Meditação para a Décima Sexta Terça-feira depois de Pentecostes
SUMARIO
Continuaremos esta semana as nossas meditações sobre a mortificação, e veremos que devemos mortificar a nossa vontade:
1.° No que ela quer;
2.° No que ela deseja.
— Tomaremos depois a resolução:
1.° De aproveitarmos, agradecidos, todas as ocasiões que a Providência nos oferecer de contrariar a nossa vontade e os nossos desejos, a fim de os acostumar a ceder sempre ao dever;
2.º De termos hoje uma vida bem regulada, sem nada conceder ao capricho.
O nosso ramalhete espiritual será a palavra de Nosso Senhor:
“Pai, não se faça a minha vontade, senão a vossa” – Pater… non mea voluntas, sed tua fiat (Lc 32, 42)
Meditação para o Dia
Adoremos Nosso Senhor dando-nos, durante toda a sua vida, um contínuo exemplo de mortificação da própria vontade. Nunca fez senão o que queria seu Pai celestial, como Ele queria, e porque queria (1). Agradeçamos-Lhe este belo exemplo, e imploremos-Lhe a graça de O seguir.
PRIMEIRO PONTO
Devemos Mortificar a nossa Vontade no que ela Quer
Acreditemos, com viva fé, que não estamos neste mundo para fazer a nossa vontade, mas sim a de Deus; que não estamos neste mundo nem para gozar, nem para juntar bens, mas para fazer o que Deus exige de nós, no estado e posição em que a sua Providência nos colocou (2). A nossa vontade não nos pertence: pertence a Deus, assim como todo o nosso ser. Se a deixa entregue ao nosso conselho, só é para que a conformemos com a Sua, fazendo o que é bom e perfeito, e não para que disponhamos dela como quisermos e façamos o que nos aprouver. O mesmo Jesus Cristo seguiu esta regra: nunca buscou a sua própria satisfação (3). A seu exemplo, devemos sujeitar a nossa vontade em todas as coisas à de Deus. Se o que nos pede essa vontade é do nosso gosto, devemos abstrair-nos do gosto natural, para não atender senão à vontade divina; e se não nos agrada, devemos fazer a vontade de Deus com uma intenção mais pura e reta. Nunca, pois, digamos: Faço isto, porque quero, ou porque me apraz; mas sim: Faço isto, porque está em harmonia com os meus deveres e com a vontade de Deus. Proceder de outro modo, não é proceder como cristão: é subtrair a nossa vida ao domínio essencial de Deus sobre nós; é perder o merecimento de nossas obras. Obrar conforme este princípio, é viver da vida perfeita; é agradar a Deus, pois que se faz em tudo a sua vontade, cuja fiel expressão se possui em um bom regulamento de vida, que fixa a ordem das nossas obras, que designa o tempo e modo de as praticar, de sorte que nenhum dever seja desprezado, e tudo seja bem coordenado. É agradar ao próximo, pois que a vontade divina, que se segue em tudo, nos dispõe a ser sempre afáveis para com todos, e nunca deixa a nossa vontade contrariar a vontade de outrem. Finalmente, é assegurar a felicidade da vida presente, porque só se quer o que Deus quer, só se vê em tudo a vontade divina, que regula e permite tudo, e porque se sente um delicioso prazer em dizer conosco: Eu faço a vontade de Deus.
SEGUNDO PONTO
Devemos Mortificar a nossa Vontade no que ela Deseja
Quem poderia dizer todo o prejuízo que causam a alma os desejos, e as paixões que suscitam; os desejos muito vivos e veementes; as paixões muito violentas; os desejos, que se multiplicam incessantemente, contrários uns aos outros, laceram e dividem a alma, cada um em seu sentido, e se dirigem a objetos incapazes de a contentar; as paixões que são vãs e injustas, que se impacientam e murmuram, se não são prontamente satisfeitas? Hoje quer-se uma coisa, amanhã quer-se outra. Nunca se está bem em um lugar, porque se julga que se estará melhor onde se não está. Busca-se a felicidade aqui e ali, no meio da sociedade, no meio da solidão, e em nenhuma parte se acha, porque se busca na satisfação dos próprios desejos, em vez de a ir buscar na sua verdadeira fonte, que é a mortificação desses mesmos desejos. Eis aqui porque na sociedade todos se queixam, todos falam somente de desgraça. Nasci, diz-se, para ser desgraçado: era desgraçado em certa posição, sou-o ainda agora, e o serei sempre. Sim, sucederá sempre assim, porquê ninguém se entrega jamais a um desejo desordenado sem se sentir desgostoso e inquieto; porque o desgosto e enfado acompanham necessariamente o homem que atende aos seus caprichos, porque nunca se satisfaz uma vontade desordenada sem sentir o remorso da consciência, que argue de ter cedido a paixão; porque finalmente o homem, que tem afeições, não conhece a paz interior: indigna-se, se querem privá-lo do objeto que ele ama, aflige-se, se receia que o privem dele, ou se é preciso que dele mesmo se prive.
Resoluções e ramalhete espiritual como acima
Referências:
(1) Non sicut ego volo, sed sicut tu; non quod ego volo, sed quod tu non mea voluntas, sed tua fiat (Mt 26, 39; Mc 14, 36; Lc 22, 42)
(2) Ut jam non desideriis hominum, sed voluntati Dei, quod reliquum est in carne vivat temporis. (1Pd 4, 2). Ut probetis quae sit voluntas Dei bona et beneplacens, et perfecta (Rm 12, 2)
(3) Christus non sibi placuit (Rm 15, 3)
Voltar para o Índice das Meditações Diárias de Mons. Hamon
(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo VI, p. 201-203)