I. Da prontidão de Maria em socorrer os que a invocam
Maria ajuda em muitos apuros da vida
Como pobres filhos da infortunada Eva, somos réus da mesma culpa e condenados à mesma pena. Andamos errando por este vale de lágrimas, exilados de nossa pátria, chorando por tantas dores que nos afligem no corpo e no espírito. Feliz, porém, aquele que por entre tais misérias se dirige muitas vezes à consoladora do mundo, ao refúgio dos pecadores, à grande Mãe de Deus. Feliz quem a invoca e implora com devoção! Bem-aventurado o homem que me ouve e que vela todos os dias à entrada de minha casa (Pr 8,34). Bem-aventurado, diz Maria, quem ouve meus conselhos e permanece constantemente à porta de minha misericórdia, invocando minha intercessão e meu auxílio.
A Santa Igreja bem a nós, seus filhos, ensina com quanto zelo e quanta confiança devemos recorrer sem cessar a esta nossa amorosa protetora. Pois é ordem sua que lhe tribute um culto particular. Durante o ano celebra muitas festas em sua honra e prescreve que um dia da semana lhe seja especialmente dedicado. Exige também que, diariamente no Ofício Divino, todos os eclesiásticos e religiosos a invoquem em nome do povo cristão, e que três vezes ao dia os fiéis a saúdem ao toque das Ave-Marias.
Bastaria, para isso, somente ver e ouvir que em todas as calamidades públicas a Santa Igreja sempre quer que se recorra à divina Mãe com novenas, com orações, com procissões e visitas às suas igrejas e imagens. Isto mesmo quer Maria que façamos. Que sempre a invoquemos, que sempre lhe peçamos, não por necessitar dos nossos obséquios, nem das nossas honras tão inadequadas aos seus merecimentos, mas sim para que, à medida da nossa devoção e da nossa confiança, possa melhor socorrer-nos e consolar-nos. Procura, na frase de São Boaventura, os que dela se aproximam devota e reverentemente; ama-os, nutre-os, aceita-os por filhos.
Maria ajuda pronta e alegremente
Para o mesmo Santo, Rute foi figura de Maria. Pois seu nome significa “aquela que vê e se apressa”. Vendo Maria nossas misérias, se apressa a fim de nos socorrer com a sua misericórdia. Novarino acrescenta que nela desconhece demoras o desejo de fazer-nos bem; e porque não é avara guardadora de suas graças, não tarda, como Mãe de misericórdia, em derramar sobre os seus servos os tesouros de sua benignidade.
Oh! como é pronta esta boa Mãe para valer a quem a invoca! Explicando a passagem dos Cânticos (4,5), diz Ricardo de São Lourenço que Maria é tão veloz em exercer misericórdia para com quem lha pede, como são velozes em suas corridas os cabritos. O mesmo autor assevera-nos que a compaixão de Maria se derrama sobre quem a pede, ainda que não medeiem outras orações mais que a de uma breve Ave-Maria. Pelo que, atesta Novarino que a Santíssima Virgem não só corre, mas voa em auxílio de quantos a invocam. No exercício de sua misericórdia, ela imita a Deus, que também voa sem demora em socorro dos que o chamam, porque é fidelíssimo no cumprimento da promessa: Pedi e recebereis (Jo 16,24). Assim afirma Novarino. Do mesmo modo procede Maria. Quando é invocada, logo está pronta para ajudar a quem a chamou em seu auxílio.
E com isso ficamos entendendo quem seja aquela mulher do Apocalipse (12,14), a quem se deram duas grandes asas de águia para voar ao deserto. Nelas vê Ribeira o amor com que Maria se eleva sempre para Deus. Mas o Beato Amadeu diz que estas asas de águia significam a presteza com que Maria, vencendo a velocidade dos serafins, socorre sempre os seus filhos.
A isto corresponde também o que lemos no Evangelho de São Lucas. Quando Maria foi visitar Santa Isabel e cumular de graças aquela família inteira, não fez a viagem com vagar, mas sim com presteza: E naqueles dias, levantando-se, Maria foi com presteza às montanhas (Lc 1,39).
De seu regresso não lemos a mesma observação. Diz, por isso, o Cântico dos Cânticos: As suas mãos são de ouro, feitas ao torno (5,14).
