Como se preparou para O receber
Depois que Jesus Cristo subiu ao céu, elevando-Se por virtude própria à vista de Sua bendita Mãe e saudosos discípulos, recolheram-se todos ao cenáculo, e no silêncio do retiro se prepararam pelo exercício da oração para receberem o Espírito Santo, que o Divino Mestre lhes havia prometido enviar. Juntos todos no mesmo lugar, concordes de coração e vontade, formaram os votos mais ardentes para chamarem a si aquele divino Paráclito. Maria principalmente solicitava com maior eficácia a vinda deste Consolador divino, pelo fervor de suas súplicas, pureza de seus desejos e ânsias do seu amor.
Imitemos tão excelentes disposições para receber o Deus da caridade, que se apraz em comunicar-Se às almas fervorosas que O buscam fora do tumulto do mundo, e Lhe dirigem ardentes e sinceros votos.
Enchente de dons de que foi enriquecida
No domingo de Pentecostes, à hora de terça, o céu se abre, um grande som, como de vento impetuoso, anuncia a chegada do Espírito Santo; línguas de fogo se dividem e param sobre as cabeças dos discípulos, que ficam maravilhosamente transformados! De grosseiros, ignorantes e tímidos que eram, convertem-se em varões fortes, santos e ilustrados com sabedoria sobrenatural. Todos foram cheios do Espírito Santo, mas conforme suas disposições, uns receberam maiores dons do que outros, e quem é que pode compreender a enchente que caiu sobre a excelsa Rainha dos Apóstolos? Era já cheia de graça, mas querendo o divino Espírito enriquecer cada vez mais de Seus dons esta bendita esposa, achava nela as mais excelentes disposições. Concluamos que por muito copiosas que sejam em uma alma as influências do Espírito Santo, sempre ela pode receber outras de novo. Se recebeu muitas graças porque foi fiel, perseverando na fidelidade, Deus lhe reserva outras muito maiores, pois que os tesouros dos dons celestes são inexauríveis.
Alegria que sentiu vendo os efeitos de Sua vinda
Qual seria o júbilo do santíssimo coração de Maria na descida do Espírito Santo? Ela via os admiráveis e preciosos dons deste divino Paráclito derramados em corações tão bem dispostos; via os apóstolos revestidos da virtude do alto, que ia fazer deles os heróis da religião; via que a face da terra ia ser inteiramente renovada; o mundo espiritual reformado; a lei do temor e da servidão substituída pela lei da graça e do amor; a Igreja Católica estabelecida; a luz do céu dissipando as trevas que cobriam o mundo; o forte armado vencido e expulso do império que usurpara. A Virgem Mãe de Deus contemplava com santa alegria todas estas maravilhas e o seu coração se enchia de consolações inefáveis. Entremos nas disposições da nossa divina Mãe; regozijemo-nos com os triunfos da Santa Igreja, e procuremos, cada um segundo a sua condição e faculdades, cooperar para a propagação da santa Fé em todos os países do mundo.
ORAÇÃO
Ó piíssima Esposa do Espírito Santo? Mãe de graça e de misericórdia, que com munificência de rainha e amabilidade de mãe, distribuís copiosas graças a quem a vós recorre; dignai-vos empregar em meu favor a vossa poderosa intercessão. Fazei que de meu coração se retire sempre o espírito do século, contrário ao Espírito de Deus; impetrai-me o espírito de sabedoria que, inspirando-me gosto pelos bens celestes, me torne insípidos os falsos bens e frívolas vantagens da terra; o espírito de inteligência que me alumie no caminho da perfeição; o espírito de conselho que me ensine a evitar os laços dos inimigos de minha alma; o espírito da fortaleza que vença a minha fraqueza e triunfe das minhas paixões; o espírito da ciência que me encaminhe na escolha dos meios mais eficazes para a salvação; o espírito da piedade que me anime no serviço do Senhor e o espírito do temor filial, para observar com fidelidade e amor os preceitos divinos. Vós tudo podeis conseguir-me; desejais fazer-me todo o bem, e só me poderia impedir de receber os vossos favores o descuido em recorrer à vossa proteção, ou a falta de confiança no vosso patrocínio. Mas este recurso e confiança vós mesma me haveis de alcançar, minha Mãe amabilíssima. Isto vos peço e espero obter por vós, ó Maria, minha esperança, meu amor, minha vida, meu refúgio e consolação. Assim seja.
