Meditação para a Sexta-feira na oitava do Santíssimo Sacramento
SUMARIO
Como a Eucaristia é ao mesmo tempo sacrifício e sacramento, a consideraremos separadamente debaixo destes dois pontos de vista. Considerada como sacrifico, é, antes de tudo, um sacrifício latrêutico, isto é, destinado a honrar as grandezas divinas e o supremo domínio de Deus sobre toda a criatura. Para compreender a honra, que o santo sacrifício presta a Deus, veremos:
1.° Que ele é um culto de suma estima para com as grandezas divinas;
2.° Que estas grandezas são eminentemente dignas desta extrema veneração.
— Tomaremos depois a resolução:
1.° De assistirmos ao santo sacrifício com profunda devoção para com as grandezas de Deus, que Jesus Cristo honra tão perfeitamente;
2.° De não perdermos de vista em toda a nossa conduta e até nos nossos mais íntimos sentimentos a suma estima devida a Deus sobre todas as coisas.
O nosso ramalhete espiritual será a palavra do Jó:
“Com efeito, Deus é grande, que sobrexcede a nossa ciência” – Ecce Deus magnus vincens scientiam nostram (Jó 36, 26)
Meditação para o Dia
Adoremos as infinitas grandezas de Deus, tão magnificamente glorificadas no santo sacrifício. Humilhemo-nos diante da Sua excelência, e dilatemos os nossos corações na admiração de tantos portentos, no amor de tantas belezas, e no louvor de tantas perfeições.
PRIMEIRO PONTO
Como o Santo Sacrifício é um culto de suma estima para com Deus
Por sacrifício, considerado em geral, entende-se a destruição de uma vítima, imolada para declarar à face do céu e da terra, que toda a excelência ou beleza das criaturas nada é e nada vale diante da infinita perfeição de Deus; que nenhum ser criado é digno de subsistir diante dEle; que a grandeza divina, que não pode subir mais alto, merece ser honrada por uma humilhação, que não possa ser mais profunda, isto é, a destruição e o nada; finalmente que Deus basta perfeitamente a si só na plenitude da Sua excelência. Mas se tais são os sinais de suma estima, que oferece a Deus o sacrifício em geral, que será então com relação ao sacrifício do altar? Ele excede tanto os outros sacrifícios quanto Deus excede a Sua criatura: porque o valor de todo o culto aumenta em proporção da dignidade daquele que o presta, e da maneira humilde com que o presta. Ora aqui, que há maior que o sacrificador, que presta culto a Deus? Ele é o mesmo Deus. Que há mais humilde que a maneira com que o presta? O próprio Deus se faz vítima e se imola no altar tão realmente como outrora no Calvário. Isto é o meu corpo, diz o sacerdote sobre o pão: e em virtude destas palavras, só ali estaria o corpo; este ó o cálice do meu sangue, diz o sacerdote sobre o vinho; e segundo o princípio teológico, que as palavras sacramentais produzem o que significam, e nada mais, não estaria ali senão o sangue realmente separado do seu corpo; e se ele não rebenta em borbotões debaixo do golpe da palavra como debaixo do gladio do sacrifício, é porque está retido nas veias de Jesus pelo decreto do Pai celestial, que declara, que o Cristo ressuscitado de entre os mortos não morre mais. Mas a palavra não tem por isso menos virtude de sacrificar: é o gladio cravado no seio da vítima, impossibilitado por milagre de a matar, mas imprimindo sempre sobre ela o caráter da morte, e atestando ao céu como à terra a realidade do sacrifício. Pode o mesmo Deus formar mais elevada ideia de Sua excelência? Ó supremo Senhor, a cujos pés uma pessoa divina vem misticamente morrer em reconhecimento do soberano domínio sobre toda a criatura, quão incompreensível é a Vossa grandeza! Ó Ser dos seres, perante quem um Deus se faz vítima, perante quem a santa humanidade de Jesus Cristo, ainda que excelente que é, se reconhece indigna de subsistir e se encerra em uma partícula, quão adorável Sois! Sim, é este efetivamente o mais perfeito culto, que se possa tributar a Deus; é a maior glorificação possível do Ser divino; e uma só missa dá mais glória a Deus do que a que Lhe poderão dar todos os anjos e santos durante toda a eternidade.
SEGUNDO PONTO
As Grandezas Divinas tão eminentemente dignas da suma estima, de que o Santo Sacrifício é a Expressão
Com efeito, a razão mostra-nos Deus numa altura, que se perde essencialmente no infinito, numa elevação, que só cultos infinitos, como o Santo Sacrifício podem honrar dignamente. Todo aquele que reflete atentamente na grandeza de Deus, admira as perfeições infinitas do Ser divino; à medida que nelas pensa mais, descobre perfeições sempre novas, belezas e encantos, em comparação dos quais todos os objetos criados nada são (1). Desta admiração, passa a uma enlevação do espírito, que vê claramente que, não só na vida presente, mas em toda a eternidade, quanto mais sondar esses sagrados abismos, tanto mais prodígios descobrirá; então ama só a Deus porque é Deus, porque é tudo para Ele, ama-O sobre todas as coisas e sem reserva, porque as Suas perfeições são sem limites; sente finalmente um prazer infinito em ouvir este supremo Ser dizer de Si próprio:
“Eu sou (2), isto é, sou o Ser por essência, a mesma fonte do Ser, nada existe senão por mim. Sou o Ser imutável: porque mudar é deixar de ser o que era para vir a ser o que se não era. Sou o Ser eterno, porque não se pode dizer de mim: Foi como se eu já não fosse; nem: Será como se ainda não fosse. Mas eternamente se deveu e deverá dizer: É. Nenhum outro tem o ser senão por mim e isto a título de empréstimo. Sou tudo por isso só que sou”
É o que honra em Deus o sacrifício da Missa; e por maior que seja o culto, este supremo Ser dele é infinitamente digno. Oxalá compreendamos bem esta verdade, e amemos sempre mais a Deus por ser quem é, independentemente dos bens, que dEle temos recebido; oxalá O amemos sobre todas as coisas, porque a nossa maior felicidade é amá-lO; a nossa maior miséria não O amar.
Resoluções e ramalhete espiritual como acima
Referências:
(1) Quidquid Deus non est, nihil est (II Imitação 31, 2)
(2) Eu sou o que sou (Ex 3, 14)
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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo III, p. 180-183)