Vid. c. 30). Quem perde a paciência consigo mesmo, depois de uma falta, comete uma segunda, a qual traz consigo, quase sempre, muitas outras; ela é a causa de se deixar os exercícios de piedade, a oração, a santa Comunhão, etc., ou então de se praticá-los com muita negligência. São Luís dizia que o demônio gosta de pescar em água turva, na qual não se pode distinguir mais nada. Se a alma está perturbada, torna-se muito difícil conhecer a Deus e os seus deveres. Depois de uma falta devemos nos voltar para Deus com humildade e confiança, pedir-lhe perdão e dizer-lhe com Santa Catarina de Gênova:

“Senhor, eis um fruto de meu jardim! Perdoai-me, porém, porque me arrependo de coração de Vos haver ofendido; no futuro não o farei mais; dai-me para isso Vossa graça”

VII. Meios contra a Raiva

Para viveres continuamente unida a Jesus Cristo, deves guardar, em tudo, a paz do coração e nunca te deixares levar à ira pelas contrariedades que te sucedem.

“O Senhor não está na agitação” (1 Rs 19)

Ele não mora em um coração onde reina a perturbação.

Ouçamos os belos ensinamentos que nos dá São Francisco de Sales, esse modelo de mansidão:

“Não nos deixemos arrastar nunca pela ira; não permitamos jamais a essa impetuosa paixão entrada em nosso coração, por melhor pretexto que tenhamos, pois, tendo entrado uma vez no nosso coração a raiva, não estará mais em nosso poder o expulsá-la ou refreá-la”

Para isso sirvamo-nos dos seguintes meios:

1.º Procuremos abafar os movimentos da ira logo ao nascerem, pensando em qualquer outra coisa ou calando-nos;

2.º Recorramos a Deus, como os Apóstolos, ao verem o mar encapelado, porque só a Ele compete apaziguar os corações;

3.º Se, em consequência de nossa fraqueza, a ira se apoderou de nosso coração, façamos todo o possível para recuperar a nossa tranquilidade e nos mostrar humildes e mansos com aqueles que foram causa de nossa excitação.

Tudo isso deve ser feito com discrição e não com ímpetos, pois é de suma importância não rasgar mais ainda a ferida.

O mesmo Santo dizia que lhe havia custado, muito vencer suas duas paixões predominantes: a ira e o amor. Quanto à primeira, confessou ele que teve de combater durante doze anos para superá-la. Quanto à segunda, trocou o seu objeto, desprendendo-se das criaturas para consagrar a Deus todo o seu amor. Dessa maneira atingiu o Santo uma tão profunda paz interior, que ela se refletia mesmo no seu exterior na contínua alegria de seu rosto.

Alguns há que, quando excitados pela raiva, procuram desabafar-se e tranquilizar-se, expandindo-se em palavras ásperas; isso, porém, é engano; sua excitação só se tornará maior. Se quiseres conservar continuamente a paz, deves evitar cuidadosamente o mau humor, e quando notares que te deixaste levar por ele, esforça-te por voltares à tua paz habitual. Toma especial cuidado em não passares a noite em tal estado; procura distrair-te com um bom livro, com um cântico devoto ou com uma agradável palestra, com um amigo. O Espírito Santo diz: “A ira descansa no seio do insensato” (Ecl 7, 10), que ama pouco a Deus; se ela acha entrada no coração de um verdadeiro sábio, será logo expelida, antes de se poder firmar aí.

Uma alma que ama verdadeiramente a Deus nunca está de mau humor, pois, querendo só o que Deus quer, se realiza sempre Sua vontade, permanece sempre tranquila e igual a si mesma, sua sujeição à vontade de Deus assegura-lhe a paz em todas as contrariedades que lhe advém e, assim, é sempre amável e mansa para com todos.

Sem um grande amor a Jesus Cristo, porém, nunca poderás alcançar um tal espírito de mansidão. A experiência mostra que, quanto mais terno é nosso amor para com Jesus Cristo, tanto mais mansos e afáveis somos para com os outros.

