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Zelo da Observância (Junho, 1773)

14ª Carta Circular de Santo Afonso: Zelo da Observância (Junho, 1773)

Aos Padres e Irmãos da Congregação do Santíssimo Redentor

Nota: Santo Afonso fundou seu Instituto para a evangelização das pobres almas abandonadas. Queria, por isso, que nele reinasse o espírito de pobreza e humildade. Vendo, porém, que nem todos os súditos se conformavam com esse teor de vida, dirige-se a eles com a energia própria de um santo que ama seus filhos e quer vê-los santos.

Arienzo, 27 de junho de 1773.

Vivam Jesus, Maria e José!

Desta vez, meus Irmãos e filhos, eu vos escrevo com lágrimas nos olhos, porque ouço que alguns dentre vós, correspondendo mal ao fim para o qual Deus os chamou à nossa mínima Congregação, deixam-se dominar pelo espírito de soberba e desunião. Nos corações em que não reinam a humildade cristã, a caridade fraterna e a paz, Deus não reina.

Mais me fazem temer as nossas infidelidades a Deus do que as mais ferozes perseguições dos homens e dos demônios. Contra estas Deus nos protege, quando vivemos segundo o Seu coração e a Sua santíssima vontade e podemos dizer: Si Deus pro nobis, quis contra nos? Mas, se nos comportamos mal para com Deus, Ele, em vez de proteger-nos, nos castigará.

Fico muito aflito, quando ouço que algum dos nossos jovens não vive segundo a perfeição evangélica, própria dos operários do Evangelho. Mais sensível, porém, e mais viva é a tristeza que experimento no meu coração, quando também algum dos Padres e Irmãos mais idosos e mais antigos de nossa Corporação, que deveria servir aos mais jovens e recém-chegados de edificação e modelo de virtudes, têm pouca estima pela obediência devida ao Superior. Sempre recomendei a todos, de viva voz e por escrito, a santa obediência e submissão aos Superiores que fazem, na terra, as vezes de Deus, porque disso depende a boa ordem, a glória de Deus, o proveito das missões e a paz de espírito. Quem obedece pontualmente, está seguro de fazer em tudo a vontade de Deus, no qual somente se encontra a verdadeira paz. No entanto, o demônio tem tentado e continua tentando alguns dos nossos a fazerem pouco caso da obediência, razão por que vivem inquietos e inquietam os confrades e Superiores sob falsos pretextos, sugeridos pelo demônio, como se fossem efeito de zelo louvável, de reforma de abuso e de amor da justiça e da verdade. Coisa curiosa! Falam de reforma e de zelo e, entretanto, não pensam em reformar, em primeiro lugar, a si próprios e a sua vida mais defeituosa que a dos outros.

Quem possui Verdadeiro zelo busca somente a glória de Deus, escreve a mim ou ao Padre Vigário (que governa em meu lugar), expondo os defeitos de observância que vê na casa onde se encontra, e, depois, se acalma e entrega a coisa a Deus. Mas inquietar-se, formar partido, falar e escrever sem caridade, ver nisso um negócio pessoal e querer a todo o custo fazer prevalecer sua opinião, não é espírito de Deus, não é zelo. Isso é abominável espírito de soberba, de desordem, de paixão e cegueira tanto mais incurável, quanto mais se julga luz de verdade e espírito reto, que não pode suportar as coisas erradas.

Irmãos e filhos caríssimos em Jesus Cristo, compreendei-o bem. Deus quer a vossa obediência e submissão respeitosa aos Superiores mais que cem sacrifícios e mais que mil outras obras estrepitosas de sua glória.

