Meditação para a Terça-feira de Pentecostes
SUMARIO
Meditaremos a ação admirável do Espírito Santo sobre os primeiros Cristãos de Jerusalém, e veremos que fez deles modelos:
1.° De abnegação;
2.° De piedade;
3.° De caridade.
—Tomaremos depois a resolução:
1.° De praticarmos durante o dia algum ato de mortificação ou de abnegação;
2.° De guardarmos em todo o nosso porte uma grande modéstia, como meio de nos acostumarmos ao recolhimento de espírito;
3.° De darmos provas da mais perfeita caridade a todos aqueles, com quem tivermos relações.
O nosso ramalhete espiritual será o belo elogio, que o Espírito Santo fez dos primeiros cristãos:
“Da multidão dos crentes o coração era um e a alma uma” – Multitudinis credentium erat cor unum et anima una (At 4, 32)
Meditação para o Dia
Adoremos o Espírito Santo fazendo dos primeiros cristãos os modelos mais completos da santidade; louvemo-lO por esta obra prima do Seu poder e amor, rendamos-Lhe as nossas ações de graças.
PRIMEIRO PONTO
Abnegação dos primeiros Cristãos
O Espírito Santo, tendo enchido os seus corações, mostrou-lhes o nada de todas as coisas transitórias, e repetiu-lhes interiormente as palavras do Salvador:
“Quem não dá de mão a tudo o que possui, não pode ser meu discípulo” (Lc 14, 33). “Vendei tudo o que tendes e dai aos pobres, e depois vinde e segui-me” (Lc 18, 22)
Dóceis à voz interior, esses generosos cristãos renunciam logo a tudo. Renunciam os bens da terra: porque, diz o texto sagrado, eles vendiam as suas fazendas, os seus bens os seus campos ou casas, e traziam o preço do que vendiam e o punham aos pés dos Apostolas (At 2, 45; 4, 34ss). Renunciam as honras, a glória, a estimação dos homens: porque, na opinião pública, passavam por apóstatas de uma religião; certamente divina, por insensatos que se faziam adoradores de um homem crucificado e discípulos de pobres pescadores. Renunciam os seus amigos, os seus parentes, que choram a sua deserção e não querem ter já relações com eles. Renunciam a si mesmos e depõem as suas vontades nas mãos dos Apóstolos, aos quais obedecem com simplicidade de coração. Livres assim de todo o apego, entram em uma plena liberdade de espírito, em uma tranquilidade de alma inalterável, com cujo auxílio servem a Deus sem estorvo, O imploram com amor e O gostam com delícias.
Examinemos como estamos a respeito desta abnegação, e se o nosso coração tem ainda apego à terra.
SEGUNDO PONTO
Piedade dos primeiros Cristãos
Eles juntavam-se todos os dias no templo, diz o sagrado texto, e unidos num mesmo espírito, perseveravam na oração, na comunhão, que eles recebiam louvando e glorificando a Deus com regozijo e simplicidade de coração (At 2, 42ss). Admiremos o espírito de oração destes primeiros cristãos, que tinham compreendido bem a palavra do Jesus Cristo aos seus:
“Imporia orar sempre, e não cessar de o fazer” (Lc 18, 1)
E a de Deus a Abraão:
“Anda em minha presença e serás perfeito” (Gn 17, 1)
Porque não só eram recolhidos consigo, mas o eram como convinha: o seu recolhimento nada tinha de triste, nem de penoso e afetado; ao contrário, era acompanhado de uma grande simplicidade de coração e dessa santa alegria, que o amor divino traz com ele à alma (1). Belo modelo, que nos ensina a comungar muitas vezes, e a fazer preceder e acompanhar a comunhão do espírito de oração e de recolhimento: porque se a comunhão com o espírito de recolhimento é o alimento mais poderoso da piedade e da virtude, a comunhão junta a uma vida dissipada e sem espírito de oração seria causa da nossa perdição. Pensemos aqui seriamente sobre o nosso procedimento.
TERCEIRO PONTO
Caridade dos primeiros Cristãos
Estavam, diz o livro dos Atos, todos unidos, como uma só e mesma família, cuja caridade une todos os
membros. Entre eles não havia meu e teu: tudo o que cada um tinha, era possuído em comum por todos (2), e da multidão dos que criam o coração era um e a alma uma. Ainda que fossem um agregado de pessoas de diversos países, de diferentes condições, de gênios opostos, de interesses diversos, a caridade fazia de todos estes membros um só corpo, de todos estes corações um só coração, de todas estas almas uma só alma. Bem-aventurada e doce união! Paraíso antecipado, de que se poderia dizer com o Salmista:
“Como é bom e como é agradável que os irmãos estejam todos juntos!” – Ecce quam bonum et quam jucundum habitare fratres in unum! (Sl 132, 1)
Este belo espetáculo causava admiração àqueles que o presenciavam (3); convertia um grande número deles (4); e forçava esses mesmos, que se não convertiam, a louvá-los e a abençoá-los (5).
Aprendamos daqui a amar-nos uns aos outros, não com esse amor frio, que se limita a não odiar nem a querer mal, mas com esse amor sincero, que parte do coração, que quer todo o bem possível aos seus irmãos, e toma parte na sua tristeza como na sua alegria: com esse amor terno, que tem um modo de obrar todo cordial, e evita até as menores palavras, até os menores atos capazes de contristar; com esse amor generoso que, esquecendo-se de si para agradar aos outros, se acomoda os gênios, se presta a todos os sacrifícios e é atencioso com toda a gente.
Resoluções e ramalhete espiritual como acima
Referências:
(1) Cum exultatione et simplicitate cordis collaudantes Deum (At 2, 46)
(2) Habebant omnia communia (At 2, 44)
(3) Magnificabat e os populus (At 5, 13)
(4) Magis augebatur credentium in Domino multitudo (At 5, 14)
(5) Habentes gratiam ad omnem plebem (At 2, 47)
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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo III, p. 122-125)