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As Cinco Chagas

Meditação para a Sexta-feira da Terceira Semana da Quaresma. As Cinco Chagas

Meditação para a Sexta-feira da Terceira Semana da Quaresma

SUMARIO

Meditaremos sobre a devoção às Cinco Chagas de Nosso Senhor, que a Igreja oferece neste dia à nossa piedade, e consideraremos:

1.° Que nada há mais justo que esta devoção;

2.° Que Lhe são anexas as graças mais preciosas.

— Tomaremos depois a resolução:

1.° De termos um crucifixo à vista durante o nosso trabalho, de olharmos para ele com amor, principalmente nas nossas tentações e aflições, e de beijarmos muitas vezes as suas veneráveis chagas, sobretudo a do sagrado lado;

2.° De praticarmos algumas mortificações em honra das Cinco Chagas.

O nosso ramalhete espiritual será a palavra de Isaías:

“Ele foi ferido pelas nossas iniquidades” – Vulneratus est proter iniquitates nostras (Is 53, 5)

Meditação para o Dia

Prostremo-nos diante da cruz de Nosso Senhor, e tributemos a nossa adoração, o nosso reconhecimento e amor às duas chagas dos Seus pés, às duas chagas das Suas mãos e, principalmente, à chaga do sagrado lado. Oh! Quão veneráveis são estas chagas; e quão justo é que os nossos corações se derretam em ternura contemplando-as! Ó sagradas chagas, eu não posso honrar-vos tanto quanto quisera; mas ofereço-vos os piedosos sentimentos com que vos honraram Maria e São João no descendimento da cruz. Tenho esse direito, pois que, sendo Maria minha mãe e São João meu irmão, os seus méritos são uma herança de que posso dispôr em meu benefício.

PRIMEIRO PONTO

Nada há mais justo que a Devoção às Cinco Chagas

Não se olharia como um homem, mas como um monstro sem coração, um filho que visse com indiferença, sem o menor sentimento de compaixão, de reconhecimento e de amor, as chagas que tivesse recebido seu pai para o salvar da maior das desgraças, e para lhe alcançar ao mesmo tempo os maiores bens? Tal e pior ainda seria o cristão que fosse indiferente para com as chagas do Salvador: porque Jesus Cristo recebeu estas chagas para nos salvar do inferno e nos abrir o céu, para nos oferecer nelas outras tantas fontes de salvação, de que podemos tirar graça, força e consolação (1).

Ó alma cristã, exclama São Boa ventura, como podes tu conter os teus transportes lembrando-te destas chagas ? – O anima, quomodo potes te continere?

O amantíssimo Jesus fez nos Seus pés, nas Suas mãos, uma larga ferida para te receber, e não tens pressa de entrar nela (2); abriu por Si mesmo o lado para te dar o Seu coração, e não vais unir o teu coração com o dEle! (3) Ah! Quanto a mim, continha o Santo Doutor, é ali que eu gosto de habitar (4); é ali que quero fazer três estâncias: a primeira aos pés do meu Jesus, a segunda nas Suas mãos, a terceira no Seu sagrado lado. É ali que eu quero descansar; é ali que hei de velar, ter, e conversar. Ó amabilíssimas chagas, os olhos do meu coração estarão sempre fitos em Vós; de dia, desde o sol nado até ao sol posto, e de noite tantas vezes quantas estiver acordado. Conservar-me-ei, principalmente, na abertura do sagrado lado para ai falar ao coração de meu Senhor, e obter dEle o que eu quiser (5).

“Ó Jesus, diz no mesmo sentido São Bernardo, o Vosso lado é traspassado para nos patentear a entrada do Vosso coração, e nos revelar por esta chaga visível a chaga invisível do Vosso amor. Aplicar-lhe-ei os meus lábios e sugarei o mel do amor e unção das consolações divinas” –  Ad hoc perforatum est cor tuum, ut nobis patescat introitus; ad hoc vulneratum est cor tuum, ut in illo habitare possimus, et per vulnus visibile, vulnus invisibile amoris videamus. Liceat mihi suggere mel de petra, oleumque de saxo, id est, gustare et videre quoniam suavis est Dominus (Serm. 3 de Pass. Domini)

Seriamos nós os filhos dos santos, se, depois de tais exemplos, não tivéssemos uma terna devoção às Cinco Chagas?

