Meditação para a Quinta-feira do Corpo de Deus
SUMARIO
Como não basta um dia para estudar o augusto mistério da Eucaristia, que honramos na quinta- feira santa, a Igreja consagrou-lhe uma nova festividade com oitava, em que ostenta em honra deste inefável mistério toda a pompa do seu culto. Para entrarmos no seu espírito, meditaremos:
1.º A excelência do dom, que Jesus Cristo nos faz concedendo-nos a Eucaristia;
2.° A perpetuidade deste dom.
— Tomaremos depois a resolução:
1.º De nos renovarmos, durante esta festa e a sua oitava, no amor da Eucaristia;
2.° De fazermos melhor as nossas comunhões e visitas ao Santíssimo Sacramento.
O nosso ramalhete espiritual será a palavra de São João:
“Jesus, como tinha amado os seus, que estavam no mundo, amou-os até ao fim” – Cum dilexisset suos qui erant in mundo in finem dilexit eos (Jo 13, 1)
Meditação para o Dia
Adoremos o imenso amor de Jesus Cristo no dom, que nos faz da Eucaristia. Tinha-nos amado desde antes da origem dos tempos nas longas premeditações da eternidade; tinha-nos amado criando-nos, conservando-nos, encarnando, nascendo no presépio, morrendo na cruz; mas ama-nos incomparavelmente mais na instituição da Eucaristia; é ali, diz São João, que o Seu amor atingiu os últimos limites (Jo 13, 1). Adoremos, louvemos, amemos tanto amor; e supliquemos-Lhe que no-lo faça compreender.
PRIMEIRO PONTO
Excelência do dom que nos faz Jesus Cristo concedendo-nos a Eucaristia
A excelência deste dom depreende-se das próprias palavras do Salvador: Tomai e comei, diz Jesus Cristo, isto é o meu corpo; e o que acabo de fazer com estas palavras, fazei-o vós, meus Apóstolos e os vossos sucessores para todo o sempre (1). Pode haver dom mais excelente? Meditemos todas as palavras deste ato de doação: Isto é o meu corpo, diz o Salvador, isto é, o mesmo corpo que nasceu no presépio e morreu na cruz, o mesmo que subiu ao céu, está sentado à mão direita de Deus Pai, onde faz a alegria dos anjos, a glória do paraíso, as delícias de todos os espíritos bem-aventurados. E não é somente aqui o corpo glorioso de Jesus Cristo, é também o Seu sangue, a Sua alma, a Sua divindade, que são inseparáveis; de sorte que, quando comungo está em mim o paraíso, está no meu peito o céu inteiro. Isto é o meu corpo. Eu o creio, Senhor, porque o dissestes Vós, que Sois o Santo dos santos e o verdadeiro; creio-o como creio na existência de Deus, e lamento o herege que, medindo pela pequenez do seu coração o imenso amor de um Deus, se obstina em ver a figura do corpo ali onde tinha dito, que era verdadeiramente o Seu corpo.
— Tomai e comei: que nova comida! Alimentarmo-nos com um Deus, incorporarmo-nos com um Deus, virmos a ser o tabernáculo vivo de um Deus!
— Fazei isto, a saber, tomai pão, dizei como eu: Isto é o meu corpo, e imediatamente será o meu corpo, como eu disse outrora:
“Faça-se a luz, e a luz fez-se” (Gn 1, 3)
Será o meu corpo nas mãos de todos os sacerdotes sem exceção, porque a virtude das minhas palavras é independente do mérito daquele que as pronuncia. Será o meu corpo em todos os tempos, porque o poder, que vos confio, é perpétuo; a série das idades não poderá extinguir a sua fecundidade. Será o meu corpo em todos os lugares: chamado por vós ao mais humilde retiro, lá descerei como a mais magnifica basílica; e no mesmo instante em que proferirdes as palavras sagradas me vereis nas vossas mãos. Será o meu corpo, ainda que milhares de sacerdotes me chamem ao mesmo tempo em diversos pontos do globo terrestre: multiplicarei por toda a parte minha presença, estarei todo inteiro sobre cada altar, todo inteiro em cada hóstia, todo inteiro em cada partícula visível de cada hóstia. Ó Jesus! Quão extremoso é o Vosso amor, e inefável a excelência do Vosso dom! E que mau coração eu teria, se Vos não amasse de toda a minha alma!
SEGUNDO PONTO
Perpetuidade do dom que nos faz Jesus Cristo concedendo-nos a Eucaristia
Todos os outros dons, todos os outros Sacramentos são transitórios: só a Eucaristia tem o privilégio da perpetuidade. É um dom de todos os momentos do dia e da noite. No momento e à medida que o sacrifício finda em uma parte do globo terrestre, recomeça em outra parte. Enquanto a metade do mundo dorme, a outra metade vela; e os sacerdotes aí tem nas suas mãos a vítima pelos pecados de todo o mundo, e quando o sol declinando para o horizonte volta, Jesus Cristo volta com ele a imolar-se nos altares, de sorte que o Pai celestial acha sempre este divino Medianeiro como suspenso entre o céu e a terra, para afastar os Seus castigos e chamar sobre nós a Sua misericórdia. É ainda mais admirável a perpetuidade da Eucaristia como Sacramento. Consumado o sacrifício, Jesus fica conosco, dia e noite, sempre pronto a acolher-nos e a dar-nos as Suas graças, sempre em adoração diante de seu Pai, sempre rogando por nós, sempre oferecendo-Se em sacrifício por nossa salvação e a de todo o mundo (2). Ainda quando O esquecemos, pensa em nós; ainda quando O ofendemos, imola por nós; quando temos aflições, está no Seu tabernáculo para nos fortalecer; quando o nosso ânimo desfalece, está ali para nos animar; diz-nos incessantemente:
“Vinde a mim todos os que andais em trabalho e vos achais carregados, e eu vos aliviarei” – Venite ad me, omnes qui laboratis et onerati estis et ego reliciam vos (Mt 11, 28)
Ó amor inefável! Quão justo é que eu só viva de amor por Vós!
Resoluções e ramalhete espiritual como acima
Referências:
(1) Hoc facite
(2) Pro nostra et totius mundi salute (Ofer. Miss.)
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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo III, p. 153-156)