Como, porém, nem sempre sentimos em nós esse terno amor, devemos nos preparar na meditação para todas as contrariedades que nos sucederem e fazer o propósito de suportá-las com toda a paciência. Dessa maneira acharam os Santos fácil conservar a paciência e mansidão em todas as contrariedades e agravos. Se não nos prepararmos de antemão às injúrias, no momento decisivo dificilmente saberemos o que devemos fazer para não sermos arrastados pela ira. À nossa natureza excitada pela paixão parecerá justo que nos oponhamos com violência à ousadia daqueles que nos ofendem; como, porém, nota São João Crisóstomo, o fogo não é próprio para extinguir o fogo, em vez de acalmar a raiva do próximo, isso só provocará uma resposta mais violenta ainda.

A esse respeito diz São Francisco de Sales:

“Combate tua impaciência e pratica a afabilidade e mansidão, não só quando ela é expressamente imposta, mas também quando a impaciência parece justificada” (Carta 231)

Em tais casos deves responder afavelmente, pois “uma resposta branda quebra a ira” (Pr 15, 1). Se estiveres, porém, excitado, é melhor que te cales, pois que “o olho ofuscado pela ira, diz São Bernardo (De Cons., 1. 2, c. 11), não pode mais distinguir o que é justo e o que é injusto”. Por isso devemos imitar São Francisco de Sales, que se propusera firmemente nunca falar enquanto seu coração estivesse agitado.

VIII. A Humildade e a Mansidão do Redentor

Por Pe. Oscar das Chagas C.SS.R.

É evidente que nosso Senhor Jesus Cristo nunca teve a reprimir nem o movimento de orgulho nem a menor pretensão desregrada. Cumulada de todas as riquezas da natureza e da graça cuja plenitude possuía; hipostaticamente unida à divindade, a Sua alma era penetrada de respeito infinito para com a majestade de Deus, e referia ao Senhor todo o louvor e toda a glória. Não tinha de abismar-se no pensamento do seu nada, pois que se conservava constantemente imersa na contemplação da grandeza divina.

Carregado de nossas iniquidades, que aceitara para expiá-las, Jesus Cristo sentia-Se coberto de confusão profunda, como O deixou entrever no Jardim das Oliveiras, onde, prostrado por terra, não ousava, por assim dizer, levantar os olhos para Seu Pai. Para expiar os nossos crimes, frutos de insensato orgulho, e para curar-nos ao mesmo tempo desse orgulho maldito, quer saciar-Se de desprezos e opróbrios, de humilhações e aniquilamentos. Quer ser tratado como um verme da terra que se calca aos pés, como o opróbrio e a abjeção do mundo. Do presépio ao Calvário a Sua vida é uma humilhação contínua.

Encarada de qualquer maneira, a humildade de Jesus Cristo nos assombra e confunde. É um abismo incomensurável em que a imaginação se perde, e cujas profundezas nunca alcançaremos, mesmo que nos consagrássemos a sondá-lo toda a nossa vida e a eternidade inteira. Em comparação da humildade de Jesus Cristo, que é a humildade dos maiores santos? Que são os seus rebaixamentos ao lado dos aniquilamentos do Filho de Deus? Jesus desce de mais alto: vem das alturas inacessíveis da divindade; desce infinitamente mais baixo: imerge-se num abismo de humilhações e opróbrios. A medida da humildade, diz Santo Agostinho, é a grandeza de quem se humilha. Para se compreender, pois, a humildade de Jesus Cristo, seria necessária medir a própria divindade e a distância infinita que separa Deus das criaturas. Desce do céu à terra; do seio glorioso do Pai passa ao seio de Maria; e do seio de Maria ao presépio e a um oceano de desprezos e sofrimentos. Não há humilhações a que Ele se queira subtrair; conhecê-las-á todas e provara a sua amargura.

Humilhações da pobreza: quer a mais extrema pobreza com todos os seus rigores e privações, com os desprezos e as repulsas que ela, provoca.

Humilhações da sujeição: Ele, o soberano Senhor de todas as coisas, será submisso não só a Maria e José, e mais tarde a São João Batista, Seu precursor; mas vê-lo-emos aos pés de Judas, vê-lo-emos obediente a Seus juízes e aos Seus algozes.