É a seguinte a explicação dada a esta passagem por Ricardo de S. Lourenço: Assim como o trabalho do torno é mais fácil e pronto que os demais, também Maria é mais pronta que todos os santos em ajudar os seus devotos. Vivíssimo é o seu desejo de consolar-nos. Por isso apenas por ela chamamos, logo afável aceita as orações e socorre. Tem razão São Boaventura ao chamá-la de saúde dos que a invocam, significando que basta invocar esta divina Mãe para ser salvo. Sempre a encontram prestadia para ajudar, quantos a ela se dirigem, reza a sentença de Ricardo de São Lourenço. Mais deseja essa grande Senhora fazer-nos favores do que nós os desejamos receber, assegura Bernardino de Busti.
Nem ainda a multidão de nossos pecados deve diminuir nossa confiança, quando nos prostramos aos pés de Maria. Ela é a Mãe de misericórdia, mas a misericórdia não tem razão de ser onde não há misérias para aliviar. Uma boa mãe não hesita em tratar de um filho coberto de chagas repugnantes, ainda que lhe custe abnegações e trabalhos, observa Ricardo de São Lourenço. Da mesma forma também não sabe nossa boa Mãe abandonar-nos, quando por ela chamamos, por mais horripilantes que sejam os pecados de que nos precisa curar. E justamente isso quis Maria significar quando se fez ver a S. Gertrudes, estendendo seu manto para cobrir com ele todos os que a ela recorriam. Ao mesmo tempo entendeu a Santa que todos os anjos têm cuidado de defender os devotos de Maria contra os assaltos do inferno.
É tal a compaixão desta boa Mãe, e tanto o amor que nos consagra que nem espera por nossas orações.
“Ela se antecipa aos que a desejam” (Sb 6,14).
Santo Anselmo, ao aplicar estas palavras a Maria, diz: A Virgem se antecipa com seu auxílio aos desejosos de sua proteção. Devemos, pois, saber que ela nos alcança de Deus muitas graças, mesmo antes de lhas pedirmos. Por isso, segundo Ricardo de São Vítor, dela se diz que é como a lua (Ct 6,9). Como esta é veloz na sua carreira, assim também Maria o é na prontidão com que atende a seus devotos. Tanto se interessa por nosso bem, que se antecipa até as nossas súplicas. Sua misericórdia é mais pronta em nos socorrer, do que nós somos pressurosos em invocá-la. A causa disto está no seu mui compassivo coração, observa Ricardo. Apenas sabe da nossa miséria, logo deixa correr o leite de sua misericórdia. É impossível a tão benigna Rainha ver a necessidade de uma alma, sem ir incontinenti em seu auxílio.
Esta grande compaixão de Maria para com nossas misérias a leva a nos socorrer e consolar, mesmo quando a não invocamos. É o que nos mostrou durante sua vida, nas bodas de Caná (Jo 2,3). A seus compassivos olhos não escapou o embaraço dos esposos que, aflitos e vexados, perceberam a falta do vinho à mesa dos convidados. Sem ser rogada, movida somente por seu piedoso coração incapaz de assistir indiferente à aflição de outros, pediu Maria a seu Filho que consolasse a família. Fê-lo, expondo-lhe com singeleza a necessidade em que ela estava, dizendo: Eles não têm vinho. Então o Senhor, para valer àquela família e mais ainda para contentar o compassivo coração de sua Mãe que o desejava, operou o célebre milagre de mudar em vinho a água das talhas. Isto comentando, conclui Novarino:
Se Maria é tão pronta em ajudar, mesmo sem ser rogada, quanto mais o será para consolar quem a invoca e a chama em seu auxílio?
Maria ajuda eficazmente
E se alguém duvidar de ser socorrido de Maria, ao invocá-la, ouça a repreensão de Inocêncio III: Quem é aquele que pediu socorro a esta doce Soberana e ela o não atendeu? Aqui exclama o Beato Eutiquiano: Ó Virgem Santa, que podeis ajudar todo miserável e salvar os maiores pecadores, quem jamais solicitou vosso poderoso patrocínio e por vós foi desamparado? Tal caso nunca se deu e nunca se há de dar. Concordo, diz São Bernardo, que nunca mais exalte vossa misericórdia, ó Virgem Maria, aquele que, tendo invocado vosso auxílio em suas necessidades, se recorde de ter sido abandonado por vós.
