Meditação para a Vigésima Primeira Quarta-feira depois de Pentecostes
SUMARIO
Meditaremos sobre, o primeiro caractere do amor do próximo, que é ser sobrenatural; e veremos:
1.º O que devemos entender por amor sobrenatural devido ao próximo;
2.° Quanto este amor difere do amor puramente natural.
— Tomaremos depois a resolução:
1.° De tratarmos toda a gente com afabilidade e bondade, por amor de Deus, que devemos ver e amar no próximo;
2.° De nos guardarmos das afeições puramente naturais, que não entram no preceito da caridade, e que além disto são perigosíssimas.
O nosso ramalhete espiritual será a palavra de São João:
“Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, porque a caridade vem de Deus” – Carissimi, diligamus nos invicem, quia caritas ex Deo est (1Jo 4, 7)
Meditação para o Dia
Recorramos ao coração de Jesus como ao foco da caridade, para nEle nos enchermos do espírito desta virtude. A verdadeira caridade não é deste mundo, é toda do céu; Jesus Cristo de lá a trouxe, e deseja que se difunda em todos os corações (1). Roguemos-Lhe que nos abrase nela.
PRIMEIRO PONTO
O que devemos entender por amor sobrenatural devido ao próximo?
O amor sobrenatural é um piedoso afeto da alma, pelo qual amamos ao próximo em Deus e por Deus. Não vem de nós, que nada podemos na ordem sobrenatural; provém do Espírito Santo, que é quem forma em nós um sentimento tão puro, tão nobre e santo (2). Sobrenatural em seu princípio, a verdadeira caridade também o é em seus motivos. Com ela, amamos ao próximo, não em razão do seu mérito ou das suas belas caridades, mas porque amamos a Deus, e porque o amor do próximo é uma consequência necessária e inseparável do amor de Deus. Se eu amo verdadeiramente a Deus, devo:
1.° Inclinar-me ao que Ele deseja, ao que quer, ao que Lhe causar sumo prazer. Ora Deus, pai comum da grande família do gênero humano, deseja e quer que todos os seus filhos se amem mutuamente até serem todos um só coração e uma só alma. Gosta de os ver todos unidos pelos doces vínculos de uma recíproca caridade; e excluir um só dessa afeição de família, seria ofendê-lO.
2.° Amar os seus amigos, amar os seus filhos, a quem ama como se fossem Ele mesmo. Ora todos, sem exceção, são os amigos de Deus; amigos que amou até entregar seu Filho à morte para os salvar, e que seu Filho amou até morrer por eles. Todos são os seus filhos; têm direito e obrigação de Lhe dizer:
“Pai nosso, que estais no céu”
Não amar ternamente um só destes filhos de Deus, é ofender esse bom e extremoso Pai.
3.° Amar a semelhança e imagem feita pela sua própria mão, e não por uma mão estranha. Ora tais são todos os homens (3).
4.° Amar os membros de Jesus Cristo, seu Filho, que formam com este divino Salvador um mesmo corpo, de que Ele é a cabeça. Ora tais são todos os homens, a ponto que disse: O que fazem ao mais pequeno dos meus, reputo-o feito a mim, e o recompensarei, se for bem, ou castigarei, se for mal.
5.° Amar os que Ele me deu por irmãos e coerdeiros de seu reino. Ora tais são todos os homens; todos são meus irmãos por parte do Pai e por parte da Mãe: por parte do Pai, porque todos são como eu filhos de Deus; por parte da Mãe, porque todos são como eu filhos da Igreja e da Santíssima Virgem; todos são coerdeiros comigo do reino dos céus; somos todos chamados a gozá-lO, e a glorificar a Deus por toda a eternidade com uma mesma voz e um mesmo coração. É portanto, verdade, ó meu Deus, que o Vosso amor e o amor do próximo são coisas inseparáveis. Enganamo-nos, se julgamos amar-Vos e que haja um só homem na terra que amemos não sendo por amor de Vós. Oh! Quão sublime é esta caridade sobrenatural, que se encerra no amor de Deus! Como é própria para elevar a alma, inflamar o coração, inspirar toda a sorte de afetos e os maiores sacrifícios!
Entremos dentro em nós: amamos o próximo com este amor sobrenatural?
SEGUNDO PONTO
Quanto o amor sobrenatural difere do amor puramente natural
1.° O amor puramente natural e todos os atos que inspira, são sem nenhum mérito para o céu. Deus não recompensa senão o que se faz por amor dEle e com o fim de Lhe agradar. Ai! Quantas boas obras perdidas, porque se fizeram por um sentimento puramente natural e sem a intenção de agradar a Deus!
2.° O amor natural não é muitas vezes mais do que egoísmo. Amamos os que nos agradam pelo seu gênio simpático, pelas suas maneiras afáveis, pela sua conversação espiritual, ou porque esperamos receber deles alguns serviços. Ai! Os pagãos amavam deste modo; mas isto não é amar como cristão.
3.° O amor natural não é algumas vezes mais do que urbanidade mundana, condescendência, bondade, polidez, mas muitas vezes, é inconstante como o capricho, variável como o gênio.
4.° Este amor é parcial e exclusivo; só é para aqueles que agradam; a indiferença, a frieza, o desdem são para os outros.
5.° Este amor é frequentes vezes perigosíssimo: converte-se em amizade íntima, que enerva o coração, o desgosta de Deus, da piedade e dos seus deveres, e o arrasta algumas vezes aos maiores males; e isto sem que o suspeite, porque reputa caridade as suas afeições desregradas.
Examinemos a nossa consciência a respeito de todos estes caracteres do amor puramente natural.
Resoluções e ramalhete espiritual como acima
Referências:
(1) Ignem veni mittere in terram, et quid volo nisi ut accendatur?
(2) Caritas… diffusa est in cordibus nostris per Spiritum sanctum, qui datus est nobis (Rm 5, 5)
(3) Faciamus hominem ad imaginem et similitudinem nostram (Gn 1, 26)
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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo V, p. 120-123)