Humilhações de perseguição: Ele, a inocência essencial, a bondade infinita, será perseguida pelo furor e pelo ódio de Seus inimigos já em Sua infância, devendo fugir para o Egito, e durante toda a Sua vida apostólica em que a raiva de Seus adversários não descansará enquanto O não tiver esmagado e julgado havê-lO desonrado para sempre.

Quer sofrer todas as injúrias, todos os ultrajes, todas as afrontas. Trataram-no de louco, de demoníaco, de comilão, de sedutor, etc. Deixou-se saturar de blasfêmias, de ironias e de sarcasmos por miseráveis a quem confundiria centenas de vezes, e que não passavam de criaturas Suas. Prenderam-no, enfim, como malfeitor, cobriram-nO de escarros como o ser mais vil, flagelaram-nO como um escravo crucificou-nO como o último dos celerados. Não há tratamento indigno a que Ele não se tenha submetido e suportado.

Sacia-Se de opróbrios e desprezos toda a Sua vida por nosso amor: desde a Sua entrada no mundo até ao derradeiro suspiro, desde o presépio até ao Calvário. Digamos mais ainda: sofrerá essa humilhação durante toda a eternidade, porque eternamente ficará unido ao nosso nada.

Quando compreenderemos, afinal, o amor que devemos a um Deus que chegou a tais excessos por nosso amor? Quando compreenderemos o revoltante do espetáculo duma criatura a emproar-se de orgulho em presença dum Deus humilhado?

Um santo Padre, dirigindo-se ao orgulhoso, exclama: Como podes ainda orgulhar-te, tu que és cinza e pó, diante do teu Deus humilhado? Tens diante de ti um Deus tão humilde e tão pequeno, e és ainda grande a teus olhos e na tua estima! O Criador aniquilou-Se até ao nada, e tu, que és um nada e miséria, te elevas sem medida e pensas ser qualquer coisa de grande! Haverá desordem mais clamorosa? Haverá maior loucura? (Nouet, O homem de oração)

E no meio desses desprezos e opróbrios, que inefável mansidão!

Herodes, tratando-O de louco, a Ele, sabedoria infinita, fá-lO revestir de túnica branca e zomba dEle com toda a sua côrte; e Jesus nada diz. Jesus autem tacebat. Uma vil soldadesca fá-lO sofrer mil ultrajes: arrancam-Lhe a barba, dão-Lhe murros, escarram-Lhe no rosto; depois, cobrindo-O dum pedaço de púrpura em forma de manto régio põe-Lhe na mão uma cana por cetro e na cabeça uma coroa de espinhos por diadema e escarnecem dEle como dum rei de teatro; e Jesus nada diz! Qual cordeiro diante de quem o tosquia, não solta uma queixa. Quasi agnus coram tondente se obumutescet, et non aperiet os suum! (Is 53, 7).

Um indigno criado dá-Lhe violenta bofetada, exprobrando-O de faltar ao respeito ao sumo sacerdote; Jesus não querendo lhe impute essa falta, contenta-Se do responder mansamente:

“Se falei mal, dize-o em que; mas, se falei bem, por que me feres?”

Mesmo durante a Sua agonia na cruz, os inimigos O enchem de blasfêmias e sarcasmos; e enquanto O amaldiçoam, Ele só abençoa e ora por Seus algozes.

É certo que, em se tratando da glória e da honra de Seu Pai, Ele Se inflama de santo zelo e, armando-Se de azorragues, expulsa do templo os vendedores e exprobra-lhes fazerem da casa de Deus caverna de ladrões. Mas para o pecador arrependido só tem palavras de ternura e misericórdia. Que mansidão para com a pecadora Madalena, a mulher adúltera, o bom ladrão, e o próprio Judas! Ele não quebrará a cana rachada, nem apagará a torcida que ainda fumega, diz Isaías (Is 42, 3).

Aprendamos dEle o grande segredo da humildade e da mansidão: Discite a me quia mitis sum et humilis corde; et invenietis requiem animabus vestris; na prática dessa sublime lição encontraremos, com todas as graças da redenção, o verdadeiro descanso para as nossas almas.