Mais depressa desaparecerão o céu e a terra, diz o devoto Blósio, do que deixe Maria de valer a quem com boa intenção a implora e nela confia. – Para aumentar a nossa confiança, sirvam as palavras de Eádmero: Quando nos dirigimos a essa divina Mãe, não só devemos ficar certos de seu patrocínio, mas às vezes seremos até mais depressa atendidos e salvos chamando pelo nome de Maria, do que invocando o santíssimo nome de Jesus, nosso Salvador E eis a razão que dá o escritor: Cristo, como Juiz, tem o ofício de punir; a Virgem como padroeira tão somente tem o de compadecer-se. Quer com isso dizer que achamos a salvação mais depressa junto à Mãe que junto ao Filho. Não porque Maria tenha mais poder que Jesus Cristo, nosso único Salvador, o qual com seus méritos nos obteve e ainda obtém a salvação. O motivo, ao contrário, é que, em Jesus, vemos também nosso Juiz, cujo ofício é castigar os ingratos. Ao recorrermos a ele, facilmente então nos pode faltar a confiança. Mas indo a Maria, cujo ofício outro não é que o de compadecer-se de nós como Mãe de misericórdia, e de proteger-nos como nossa advogada, parece que a nossa confiança se torna maior e mais segura. Muitas coisas se pedem a Deus, e não se alcançam. Pedem-se a Maria, e conseguem-se. Como pode ser isto? Responde Nicéforo que isto acontece, não porque Maria seja mais poderosa que Deus, mas porque Deus determinou honrar assim sua Mãe.
Mui consoladora é a promessa que Nosso Senhor fez a Santa Brígida. Um dia esta Santa ouviu Jesus Cristo falar com sua Mãe e dizer-lhe: Minha Mãe, pedi- me o que quiserdes; nunca vos hei de negar coisa alguma; e ficai sabendo – ajuntou – que prometo despachar favoravelmente a quantos solicitarem de mim graças por vosso amor. Não importa que sejam pecadores, contanto que tenham o firme propósito de emenda. – A mesma coisa foi revelada a Santa Gertrudes, quando ouviu nosso Redentor dizer a Maria que ele, pela sua onipotência, lhe tinha concedido poder usar de misericórdia com os pecadores que a invocam, do modo que ela quisesse.
Digam, pois, todos com grande confiança, invocando esta Mãe de misericórdia, como lhe dizia o Pseudo-Agostinho:
Lembrai-vos, ó piedosíssima Senhora, que não se tenha ouvido, desde que o mundo é mundo, que alguém fosse de vós desamparado. E por isso perdoai-me se vos digo que não quero ser o primeiro infeliz, que, recorrendo a vós, não consiga o vosso amparo.
Exemplo
Bem experimentou São Francisco de Sales a força desta oração, como se lê nas páginas de sua biografia. Como estudante, com dezessete anos de idade, vivia em Paris todo entregue a seus estudos, ao amor de Deus e aos exercícios de piedade que formavam sua delícia. Para experimentá-lo e mais uni-lo com Deus, permitiu o Senhor que o demônio persuadisse de que sua reprovação estava pronunciada nos decretos divinos. Inútil, portanto, lhe seria tudo quanto fizesse. A obscuridade e a aridez em que Deus o deixou ao mesmo tempo tornavam-no insensível aos mais suaves pensamentos sobre a divina bondade. Tanto o afligiu a tentação, que ao Santo jovem lhe roubou o sono, a saúde e a alegria. A quantos o viam inspirava compaixão.
Durante esta horrorosa tempestade, dominado pela tristeza e melancolia, dizia o Santo: Assim, pois, serei privado da graça de Deus, que me era tão amável e cheia de suavidade? Ó amor, ó beleza a que consagrei todos os meus afetos, será possível que não goze mais de vossas consolações? Ó Virgem Mãe de Deus, a mais bela das filhas de Jerusalém, será possível que não vos vá contemplar no paraíso? Ah! Senhora minha, se não me é dado ver vosso belo rosto, permiti ao menos que não vos blasfeme e amaldiçoe no inferno. – Eram tais então os ternos sentimentos daquele aflito coração, tão amoroso de Deus e da Santíssima Virgem. Durou um mês inteiro a tentação. Mas dignou-se, finalmente, o Senhor libertá-lo, por meio de Maria, a consoladora do mundo. Havia-lhe Francisco consagrado sua virgindade, nela colocara toda a sua confiança. Voltando uma tarde para casa, entrou numa igreja e nela viu suspenso um quadrinho. Leu-o e achou escrita a oração de S. Agostinho, citada anteriormente.