SEGUNDO PONTO

Graças anexas à Devoção das Cinco Chagas

A alma acha nestas chagas tudo o que é necessário ou útil à salvação (6).

“Em nenhuma parte tenho achado, diz Santo Agostinho, remédio tão eficaz para todos os males da alma” – In omnibus non inveni tam efficax remediam quam Christi vulnera (Manual, c. 12)

“Sejam quais forem as enfermidades espirituais, acrescenta São Bernardo, a meditação assídua das chagas do Salvador cura-as” – Quid tum efficax ad curanda conscientiae vulnera quam Christi vulnerum sedula meditatio? (Serm. 62, in Cant. 4, 7)

“Porão, os olhos nas minhas chagas, diz o mesmo Jesus Cristo pelo Seu profeta, e se converterão” – Aspicient ad me, quem confixerunt: et plangent (Zc 12, 10)

O coração de Jesus é um oceano, e as chagas são os canais por onde correm as águas da graça e da misericórdia (7), diz ainda São Bernardo. Com efeito, é nestas chagas que se forma a viva fé (8); é ali que se dilata a confiança em Deus (9); é ali, principalmente, que a caridade se abrasa como em seu verdadeiro foco. À força de considerar o excessivo amor que abriu estas chagas para nós, miseráveis criaturas e pecadores, o coração inflama-se todo, e não se pode já viver senão de amor. Por isso Santo Agostinho chamava a estas sagradas chagas o seu refúgio nas aflições, o seu asilo nas tribulações, o seu remédio nas enfermidades da alma. É ali que Santo Tomás de Aquino bebia toda a sua ciência; ali que São Francisco de Assis, à força de meditá-las, se tornou pelo fervor seráfico da sua caridade um prodígio de semelhança com Jesus crucifixado; ali que São Boaventura se encheu desse espírito de piedade que embalsama todos os seus escritos: este digno discípulo de São Francisco desgastou os pés do seu crucifixo à força de os beijar, e nunca deixou de exortar todos os fiéis que saboreassem por si mesmos os inefáveis gozos e a deliciosa unção de piedade anexos à devoção destas sagradas chagas (10).

“Se não podeis, diz a Imitação de Jesus Cristo, contemplar as coisas elevadas e celestes, conservai-vos humildemente nas chagas do Salvador, nas quais achareis consolação e força” – Si nescis speculari alta et caelestia, requiesce in passione Christi et in sacris vulneribus ejus libenter habita. Si enim ad vulnera et pretiosa stigmata Jesus devote confugis, magnum in tribulatione confortationem senties (2 Imitação 1, 4)

São estas as nossas disposições?

Resoluções e ramalhete espiritual como acima

Referências:

(1) Haurietis aquas in gaudio de fontibus Salvatoris (Is 13, 3)

(2) Dulcissimus Jesus pro te vulneratus est, et ad ipsum negligis festinare

(3) Pro nimio amore aperuit latus, ut tibi tribuat cor suum

(4) Bonum est nos hic esse (Mt 17, 4)

(5) Ibi loquar ad cor ejus, et ab ipso quod voluero impetrabo

(6) Omnia utilia et necessaria sibi abundanter ibi invenit, nec opus est ut extra aliquid quaerat (São Boaventura, Collat., 7)

(7) Ego fidenter quod est me mihi deest usurpo mihi ex visceribus DOmini, quoniam misericordiae affluunt, nec desunt foramina per quae affluant (In Cant., 61)

(8) Infer digitum tuum huc… et noli esse incredulos, sed fidelis (Jo 20, 27)

(9) Ubi infirmis securitas et requies, nisi in vulneribus Salvatoris? Tanto illic securior habito, quanto potentior est ad salvandum. Clamat clavus, clamat vulnus, quod Deus vere sit in Christo mundum reconcilians sibi (In Cant. 61)

(10) Quanta credis animam frui dulcedine? Certe exprimereit bi nequeo, sed experire et scito (São Boaventura, Stim., am., c. 1, p.1)

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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo II, p. 151-155)