IX. A Prática da Humildade e da Mansidão

Por Pe. Oscar das Chagas C.SS.R.

Como nos meses precedentes, a alma deve primeira estudar-se por um sério exame, de modo a conhecer-se o mais perfeitamente possível quanto ao orgulho e à humildade. Sobretudo aqui é preciso implorar com fervor as luzes do céu, porque é aqui talvez que somos mais expostos à ilusão e à cegueira própria. Importa, pois, investigar até onde chegamos quanto à estima própria e ao desprezo de nós mesmos; vejamos quais os nossos instintos de orgulho ou de amor-próprio, — em que teatro ele quer exibir-se, — quais as suas manobras para chegar a esses fins, etc. Depois de examinarmos quais são as pretensões do nosso orgulho, estudaremos as nossas disposições quanto às humilhações e aos desprezos. Somos nesse ponto ainda fracos e laxos, ou generosos e fervorosos? Segundo os resultados do nosso exame, tomaremos as resoluções necessárias para nos aperfeiçoarmos no verdadeiro conhecimento e no desprezo de nós mesmos; determinaremos os atos interiores e exteriores que teremos a praticar durante o mês, para reprimirmos todas as pretensões e todas as manifestações do orgulho, e para chegarmos à aceitação generosa e até à procura e ao amor do desprezo.

Na oração

Procuraremos as considerações mais próprias para nos inspirar o desprezo de nós mesmos e cobrir-nos de confusão diante de Deus. Aprazer-nos-emos em contemplar a grandeza, a majestade, a santidade, o poder e a bondade de Deus. Consideraremos depois a nossa incapacidade para o bem, tantos pecados cometidos, tantos abusos de graças, etc. Meditaremos, sobretudo, os aniquilamentos infinitos de nosso Senhor Jesus Cristo; admiraremos o Salvador a saturar-Se de desprezos e opróbrios; faremos então atos de desprezo de nós mesmos, proclamaremos a nossa indignidade e, suplicando ao divino Mestre nos auxilie com a Sua graça, declarar-nos-emos prontos a segui-lO no caminho das humilhações e dos desprezos.

Ato interior de humildade

Ó Jesus, inocência essencial, vejo-Vos abeberado de desprezos e opróbrios que saboreais com prazer; e eu, criatura miserável e rebelde, afastando os olhos da minha miséria, deixo-me levar pelo amor-próprio e pelo orgulho a pretensões insensatas. Ó Jesus, humilhado por meu amor, ajudai-me a acabar com essa horrível desordem. Em Vossa presença reconheço minha profunda miséria: o nada e o pecado, eis tudo o que tenho de mim mesmo, ó meu Deus. Indigno de comparecer diante de Vós, deveria ser lançado para longe da Vossa face, para o fundo do inferno, em lugar das Vossas graças e favores, mereço os Vossos castigos e o desprezo de todas as criaturas.

Ó Jesus, eu Vos amo, e porque Vos amo, para Vos glorificar e me tornar semelhante a Vós, quero de hoje em diante ficar no meu lugar. Aceito a minha miséria e as suas consequências; aceito os desprezos que à Vossa Providência aprouver enviar-me. ConVosco e para Vós quero ser humilhado e gostar das humilhações; mas peço-Vos me auxilieis com a Vossa graça; dai-me o Vosso espírito, comunicai-me o Vosso amor das humilhações.

Jesus, manso e humilde de coração, fazei o meu coração semelhante ao Vosso. Maria, rainha da humildade rogai por mim.

Durante o dia, multiplicaremos os atos de fé na presença de Deus, conservar-nos-emos diante dEle em atitude de respeito profundo, e com sentimentos dum miserável que se reconhece aturado por pura misericórdia. Repetiremos com frequência os atos de desprezo de nós mesmos; mas, para glorificarmos o Senhor, poremos nEle toda a nossa esperança, e aos atos de desconfiança de nós mesmos uniremos os atos de confiança inabalável em Deus.