Prostrou-se logo perante a Mãe de Deus, recitou devotamente a oração, renovou seu voto de virgindade, com a promessa de recitar todos os dias um rosário, e acrescentou: Ó minha Rainha, sede-me advogada junto a vosso Filho, a quem não tenho coragem de recorrer. Minha Mãe, se devo ter a graça de não poder amar no outro mundo a meu Senhor, cuja amabilidade eu reconheço, obtende-me ao menos a graça de amá-lo neste mundo com todas as minhas forças. É a graça que vos rogo e de vós espero. – Apenas terminou, porém, sua oração, foi logo livre da tentação por sua Mãe dulcíssima. Recuperou imediatamente a paz interior e com ela a saúde. Continuou a viver sempre devotíssimo de Maria, cujos louvores e misericórdias não cessou nunca de publicar por palavras e por escritos durante toda a sua vida.
Oração
Ó Mãe de Deus, Rainha dos anjos, esperança dos homens, escutai a quem vos chama e a vós recorre. Prostrado hoje aos vossos pés, consagro-me para sempre a vós na qualidade de servo, e me obrigo a vos servir e honrar quanto posso durante o resto de minha vida. Pouco honrada sois, bem o sei, pela homenagem de um escravo tão vil e rebelde como eu, que tanto tenho ofendido a Jesus, vosso Filho e meu Redentor. Mas, se, apesar de minha indignidade, me recebeis como servo e me tornais digno pela vossa intercessão, este ato mesmo de misericórdia vos granjeará a honra que um miserável como eu vos não poderia dar.
Aceitai-me, pois, e não me rejeitais, ó minha Mãe. Para buscar as ovelhas perdidas é que o Verbo eterno desceu do céu; para salvá-las é que ele se fez vosso Filho. E seríeis capaz de repelir uma ovelhinha que a vós recorre para achar a Jesus? Pago já o preço da minha salvação; meu Salvador já derramou por mim o seu divino sangue, o qual bastaria para salvar milhares de mundos. Só resta aplicar-me os merecimentos dele, e isto de vós depende. Virgem bendita, vós podeis, diz São Bernardo, dispensar a quem vos apraz os merecimentos deste sangue. Podeis salvar a quem quereis, no-lo afirma São Boaventura; salvai-me, ó Soberana minha. Entrego-vos, neste instante, toda a minha alma; tratai de salvá-la. Ó salvação dos que vos invocam, direi, terminando, com o mesmo Santo, salvai-me!
II. O poder de Maria para defender os que a invocam nas tentações do demônio
O demônio tem medo da Mãe de Deus
Não só do céu e dos santos é Maria Santíssima Rainha, senão também do inferno e dos demônios, porque os venceu valorosamente com suas virtudes. Já desde o princípio do mundo tinha Deus predito à serpente infernal a vitória e o império que sobre ela obteria nossa Rainha.
“Eu porei inimizade entre ti e a mulher; ela te esmagará a cabeça” (Gn 3,16).
Mas que foi esta mulher, sua inimiga, senão Maria, que com a sua profunda humildade e santa virtude sempre venceu e abateu as forças de Satanás, como atesta São Cipriano? É para se notar que Deus falou “eu porei” e não “eu ponho” inimizade entre ti e a mulher Isto faz para mostrar que a sua vencedora não era Eva, que já então vivia, mas uma sua descendente. Esta devia trazer a nossos primeiros pais, como diz São Vicente Ferrer, um bem maior do que aquele que tinha perdido com o seu pecado. Maria é, portanto, essa excelsa mulher forte que venceu o demônio e, em lhe abatendo a soberba, lhe esmagou a cabeça, conforme as palavras do Senhor: Ela te esmagará a cabeça. Duvidam alguns se estas palavras se referem a Maria ou a Jesus Cristo, porque os Setenta traduzem autós, isto é, ele esmagará a tua cabeça. Mas em nossa Vulgata (única versão da Sagrada Escritura aprovada pelo Concílio de Trento) lê-se ipsa, ela, e não ipse, ele. Assim também o entenderam Santo Ambrósio, São Jerônimo, Santo Agostinho e muitíssimos outros. Mas, como quiserem, é certo que, ou o Filho por meio da Mãe, ou a Mãe por virtude do Filho, venceu a Lúcifer. Este espírito soberbo foi, portanto, para sua vergonha, calcado aos pés por esta Virgem bendita, na frase de São Bernardo, e como prisioneiro de guerra é obrigado a obedecer sempre às ordens desta Rainha. Diz São Bruno de Segni que Eva, vencida pela serpente, nos trouxe a morte e as trevas. Maria, porém, vencendo o demônio, nos trouxe a vida e a luz. E de tal modo o atou, que ele não pode mais se mover para causar o menor dano aos seus devotos.
