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As Epístolas do Cativeiro (I)

Lição 1: Introdução Geral

1. Chamam-se “epístolas do cativeiro” as cartas a Filemon, aos Colossenses, aos Efésios, aos Filipenses. E com razão, pois cada qual apresenta Paulo prisioneiro: Fm 1.9.10.13; Cl 4,3.10,18; Ef 3,1; 4,1; 6,20; Fl,7.13s.

2. Pergunta-se, porém: em qual cativeiro Paulo escreveu essas cartas?

Contam-se cinco cativeiros na vida de São Paulo: em Filipos (At 16,23-40), em Jerusalém (At 21,31 -23,31), em Cesaréia (At 23,35-26,32), em Roma primeira vez (At 27,1 -28,16), em Roma segunda vez (2Tm 1,8.12.16s; 2,9).

Há quem julgue que Paulo esteve preso também em Éfeso, pois nesta cidade permaneceu três anos (cf. At 20, 31) e sofreu hostilidades (cf. 1Cor 16,8, “adversários numerosos”; 15,32, “luta contra as feras; At 19, 13-40, tumulto dos ourives). Mais: em 2Cor 11,23 Paulo afirma que sofreu várias vezes a prisão; ora os Atos só referem até a data de 2Cor a prisão em Filipos (cf. At 16,23-40); não se deveria, por isto, supor um encarceramento em Éfeso? Em Rm 16,4 é dito que Priscila e Áquila expuseram sua cabeça para salvar a vida de Paulo – o que se supõe tenha ocorrido em Éfeso (cf. At 19, 23s).

Os argumentos em favor de um cativeiro de Paulo em Éfeso são fracos e genéricos. Em contrário esta o silêncio do livro dos Atos.

3. Já podemos responder à pergunta: qual o cativeiro suposto por Fm, Cl, Ef e Fl?

Até o século XVIII, os autores admitiam, em resposta, o primeiro cativeiro romano de Paulo (61 -63). Desde 1731, porém, vários críticos foram pensando no possível cativeiro efésio como contexto histórico de tais cartas. Até hoje há quem admita que ao menos Fl data do hipotético cativeiro efésio em 56/57, quando Paulo esperava partir para a Macedônia depois da sua libertação (cf. Fl 1,26; 2,19-24 e At 19,21s; 20,1; 1 Cor 16,5).

Não faltou também quem quisesse atribuir às quatro epístolas origem no cativeiro de Cesaréia (58-60). Tal hipótese hoje quase não tem defensores.

Neste nosso Curso, seguiremos a sentença mais antiga, que atribui as quatro cartas ao primeiro cativeiro romano, embora reconheçamos que entre Filemon-Colossenses-Efésios, de um lado, e Filipenses, do outro lado, há diferenças, que permitiriam admitir para Fl outro contexto. Notemos os seguintes pontos diferenciais:

  • em Cl e Ef: Cristo e a Igreja, culto dos anjos, falso ascetismo;
  • Conteúdo em Fl: vida cristã, tom exortatório semelhante ao de 1/2 Ts, Gl, 2Cor; a seção cristológica de Fl 2, 5-11 é ocasionada por problemas da comunidade;
  • em Cl e Ef: o estilo é denso e pesado;
  • Linguagem em Fl: cheio de vida; de Cl e Ef: Tíquico (cf. Cl 4,7s; Ef 6,21s);
  • Portadores Onésimo (cf. Cl 4,9); de Fl: Epafródito (Fl 2,25-30).
  • em Cl e Ef: Tíquico, Aristarco e arcos (cf. Cl 4,10; Fm24); Epafrás Companheiros (Cl 4,12; Fm 23); Lucas e Demas (Cl 4,14; Fm 24); Timóteo de Paulo (Cl 1,1; Fm 1); em Fl: Epafródito (Fl 2,25) e Timóteo (4,19).

Como dito, na impossibilidade de provar a existência de um cativeiro efésio de Paulo, seguiremos a hipótese antiga, que enquadra as quatro epístolas no cativeiro romano de 61 a 63.

4. A ordem de origem de Fm, Cl e Ef é provavelmente esta: Paulo, detido em Roma, foi procurado por Onésimo, escravo fugitivo da cidade de Colossos; tendo gerado este filho para Cristo, Paulo o devolveu ao patrão Filemon com uma carta para este (Fm) e com outra carta para toda a comunidade de Colossos (Cl), ameaçada por falsas doutrinas. A epístola aos Colossenses assim redigida foi ampliada por Paulo ou por um discípulo de Paulo, devendo circular pelas comunidades cristãs da Ásia Menor, ameaçadas pelos mesmos males; visto que Éfeso era a cidade capital desta província, tal epístola circular tomou o nome de “epístola aos Efésios”.

Quanto a Fl, será examinada oportunamente a sua situação de origem.