Atentos aos movimentos do nosso coração, abafaremos logo todo sentimento de orgulho e complacência própria, respondendo a toda palavra interior de amor-próprio ou de verdade por um ato enérgico de desprezo de nós mesmos.

Dirigiremos ao Senhor súplicas ardentes para obter a humildade e o amor das humilhações, e, dóceis aos conselhos de Santo Afonso, pediremos as humilhações e os desprezos com auxílio necessário para suportá-los.

Esse será o objeto de nossas preocupações durante os nossos exercícios de piedade, ficando neles mais recolhidos e humilhados diante de Deus.

Seremos exatos em fazer em tempo e lugar os atos interiores e exteriores de virtude que nos tivermos prescrito.

No trabalho, procuraremos de preferência os trabalhos e empregos mais humilhantes. Mesmo naqueles que o fossem menos aos olhos dos homens, procuraremos ainda o que nos possa cobrir de confusão. Vigiaremos para nunca agir por um motivo de amor-próprio; mas protestaremos logo que só queremos a glória de Deus e a confusão e o desprezo para nós.

No exercício do santo ministério esforçar-nos-emos, sobretudo, por penetrar-nos do sentimento da nossa incapacidade e indignidade, trabalhando com zelo ardente, porém com mansidão e humildade, para a glória de Deus e a salvação das almas.

Penitência. Com grande fervor realizaremos, enfim, todos os nossos exercícios de penitência, unindo-nos às expiações de Jesus Cristo, e com os sentimentos de confusão do mísero pecador que se sente digno de todos os castigos. Expiaremos, sobretudo generosamente e quanto antes todas as nossas fraquezas de amor-próprio e orgulho.

X. Orações para alcançar a Virtude do Mês

Eis, por fim, algumas orações de Santo Afonso para crescermos na Humildade e Mansidão.

Oração para obter a Humildade

Humilíssimo Jesus, pelo meu amor Vos quisestes humilhar e ser obediente até a morte da cruz: como me atrevo, pois, a aparecer ante Vós e dizer-me discípulo Vosso, se, carregado de tantos pecados, sou contudo assim orgulhoso, que não posso sofrer desprezo algum sem me ressentir? Donde pode me vir tal orgulho, a mim que mereci tantas vezes ser calcado pelos pés dos demônios? Ah! Meu Jesus saciado de desprezos, tornai-me semelhante a Vós. Pelo meu amor sofrestes todos os opróbrios: quero também, pelo Vosso amor, suportar todas as injúrias. Ó meu divino Redentor, abraçando as humilhações com tanto amor durante a Vossa vida, Vós as tornastes tão honrosas e desejáveis, que quero pôr dora em diante toda a minha glória em ser humilhado por Vós e conVosco: Livre-me Deus de gloriar-me, senão na cruz do meu Senhor Jesus Cristo (Gl 6, 14).

Ó Maria humildíssima, das criaturas todas a mais perfeitamente semelhante ao vosso divino Filho, obtende-me a graça de suportar para o futuro com resignação todos os ultrajes que me forem feitos.

Oração a Maria

Nunca, ó minha Rainha, poderei ser do número dos vossos verdadeiros filhos, se não for humilde; mas, vós o vedes, os meus pecados, que me fizeram ingrato para com o meu Deus, tornaram-me também orgulhoso. Ó minha Mãe, a vós pertence remediar esta desordem: pelos merecimentos da vossa humildade, alcançai-me esta virtude, e por ela a dignidade de verdadeiro filho vosso.

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(OMER C.SS.R., Padre Saint. Escola da Perfeição Cristã para Seculares e Religiosos: Obra compilada dos escritos de Santo Afonso Maria de Ligório, Doutor da Igreja. Editora Vozes, 1955, p. 212-233)

(AZEVEDO C.SS.R., Padre Oscar das Chagas. As Doze Virtudes para cada Mês do Ano. Editora Vozes, p. 149-172)

(OMER C.SS.R., Padre Saint. As Mais Belas Orações de Santo Afonso: Edição atualizada e acrescida de novos exercícios e orações. Editora Vozes, 1961, p. 306-308)