É bela a explicação que dá Ricardo de São Lourenço ao trecho dos Provérbios: “O coração do homem (isto é, de Cristo) põe nela a sua confiança e ele não necessitará de despojos” (31,11), pois Maria enriquece seu Filho com os despojos que arranca ao demônio. Deus confiou a Maria o Coração de Jesus para que ela o faça amar pelos homens, comenta Cornélio a Lápide, e assim não lhe faltarão despojos, isto é, almas conquistadas. Porque Maria o enriquece de almas, das quais despoja o inferno, livrando-as do demônio com o seu poderoso socorro.
É a palma um conhecido símbolo de vitória. Por isso foi nossa Rainha colocada num alto trono, à vista de todos os potentados celestes, como palma em sinal de segura vitória, que a si mesmos podem prometer-se todos aqueles que se põem debaixo do seu patrocínio. “Eu lancei em alto os meus ramos como a palmeira em Cades” (Eclo 24,18), isto é, acrescenta Santo Alberto Magno, eu estendo minha mão sobre vós para vos proteger. Filhos, parece Maria nos dizer, quando o demônio vos assaltar, recorrei a mim, olhai para mim e tende ânimo, porque em mim, que vos defendo, vereis juntamente a vossa vitória. Por isso o recorrer a Maria é um meio seguríssimo para vencer todos os assaltos do inferno. Ela é também Rainha do inferno e senhora dos demônios, pois que os subjuga e doma, diz São Bernardino de Sena. Daí vem ser Maria chamada “terrível como um exército em ordem de batalha” (Ct 6,3). Pois sabe ordenar bem o seu poder, a sua misericórdia e os seus rogos para a confusão dos inimigos e benefícios dos seus servos, que nas tentações invocam o seu poderosíssimo nome.
“Semelhante à vinha dei frutos de suave dor” – fá-la dizer o Espírito Santo (Eclo 24,23). Aqui observa São Bernardo: Dizem que toda serpente venenosa foge das vinhas em flor; assim fogem os demônios das almas afortunadas em que sentem o perfume da devoção de Maria. Ela é comparada também ao cedro: Crescendo, me elevei como o cedro do Líbano (Eclo 24,17). À semelhança do cedro que é incorruptível, ficou também Maria isenta do pecado. E como o cedro afugenta com seu odor as serpentes, observa o Cardeal Hugo, com sua santidade Maria afugenta os demônios.
Por meio da arca os israelitas obtinham suas vitórias nos combates. Graças a ela triunfaram de seus inimigos, sob Moisés. E quando se elevava a arca, dizia ele: Levanta-te, Senhor, e dissipem-se os teus inimigos! (Nm 10,35). Assim foi tomada Jericó, assim foram desbaratados os filisteus, porque a arca de Deus estava naquele dia com os filhos de Israel (1Rs 14,18). Ora, como se sabe, era a arca figura de Maria. Assim como na arca estava o maná, observa Cornélio a Lápide, no seio de Maria estava Jesus, de quem o maná foi figura. Por meio desta arca concede-nos ele a vitória sobre o mundo e o inferno. Isto motiva as palavras de São Bernardino de Sena:
Quando Maria, arca do Novo Testamento, foi exaltada nos céus como Rainha, ficou abatido o poder do demônio sobre o homem.