Lição 2: A carta a Filemon

Estando Paulo cativo em Roma entre 61 e 63, foi procurado por um escravo, Onésimo, que fugira da casa de seu patrão Filemon em Colossos (Ásia Menor) e procurava abrigo em Roma, cidade cosmopolita. A legislação judaica mandava não devolver ao amo o escravo fugitivo (cf. Dt 23,16). Ao contrário, a legislação romana considerava o escravo como propriedade do patrão e impunha a devolução do mesmo; além do que previa penas severas para esses desertores; Paulo estava a par dessas normas. Todavia quis reter Onésimo consigo; embora não lhe pudesse dar a alforria no foro civil, podia apregoar-lhe a redenção trazida por Cristo e gerá-lo para a vida nova dos cristãos. Tendo feito isto (v. 10), Paulo pensou em guardar consigo Onésimo para que este colaborasse na difusão do Evangelho (v. 17). Todavia acabou resolvendo devolver o escravo, pois não queria assumir atitude desleal para com Filemon e, doutro lado, a Lei romana exigia a devolução. Ao enviar Onésimo de novo para a casa do patrão, o Apóstolo quis escrever uma carta cheia de calor humano e de vivacidade, em que recordava ao patrão a necessidade de receber o escravo não mais como “coisa” ou propriedade sua, mas como caríssimo irmão em Cristo (v. 16). Se Onésimo tinha roubado algo a Filemon, que este o pusesse na conta de Paulo, o qual prometia pagar por Onésimo (embora na verdade Filemon é que devia a Paulo a sua conversão a Cristo); cf. v. 18s; São Paulo usa assim autêntica linguagem comercial para persuadir Filemon. Este, aliás, devia ser um cristão bem formado, que exercia “caridade para com todos os santos, reconfortando os corações dos irmãos” (cf. v. 5.7); por isto Paulo concluía sua carta exprimindo a certeza de que Filemon seria ainda mais generoso do que Paulo lhe pedia.

Esta é a primeira declaração dos direitos humanos no Cristianismo; baseava-se na verdade de que todos somos irmãos, porque todos participamos da mesma natureza humana; ademais a regeneração batismal faz que todos sejam um só em Cristo, sem distinção de judeu, grego ou bárbaro, escravo ou livre; cf. Rm 6,5; Ef 4,24; Gl 3,27; Cl 3,11 ; 1Cor 12,13.

O Apóstolo não quis apregoar uma violenta revolta dos escravos contra os patrões nem a eliminação brusca do regime de escravidão, pois esta teria sido fatal para a vida do Império Romano; os escravos eram mais numerosos do que os homens livres e garantiam a indústria e a agricultura da época. Se, de um momento para o outro, a escravatura tivesse sido abolida, milhões de pessoas morreriam de fome, pois a civilização da época não tinha a capacidade de criar para si novos sistemas e recursos de subsistência.

O que importava a Paulo era transformar as relações entre escravos e patrões, proclamando em cada escravo um irmão que compartilhava a dignidade do seu patrão. Era preciso realizar a emancipação dos escravos nas mentes dos homens antigos para depois concretizá-la na praxe e nas leis civis. Por isto, Paulo, além de respeitar o Direito Romano vigente na sua época, quis lembrar a Filemon outros direitos, como os da caridade decorrentes do ser cristão: Paulo já ancião (v. 9), carregado de algemas (v. 10), amigo e credor espiritual de Filemon (v. 19), suplicou em favor de um filho (v. 10), para que este fosse recebido como irmão caríssimo em Cristo (v. 16). Caso Filemon compreendesse o alcance de tais palavras, faria de Onésimo um liberto feliz, servidor de Cristo juntamente com seu patrão.

Assim Fm aparece como obra prima da arte epistolar, portadora de princípios que revolucionariam a história dos homens.

Lição 3: A epístola aos Filipenses

3.1. O pano de fundo

Em 358-7 a.C., Filipe II da Macedônia, pai de Alexandre Magno, ocupou a comarca de Krenides (= pequenas fontes) e transformou-a em florescente cidade, à qual impôs o nome de Filipos. O Imperador Romano Augusto isentou a cidade de taxas e impostos e conferiu-lhe privilégios; fez de Filipos um posto avançado da civilização romana ( = colônia, conforme At 16,12).

Paulo esteve três vezes em Filipos: por ocasião da segunda viagem missionária (50-53), conforme At 16,12-40, e ainda durante a terceira viagem apostólica, segundo At 20,1 s (fins de 57) e At 20,3-6 (Páscoa de 58). Entre o Apóstolo e os fiéis estabeleceram-se relações de grande ternura, a ponto que Paulo chama os filipenses “irmãos amados e queridos, minha alegria e coroa” (4,1) ou ainda exclama:

“Deus me é testemunha de que vos amo a todos com a ternura de Cristo Jesus” (Fl 1,8).