Agora se faz o Ato após a Meditação
EXEMPLO
O incêndio da Ópera Cômica em Paris e a intervenção de Maria Santíssima
Ninguém há que não tivesse notícia do incêndio da Ópera Cômica, o dolorosíssimo drama que enlutou Paris na noite de 25 de maio de 1887.
A ele estão ligados alguns episódios comoventíssimos, em que mais uma vez se manifestou a maternal intervenção da Santíssima Virgem, sob o título bem conhecido de Nossa Senhora das Vitórias.
Estes pormenores (dizem os anais da arquiconfraria) foram-nos transmitidos por um sacerdote do santuário que conhece a pessoa em favor da qual se realizou o milagre: — É uma pobre mulher que tinha particular devoção por Nossa Senhora das Vitórias, e exercia o cargo de camareira no teatro da Ópera Cômica. Na noite de 25 de maio, rebentou como é sabido, o pavoroso incêndio que se alastrou com incrível rapidez.
A pessoa de que se trata estava no seu posto. Ouvindo gritos de alarme, compreendeu que era preciso fugir quanto antes, e dirigia-se já para a porta, quando viu grande número de pessoas que, alucinadas pelo terror, se encaminhavam para um corredor sem saída, aonde iam necessariamente perecer! Quis salvá-las e gritou-lhes que a seguissem. Todos se apressaram em fazê-lo, mas a infeliz, envolvida por essa multidão louca de desespero, não pôde indicar-lhes a saída. Repentinamente apagaram-se as luzes e o pânico aumentou de momento a momento! Os pobres infelizes desvairados empurram-se uns aos outros, atropelam-se, esmagam-se, porfiando quem primeiro há de fugir. Em poucos momentos foi obstruída a passagem pelos corpos dos que caiam! A pobre mulher julgando então chegada a sua última hora soltou um grito de suprema angustia, exclamando:
— Envio o meu último suspiro a Nossa Senhora das Vitórias!
E impelida pela multidão compacta, caiu sem sentidos.
O que então se passou ninguém o pôde dizer, mas a pobrezinha ao reanimar-se encontrou-se com imensa satisfação numa cama do hospital da Caridade. A sua gratidão por Nossa Senhora das Vitórias não tem limites, e a todos que a visitavam a manifestava pedindo-lhes que fossem render-lhe em seu nome, mil ações de graças. No 1.° de junho veio ela própria ajoelhar aos pés desta Boa Mãe, e pediu depois para inscreverem o seu nome no registro dos associados.
***
Ainda outra cena comovedora dessa tristíssima noite de 25 de maio. Foi ela relatada por uma pessoa que presenciou o fato e que, apesar de muito indiferente a ideias piedosas, parecia nesse momento profundamente dominada por sentimentos religiosos a que não podia subtrair-se.
Expressa-se nestes termos:
Assisti de uma janela de minha casa, situada perto do lugar do sinistro, ao pavoroso incêndio da Ópera Cômica, e foi vivamente comovido que presenciei a estranha cena que lhe vou narrar.
— Um grupo de pessoas, dominadas por um terror indescritível, refugiou-se no telhado do edifício, descobrindo-se à frente do grupo o perfil de uma mulher ajoelhada, com as mãos piedosamente erguidas para o céu.
Havia momentos apenas que se conservava nesta atitude de oração, quando um bombeiro, que repentinamente ali apareceu, a agarrou pela cintura, e conduziu para a manga da salvação. Instantes depois, o restante do grupo foi sepultado nas chamas.
Para mim é fora de dúvida que o bombeiro foi para a pobre mulher um anjo, enviado do céu, para responder à sua fervorosa súplica!
Ao dizer estas palavras era tão manifesta a comoção do narrador, que não podemos duvidar da íntima convicção que Ih’as ditou.
OUTRO EXEMPLO
Dois estudantes
Em 1604, viviam em Flandres dois estudantes que passavam a maior parte da vida, na maior devassidão!
Certa noite em que se reuniram numa casa escandalosa, um deles, chamado Ricardo, retirou-se pouco depois de entrar, deixando ficar lá o amigo.
Dirigiu-se imediatamente para casa e passados momentos, quando ia a deitar-se, lembrou-se de que ainda não tinha rezado umas Ave-Marias, com que costumava honrar todos os dias a Santíssima Virgem. Com bastante custo, porque estava a cair com sono, ajoelhou-se, recitou-as meio a dormir sem devoção, e em seguida adormeceu.