Oh! quanto tremem de Maria e de seu grande nome os demônios do inferno! observa Conrado de Saxônia. Ele os compara àquele inimigo de que fala Jó: Arromba nas trevas as casas…; se de súbito aparece a aurora, crê que é a sombra da morte (24, 16, 17). Aproveitando as trevas, vão os ladrões roubar nas casas, mas, quando surge a aurora, fogem como se lhes aparecesse a imagem da morte. Assim também, continua Conrado, penetram os demônios na alma, quando a obscurece a ignorância. Mas, no momento em que surge a aurora, isto é, a graça e a misericórdia de Maria, dissipam-se as trevas e dela fogem os inimigos infernais, como diante da morte. Bem-aventurado, pois, aquele que nos assaltos do inferno invoca sempre o belo nome de Maria!
Para confirmar o que dizemos, sirva uma revelação feita a Santa Brígida. Deus concedeu a Maria um poder muito grande sobre todos os demônios. Sempre que eles atacam algum devoto da Virgem, e este a invoca em seu auxílio, basta um aceno de Maria para que fujam aterrorizados. Preferem até ver redobrados os seus suplícios a sentirem-se dominados pelo poder de Maria.
O celeste Esposo louvou esta sua Esposa e chamou-lhe lírio, dizendo: Como o lírio entre os espinhos, assim é minha amiga entre as virgens (Ct 2,2). Como o lírio é um antídoto contra as serpentes e os venenos, reflete Cornélio a Lápide, assim é a invocação do nome de Maria, singular remédio para vencer todas as tentações, especialmente contra a pureza, como o ensina a experiência.
Cosmas de Jerusalém assim se dirige a Maria:
Ó Mãe de Deus, se confiar em vós, não sereis certamente vencido; pois, defendido por vós, perseguirei meus inimigos; triunfarei com certeza, opondo-lhes como escudo a vossa proteção e o vosso onipotente patrocínio.
Entre os Padres Gregos escreve Jacó, monge:
Senhor, vós nos destes nesta Mãe poderosíssima arma com a qual vencemos seguramente todos os nossos inimigos.
Lemos no antigo Testamento que o Senhor guiava o seu povo na saída do Egito, de dia por meio de uma coluna de nuvem, e à noite por uma coluna de fogo (Êx 13,21). Esta maravilhosa coluna, ora de nuvem ora de fogo, era, no dizer de Ricardo de São Lourenço, figura de Maria e dos dois ofícios que exerce continuamente para nosso bem.
Como nuvem protege-nos dos ardores da divina justiça; como fogo defende-nos contra os demônios. Assim como a cera se derrete ao calor do fogo, acrescenta Conrado da Saxônia, também perdem os demônios toda a força sobre as almas que, lembradas do nome de Maria, a invocam com frequência e principalmente procuram imitá-la.
O demônio tem medo até do nome da Mãe de Deus
Oh! como tremem os demônios, afirma São Bernardo, só com ouvir pronunciar o nome de Maria! Os homens são atirados ao chão, se ao lado lhes cai algum raio. Assim também, diz Tomás de Kempis, são abatidos os demônios, logo que ouvem o nome de Maria. Quão assinaladas vitórias sobre estes inimigos têm já alcançado os servos de Maria, só com o proferirem o seu santo nome! Assim os venceram Santo Antônio de Pádua, o bem-aventurado Henrique Suso e tantos outros que amavam a Mãe de Deus. Lê-se nos relatórios das missões do Japão o seguinte fato: Certo dia apareceram a um cristão muitos demônios sob forma de animais ferozes, que com ameaças o assustavam. Ele, porém, lhes disse: Armas com que vos possa amedrontar, eu não tenho. Se o Altíssimo vo-lo permite, de mim fazei o que vos aprouver. Contudo invoco em minha defesa os dulcíssimos nomes de Jesus e de Maria. Mal pronunciara os tão terríveis nomes para os demônios, abriu-se a terra e sorveu aqueles espíritos soberbos. Eádmero assegura, de própria experiência, ter visto e ouvido muitas pessoas que, pronunciando o nome de Maria, foram salvas de grande perigo.
Glorioso e admirável é vosso nome, ó Maria, lemos em Boaventura. Quem na hora da morte o invoca, do inferno nada tem a temer. Pois, mal ouvem os demônios o nome de Maria, deixam em paz a alma. E Conrado de Saxônia acrescenta: No mundo não há inimigo que tanto tema um grande exército, como temem o nome e o patrocínio de Maria as potestades infernais. Ó Senhora minha, exclama São Germano, só pela invocação do vosso nome segurais os vossos servos de todos os assaltos do inimigo.
