CONCORDAM, universalmente, os grandes psicólogos de todos os tempos, que a origem de toda a infelicidade está no amor próprio ou no egoísmo. O egoísmo é a rejeição do duplo mandamento do amor de Deus e do próximo, e a adoção da própria pessoa como padrão de toda a verdade e moralidade. Os que vivem enclausurados dentro do próprio eu, passam por três fases, a primeira das quais é a complacência desordenada com os seus próprios apetites. Quando o eu se torna absoluto, todas as outras pessoas, acontecimentos e coisas passam a ser meios de lhe dar prazer. Sem olhar a conveniências, o eu, na juventude, deseja satisfazer a sensualidade; na idade adulta, ambiciona o poder; e, na velhice, muitas vezes cambia-se em avareza e em amor de «segurança». Os que negam a imortalidade da alma, substituem-na, quase sempre, pela imortalidade dos meios de subsistência. A renúncia às delícias provindas de Deus termina sempre na rendição aos sentidos.
Sendo impossível, em todas as ocasiões, a complacência com os apetites, não só porque entra em conflito com outros indivíduos gozadores, mas também porque o prazer vai diminuindo com o uso, o eu desce, finalmente, à segunda fase mental do medo. O medo é o amor próprio fossilizado. Aquele que passou a vida em busca de prazeres fora de si mesmo, é dominado pelo receio de perder, porque depositou a sua confiança em coisas que menos sujeitas estão ao domínio da sua vontade. Um homem, quanto mais se apoia a uma bengala que pertence a outro egoísta, tanto mais exposto está a que lha retirem e caia. A desilusão é a sorte daqueles que vivem, totalmente, ao nível dos sentidos! Todo o pessimista é um hedonista malogrado.
Desilusões, saciedade e enfartamento produzem temor. Quanto mais egoísmo, mais temor; quanto mais interesseiro for o indivíduo, tanto mais negros os seus receios. Tudo à volta se torna sombrio, com inimigos em cilada:
«Toda a gente é contra mim»
Uns temem a velhice, outros a morte, outros o suicídio, até que, finalmente, vem o desespero, que é o eu abandonado a si mesmo, aos seus recursos, que nada são, como por fim reconhece!
A terceira fase é a ignorância. O egoísmo, porque interrompe a comunhão com Deus e com o próximo, interrompe também o conhecimento dimanado destas duas fontes e apenas se reserva o conhecimento da própria angústia. Torna-se, assim, o egoísta, progressivamente inconsciente da finalidade da sua vida. Pode juntar fatos, mas é incapaz de os concatenar. O seu conhecimento é semelhante aos cursos de um colégio moderno, que se acumulam para adquirir um diploma mas que não dão uma filosofia da vida. A ignorância multiplica-se à medida que se conhecem mais coisas que não se sabe relacionar. O sábio sabe uma coisa, que se chama o Bom Deus, e tudo o mais é unificado com ela. A ignorância do egoísta torna-o mordaz e cínico; em primeiro lugar, porque nunca poderá libertar-se da ânsia de Bondade que Deus plantou no seu coração; e, em segundo lugar, porque sabe que já não tem o poder para a querer.
Estes efeitos trágicos do amor-próprio não são sem remédio. O Cristianismo — o que é bastante curioso — parte do suposto de que muitos homens são egoístas. O Divino Mandamento de amar a Deus e ao próximo como a si mesmo, contém virtualmente a ideia de que todos os homens se amam. Estas pequeninas palavras como a si mesmo põem a claro todo o amor-próprio. Levantam a questão: Como é que o homem se ama a si mesmo? Há sempre alguma coisa de que o homem gosta em relação a si mesmo e alguma coisa de que não gosta. Gosta da vida e, portanto, senta-se numa poltrona, veste
a roupa mais conveniente e alimenta o corpo, etc. Há, porém, alguma coisa em si de que ele não gosta. Não gosta de si quando se deixa enganar, quando o consideram tolo, ou quando ofende um amigo. Por outras palavras, gosta de si mesmo, como criatura feita à imagem e semelhança de Deus. Não gosta, quando desfigura essa imagem. Assim deve ser amado o próximo. Deve ser amado como pessoa, mesmo que seja um pecador, porque um pecador é uma pessoa. Não deve, porém, amar seu pecado, porque o pecado é uma sombra na semelhança divina. Mais concretamente, devem amar-se os comunistas e odiar-se o comunismo.
Há apenas uma evasiva para esta lei: é questionar sobre quem é o próximo, como fez o doutor da lei. Nosso Senhor respondeu que o próximo não era, necessariamente, aquele que vivia na casa contígua à nossa, mas também os nossos inimigos. Não excluiu, porém, o Senhor a possibilidade de os nossos inimigos viverem na casa mais vizinha!
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(SHEEN, Dom Fulton. Rumo à Felicidade – WAY TO HAPPINESS. Tradução de Dr. A. J. Alves das Neves, pároco de São Pedro da Cova. Livraria Figueirinhas, Porto, 1956, p. 21-24)