Passados alguns momentos acordou sobressaltado ao som de violentas pancadas que lhe batiam à porta do quarto, e logo, sem que ninguém a abrisse, viu em pé, de fronte de si, o seu desgraçado companheiro, por tal forma desfigurado que causava horror olhar para ele!
— Quem és tu? Perguntou Ricardo horrorizado.
— Já não me conheces, e há tão poucos momentos ainda que te separaste de mim?!
— Mas que mudança foi essa? Estás medonho, não imaginas! Pareces um vivo demônio!
— Ai de mim! respondeu gemendo o amigo, ai de mim! Que estou condenado para sempre!
— Mas como foi isso? Explica-te!, insistiu Ricardo.
— Quando pouco depois de ti, sai da aquela maldita casa aonde nunca devia ter entrado, fui agarrado por um demônio que me estrangulou. O meu corpo lá ficou no meio da rua, mas a minha alma, essa está no inferno aonde nunca mais sairá! A ti esperava-te a mesma sorte, se não fosse a Bem-aventurada Virgem que te salvou, em recompensa de umas Ave-Marias que lhe costumas rezar. Feliz de ti se aproveitares este aviso que a Mãe de Deus te dá pela minha boca!
E dizendo isto o condenado desapareceu imediatamente.
Ricardo coberto de lágrimas, caiu de joelhos, e rojando a face por terra, agradeceu à Santíssima Virgem a sua maternal proteção, que o havia preservado do inferno. Depois, quando pensava na maneira de mudar de vida, ouviu o sino de um convento de franciscanos que tocava a matinas e exclamou:
“É àquele convento que Deus me chama para fazer penitência!”
E sem mais demora saiu, encaminhou-se para a portaria do convento e pediu para ser admitido na comunidade. Os religiosos que conheciam a sua vida escandalosa mostraram dificuldade em o receber; mas Ricardo narrou-lhes quanto se tinha passado, indicando também o lugar aonde devia jazer o corpo do amigo. Efetivamente dois religiosos, que para lá se dirigiram, encontraram o cadáver do desgraçado, estrangulado e negro como um carvão!
Ricardo foi admitido ao convento. Mais tarde partiu em missão para a Índia e dali para o Japão, aonde teve a glória de sofrer o suplício por Jesus Cristo, terminando a sua vida pelo martírio!
LIÇÃO
Sobre o Amor de Deus
Deus criou-nos para O amar: que desordem e loucura não é entregar o coração a diferente amor dAquele que somente nos pode fazer felizes nesta e na outra vida!
Expulsai a tibieza que vos embaraça nos caminhos do amor divino. Temeis os sacrifícios? A quem ama nada é custoso; o amor que só se declara quando não tem que padecer pelo objeto amado, é mui suspeito.
Amai com fortaleza e disposição de antes perder todos os bens do que a graça de Deus; com o propósito de antes sofrer todos os males do que cometer a mais leve culpa.
Se a vossa vontade se deixa encantar do amor, nada lhe parecerá impossível; o amor é forte como a morte, não conhece dificuldades.
Amai só o que Deus ama e como Ele quer que se ame. Só Deus deve agradar em tudo quanto agrada. O amor verdadeiro vive indiferente para tudo quanto não é Deus, só a Ele busca, quer tudo o que Ele quer.
Debaixo do império deste amor, sereis feliz; quanto mais viverdes nele, mais o desejareis; tereis de padecer nos Seus grilhões, e não vos custará ser seu escravo.
Seja o amor de Deus o vosso tesouro. Ainda na maior indigência de bens do mundo achareis que ele vale por todas as riquezas.
Na morte é que verdadeiramente se sente quão grande ventura é termo-nos deixado levar das impressões deste amor.
A morte, tempo de inquietações e sustos para os mundanos, é tempo de consolações inefáveis para o cristão dominado do amor de Deus.
Entregai-vos, pois, ao amor divino, abandonai-vos à sua direção, seja ele o vosso mover, procurai fazer tudo por amor de Deus.
Máxima Espiritual
“A verdadeira felicidade consiste em amar a Deus; amar a Deus e fazer em tudo a Sua vontade” – Santo Afonso Maria de Ligório
Jaculatória
Regina Angelorum, ora pro nobis
Rainha dos Anjos, rogai por nós
Agora se faz as Encomendações e outras Orações
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(SILVA, Pe. Martinho António Pereira da. Flores a Maria ou Mês de Maio consagrado à Santíssima Virgem Mãe de Deus. Tipografia Lusitana, Braga, 1895, 7.ª ed., p. 326-336)