Por causa dos laços afetivos com os filipenses, Paulo mais de uma vez aceitou deles auxílio em dinheiro (cf. 2Cor 11,8s; FI 4,15-16). Paulo não costumava aceitar ofertas, pois queria pregar o Evangelho sem ser, de algum modo, oneroso aos fiéis ou vivendo unicamente do trabalho de suas mãos. Precisamente, estando Paulo cativo em Roma, os filipenses, após certo recesso, enviaram-lhe alguns recursos por intermédio de Epafródito, delegado da comunidade junto a Paulo (cf. Fl 4,10-13; 2,25). Epafródito, porém, adoeceu gravemente. Este fato muito preocupou os fiéis de Filipos e o próprio enfermo. Paulo então resolveu mandar este de volta aos seus, juntamente com uma carta (cf. Fl 2,25-29), que teria como principal objetivo agradecer aos fiéis os socorros materiais e o afeto que dedicavam ao Apóstolo (Fl 4,15-20); aproveitando o ensejo, Paulo mandaria notícias suas, principalmente do seu apostolado (cf. 1,12¬25); exortaria os fiéis à unidade e à concórdia fraternas (1,27-2,18; 4,1-4) e os acautelaria contra as ciladas dos judaizantes (cf. 3,1-6).

Por duas vezes (1,25s e 2,24), o Apóstolo manifesta a esperança de em breve retornar à companhia dos seus fiéis; donde se conclui que a epístola foi escrita no fim do período de cativeiro, quando o processo se encaminhava para um desfecho feliz.

Em favor do cativeiro romano, citam alguns estudiosos os textos de Fl 1,13 (menção do pretório) e 4,22 (referência à casa de César). Todavia esses argumentos hoje têm pouco significado, pois se sabe que toda sede de pro cônsul ou de magistrado inferior podia chamar-se pretório, e membros da casa de César podiam ser os agregados à casa de um governador. – Contra a origem de Fl durante o primeiro cativeiro romano, está o fato de que Paulo espera em breve rever os filipenses (1,25.27; 2,24); na verdade, sabe-se que Paulo intencionava passar de Roma para a Espanha (cf. Rm 15,24.28). – Quem não aceita a tese tradicional (Fl oriunda em Roma), postula um cativeiro de Paulo em Éfeso – o que é hipótese mal fundamentada. A questão, pois, do lugar de origem de Fl é de difícil solução, mas não representa empecilho para o frutuoso entendimento da mensagem desta carta. Vimos à p. 77 que também há quem suponha um cativeiro em Cesaréia da Palestina, mas com pouca probabilidade.

3.2. Conteúdo e mensagem de Fl

1. A epístola aos Filipenses é, com razão, tida como “a carta da alegria cristã”. O vocábulo “alegria” e seus sinônimos constituem a trama desse documento, recorrendo 24 vezes; cf. 1,4.7.25; 2,2.18; 3,1; 4,1.4… E São Paulo, portador da alegria, quer que ela seja a partilha também de todos os seus fiéis. Todavia essa alegria paulina é paradoxal: existe num homem já adiantado em anos e detido na prisão, de onde escreve uma carta cheia de entusiasmo. Parece reproduzir-se, na prisão donde Paulo escreve, o que ocorrera na cidade de Filipos muitos anos antes: Paulo e Silas estavam detidos em cárcere público, sofrendo terrivelmente pelas feridas da flagelação que ainda sangravam; e contudo, pela meia-noite, cantavam hinos de louvor a Deus (cf. At 16,23-25).

É de notar que também os filipenses, na época em que esta carta lhes era escrita, sofriam perseguições por causa da fé (cf. Fl 1,27-30). Todavia São Paulo os admoesta a não se deixarem abater, mas antes exorta-os a agradecer a Deus não só pela garça de crerem em Cristo, mas também pela de sofrerem por Ele, empenhados todos num duro combate (cf. 1,27-30). A eles, sofredores, dirige Paulo o estribilho:

“Alegrai-vos sempre no Senhor. Repito: alegrai-vos!” (Fl 4,1).

Pergunta-se: como explicar situações tão paradoxais? A resposta se encontra a seguir.

2. Paulo se identificava com um modelo, que ele propunha aos fiéis: o Cristo Jesus:

“Tende em vós os mesmos sentimentos de Cristo Jesus” (2,5)

Precisamente a seção de 2,6-11 desenvolve a imagem de Cristo Jesus num hino que talvez fosse usual na liturgia da Igreja antiga: o Cristo, antes de se fazer homem, preexistia em igualdade de condições com o Pai, mas não hesitou em despojar-se da gloria que lhe competia como Deus, para assumir as condições de fragilidade e esvaziamento próprias da natureza humana; feito homem, experimentou, por obediência ao Pai, a morte do escravo pregado a cruz. Em conseqüência, Deus Pai o quis exaltar (a Ele, o crucificado), dando-lhe um nome que esta acima de todo nome: assim, como homem, o Cristo participa da gloria de Deus. Essa transfiguração da Cruz e da dor realizada por Cristo é que se devia tornar o segredo da fortaleza de ânimo e da profunda alegria do Apóstolo identificado com Cristo. Esse segredo, São Paulo o revelou aos filipenses e o revela ainda hoje a todos os leitores de tão bela carta.


Perguntas sobre as Epístolas do Cativeiro

1) Porque damos a Fm, Cl, Ef e Fl o titulo de ”epístolas do cativeiro”?
2) Qual a provável ordem de origem das epístolas do cativeiro ?
3) Qual a problemática suposta por Fm e como Paulo a abordou?
4) Em que lugar e em que época foi escrita a epístola aos Filipenses?
5) Qual a mensagem de Fl?

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