“Professor, o senhor prometeu contar-nos alguma coisa do caçador vermelho”.
“Ah sim, o caçador vermelho. Foi num livro de um explorador do Brasil, que tive notícia dele. Um verdadeiro finório. ‘Calicurgus annulatus‘ é seu nome científico. É uma vespa cor de sangue, própria do Brasil, e conta uns três centímetros de comprimento. Se ferir um homem, a vítima fica algum tempo entorpecida.
O naturalista escreve: — É a hora da sesta, num dia cálido de verão. Nada se move, nem um pássaro pia… De repente, bem alto acima de minha cabeça, aparece um pequeno ponto que desce, descrevendo espirais sempre mais apertadas. É ele, o Calicurgus! Deve ter percebido alguma coisa lá do alto.
Mas o que?
Perscruto o solo, onde se acha o centro da espiral. .. em vão… há somente capim tisnado pelo sol. A vespa, contudo, baixa sempre mais; agora roça quase o chão. Deve haver qualquer coisa ali… Inclino-me mais… Sim, aí está. Uma tarântula movimenta-se no capim. À vista humana era quase imperceptível; a vespa viu-a das alturas…
De mansinho retiro-me um pouco; sinto que tenho em perspectiva um drama fascinante: Os dois antagonistas tomam posição de combate com suas armas venenosas. Um drama da mata virgem!
A aranha reconheceu seu mortal inimigo. Para. Suas pernas dianteiras se enristam ameaçadoras. Ela abre e fecha, pronta para o ataque, os tenazes munidos de glândulas de veneno.
Agora começa a luta de vida e morte. O calicurgus sabe muito bem (donde o sabe?) que não deve atacar de frente, na direção das pinças, — ser-lhe-ia fatal; a picadura da tarântula é capaz de matar uma toupeira ou um pardal, quanto mais uma mísera vespa! Deve, pois, atacar o inimigo pelo flanco ou pelas costas.
Mas aranha, também não é tola, gira e volteia; de qualquer direção que venha a vespa, sempre se encontra, face a face com o aracnídeo. Contudo, o inseto é incansável. Sem cessar se repetem os ataques com pasmosa segurança. É como se dissesse: ‘Amigo, é inútil. Hei de vencer; repito, hei de vencer’. A aranha vai se cansando a olhos vistos… Agora já quisera pôr-se em fuga. Mas, não é possível. Desde que dá um passo, o cruel atacante quer cair-lhe nas costas; é preciso encará-lo continuamente…
A luta prossegue… a aranha sempre mais abatida… Agora!!! Com a rapidez de relâmpago, a vespa descreve uma volta e, zás, seu ferrão venenoso penetra profundamente… A aranha estremece e se encolhe toda. A vencedora larga calmamente sua vítima e trata de arrastar o corpo inanimado, muito maior de que ela… Por cima de pedras, galhos, obstáculos de toda a sorte, procura alcançar seu ninho longínquo.
Considerem agora, os dois difíceis problemas que o calicurgus tinha de resolver! Primeiro: desarmar o perigoso antagonista; segundo: paralisá-lo sem o matar.
Ambas as tarefas são solúveis apenas de um modo, isto é: o ferrão deve atingir um determinado nó do sistema nervoso da tarântula. A primeira ferroada deve ser dirigida contra a boca, e atingir os nervos do maxilar inferior, um minúsculo ponto nervoso. Mas, com precisão, pois, se errar o golpe por um nadinha… era uma vez. Ou a aranha matará a vespa, ou, se esta tiver muita sorte de escapar à morte, ela matará o inimigo. Mas o calicurgus não deve matar a aranha; se o fizer ela se torna inútil para ele. E não a mata mesmo! Com precisão matemática fere primeiro os nervos do maxilar, e em seguida, uma região mole entre o primeiro par de patas, o nervo das pernas. Depois de assim preparada a vítima, ele a transporta.
Vocês haviam de ver o tenaz esforço que o inseto faz no transporte de sua presa! Aqui um arbusto se interpõe, ali uma raiz barra o caminho, acolá são galhos caídos… Não importa. Ora para cima, ora para baixo, o bichinho se esfalfa, mas avança sempre.”
“E para que tanto trabalho?”
“Atenção! Agora vem uma descoberta que faz pasmar”.
— Logo que o calicurgus chega ao ninho com a sua presa, senta-se em cima e deita seus ovos na incubadora viva. Lá estão a salvo da umidade, do sol candente, da voracidade de inimigos e, ao saírem do ovo, as larvas encontram imediatamente alimento no corpo da aranha.”
“Mas, até surgirem as larvas, a aranha já estará ressequida”.
“Pois não, se estivesse morta… A grande astúcia do caçador vermelho, porém, consiste exatamente no fato de não matar a aranha (o sol a pulverizaria em breve), e paralisá-la apenas. A vespa conhece perfeitamente o lugar da aranha onde deve aplicar o ferrão sem matar, impossibilitando-a de toda a ação”.
“Estupendo”, exclamou Carlito; “quem ensinou à vespa tão exata anatomia?”
“Sim, rapazes, é ainda uma das grandes perguntas, cuja resposta se encontra somente na atividade do Criador sapientíssimo. Pois, donde teria o calicurgus tão minucioso conhecimento de anatomia? Que exatidão! E ainda, tratando-se de outras variedades de aracnídeos, deve aplicar a seringa do ferrão em locais diversos, a fim de atingir o nó nervoso situado diferentemente, e paralisar a aranha. Certas vespas (Sphex, Ammophila)
deitam seus ovos em lagartas às quais aplicam 1, 2, 6, 7 ferroadas, segundo o número de nós que possuem. A lagarta fica apenas entorpecida, e morre no momento da eclosão das larvas.Mais outra pergunta: Onde é que o abelharuco aprendeu a construir ninho tão maravilhoso? E o castor, onde aprendeu a arquitetura de seu palácio subterrâneo? Quem ensinou aos animais ações tão sábias, cautelosas e adequadas; animais que em outras coisas são tão estúpidos? Pois, uma vez que agem sempre e em toda a parte do mesmo modo, embora em ambiente e condição diferentes, demonstram que não o fazem conscientemente, ou por hábito adquirido em longo exercício. Certamente vocês já ouviram falar que a galinha no choco vira os ovos, de vez em quando. Por que o faz?”
“Sei, senhor professor”, atalhou Júlio; “li como se chegou a sabê-lo”.
“Então conte!”
“Por muito tempo não se sabia por que a galinha choca virava os ovos, até que a máquina incubadora desvendou o mistério. Quando se fizeram as primeiras tentativas com a chocadeira, saíram pintinhos, sim, mas a um faltava uma asa, a outro uma perna ou um olho. Que história!… E toca a quebrar a cabeça, até que alguém se lembrasse de uma pequena particularidade, os ovos na incubadora devem ser voltados, de quando em quando, como o faz a galinha choca. Feito isso, obtiveram-se pintinhos perfeitos”.
“Mas como é que a galinha sabe disso?” Interrogou Carlito. Mas Jorge saiu-se com uma piada:
“Se a galinha é tão inteligente, não se deve repreender o mau aluno, dizendo-lhe que tem “miolos de galinha!”
“Com a diferença de que esse animal inteligente é estupendamente estúpido alhures, dêem-lhe seixos brancos em vez de ovos, ela os choca e vira com o mesmo desvelo! A ave, pois, sabia, mas inconscientemente. Alguém, contudo, deve sabê-lo! É Aquele que dotou os animais de tão atilado instinto”.
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(TOTH, Monsenhor Tihamer. Na linda natureza de Deus. Editora S. C. J., 1945, p. 71-76)