Se os cristãos nas tentações tivessem cuidado de proferir com devoção e confiança o nome de Maria, é certo que não cairiam nelas. Pois, como diz o Beato Alano, foge o demônio e treme o inferno ao som deste nome excelso. A mesma Senhora revelou a Santa Brígida que até dos pecadores mais perdidos, mais afastados de Deus, e mais possuídos do demônio, se aparta este inimigo, logo quando sente que eles, com verdadeira vontade de emenda, invocam o seu poderosíssimo nome. Mas, acrescentou a Santíssima Virgem, se a alma não se emenda e não apaga seus pecados nas lágrimas do arrependimento, os demônios sem demora voltam e dela tomam conta.
Exemplo
Havia no mosteiro de Reichensberg um cônego regular, por nome Arnaldo, muito devoto da Santíssima Virgem. Estando para morrer, chamou, após a recepção dos santos sacramentos, os religiosos e pediu-lhes que não o abandonassem naquele último momento. Apenas isto dissera, começou a tremer, a revirar os olhos e a suar frio. Irmãos – perguntou com voz trêmula – não vedes os demônios que me querem levar para o inferno? Invocai, meus irmãos, invocai por mim o auxílio de Maria; eu nela confio; ela me fará triunfar. Rezaram então os presentes a Ladainha da Mãe de Deus, e às palavras “Santa Maria, rogai por ele” disse o moribundo: Repeti o nome de Maria, pois já estou perante o tribunal de Deus. Parou um pouco e depois acrescentou: É verdade, eu cometi este pecado, mas também dele fiz penitência. Dirigindo-se à Santíssima Virgem, suplicou: Ó Maria, assisti-me e eu serei salvo. De novo o assaltaram os demônios, mas Arnaldo se defendia com o Santo Crucifixo e com a invocação do nome de Maria. Assim passou a noite inteira. Ao alvorecer, completamente sereno, exclamou com alegria: Maria, minha Senhora e meu refúgio, obteve-me o perdão e a salvação. Olhando em seguida para a Virgem que o convidava a segui-la, disse: Já vou, Senhora, já vou. E fez um esforço para levantar-se. Não podendo, contudo, segui-la com o corpo, seguiu-a com a alma, ao reino da glória eterna, expirando docemente.
Oração
Aqui está aos vossos pés, Mãe de meu Deus e minha única esperança, um miserável pecador que tantas vezes por suas culpas se tem tornado escravo do inferno. Reconheço que de mim triunfou o demônio, porque não recorri, ó meu refúgio, ao vosso auxílio. Se eu vos tivesse chamado sempre em meu socorro, se vos houvesse invocado, jamais teria perecido. Eu espero, amabilíssima Senhora, por vossa intercessão ter já saído das mãos do demônio e ter obtido de Deus o perdão. Receio, entretanto, vir para o futuro a cair novamente em pecado. Sei que meus inimigos não perderam a esperança de tornar-me a vencer e me estão preparando novos assaltos e tentações. Ah! minha Rainha e meu refúgio, ajudai- me; tomai-me sob vosso manto e nunca permitais que eu torne a ser presa do inferno. Sei que sempre me haveis de valer e dar vitórias todas as vezes que vos invocar. Temo, contudo, que nas tentações me esqueça de chamar-vos em meu socorro. Eis, portanto, a graça que vos imploro e de vós espero, ó virgem Santíssima. Fazei que sempre vos tenha presente à memória, especialmente nas lutas contra as tentações. Ajudai-me para que então vos diga muitas vezes: Maria, valei-me, valei-me, ó Maria. E quando chegar finalmente o dia de minha última luta com o inferno, na hora da morte, assisti-me então, ó minha Rainha, de modo especial. Fazei vós mesma que eu me lembre de invocar-vos sem cessar, com a boca ou com o coração, para que, expirando com vosso dulcíssimo nome e o de vosso Filho Jesus nos lábios, possa ir vos bendizer e louvar, e nunca mais separar-me de vossos pés, por toda a eternidade no paraíso. Amém.
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