Deus nos quer pobres e satisfeitos com a pobreza, e devemos agradecer-Lhe quando, por Sua misericórdia, podemos ter à mesa um pedaço de pão, e quando não nos deixa faltar o necessário. Quem não estiver satisfeito de levar entre nós pobres uma vida pobre no comer e no vestir, pode retirar-se da nossa Congregação sem inquietar-nos, e ir para casa viver como lhe aprouver. Estou pronto a conceder-lhe essa licença, porque Deus não quer em Sua casa servos descontentes, que o sirvam à força e em contínua perturbação. Cada um afaste do pensamento essa ambição mundana de querer ser igual ou melhor que os outros até mesmo na pregação da palavra de Deus. Não quero de nenhum modo que se empregue estilo brunido, períodos e palavras seletas que são a peste da pregação. Dessa maneira se perderia, pouco a pouco, o estilo simples e familiar, com o qual, pela divina misericórdia, nossas missões têm conseguido prodígios de conversões nos lugares onde se pregaram como convém e segundo o espírito de Deus. Também nos sermões em louvor dos Santos é preciso empregar o estilo familiar e simples; louvando as virtudes do Santo, fazer a propósito reflexões morais para proveito dos ouvintes. Em todo o caso, compor e recitar o sermão com simplicidade sem tom declamatório e sem palavras rebuscadas. Devemos pregar Jesus crucificado, e não a nós mesmos; buscar a Sua glória e não a nossa vaidade. Peço a Deus que castigue todos os pregadores vaidosos, para que aprendam a pregar como se deve, e espero ser ouvido.

Digo a todos em geral que, quem não estiver contente de viver na Congregação, peça licença para retirar-se para sua casa com toda a liberdade, pois eu lha concederei de bom grado, para não conservar ninguém à força no serviço de Deus. Poucos e bons, melhor que muitos, mas soberbos e inquietos.

Mas, se esses tais não quiserem retirar-se sob qualquer honroso pretexto e, ao contrário, quiserem continuar vivendo desobedientes, imperfeitos e com pouca edificação dos confrades e do povo nas missões: neste caso declaro perante todos que encontrarei o meio de fazê-los sair com maior desgosto e menor vantagem para eles.

Tendo diante dos olhos somente a glória de Deus e a obra das missões (que S. Majestade, o Rei, quer que se conserve no primeiro fervor em benefício das almas de seus vassalos), não terei nenhuma humana consideração ou temor das ameaças de alguns cérebros perturbados e privados do espírito de Deus. Se eles escreverem, eu também ainda tenho pena e tinta. A mim compete cumprir as vontades de Deus e do Rei, conservando os súditos que são úteis à manutenção da obra das missões, e mandando embora os que se comprovam inúteis ou prejudiciais a ela. Eu sou o único Diretor desta Corporação de padres missionários, também segundo a mente do nosso Soberano. Não duvido que S. Majestade, o Rei, ouvirá com maior benevolência as minhas sinceras representações do que as reclamações de alguns perturbadores insatisfeitos.

Quem quer ficar entre nós, deve estar resolvido a obedecer e a não inquietar a casa onde se encontra ou aquela para onde for transferido. Estou resolvido a não mais tolerar esses indivíduos, que, com sua vida pouco edificante, desacreditam as obras das emissões, e não fazem bem algum nem às suas almas nem às dos outros.

Meu Irmãos, eu amo a cada um de vós mais do que a um irmão carnal; e quando algum se retira de nossa Corporação, sinto uma pena indizível; mas, quando vejo que o mal se tornou gangrena, sendo indispensável aplicar-lhe fogo, é mister que o aplique, embora com muita pena. Para este fim me conserva Deus a vida, isto é, para remediar as desordens, que, com grande dano da obra das missões, começam a introduzir-se. E estou resolvido a remediar, custe o que custar. Mesmo que a maior parte se retirasse, não me assustaria. Quem fica, fica. Deus não precisa de muita gente. Basta que fiquem poucos e bons. Esses poucos farão maior bem do que todos os imperfeitos soberbos e desobedientes.

Já avisei, e torno a avisar a todos que, quanto aos jovens, que ainda não são sacerdotes, quando tiverem de receber alguma ordem sacra, me informem antes. E não lhes darei licença para isso, enquanto não tiver examinado com exatidão o seu comportamento, e se não há nada contra as determinações de S. Majestade acerca da ordenação de clérigos. Espero não fazer a mínima coisa que possa desagradar a Deus e ao Rei. Peço, por isso, a todos e a cada um que me informe com sinceridade acerca dos defeitos que notarem em qualquer jovem ordinando, ainda que eu não peça expressamente nenhuma informação.

Saibam os jovens (Padres) que absolutamente não quero que saiam para missões antes dos trinta anos; e se, por uma necessidade, se tiver de dispensar neste ponto, quero que me informem com antecedência.

A todos recomendo a observância das práticas louváveis que estão em vigor entre nós acerca da piedade e santidade de vida.

Recomendo a obediência aos Superiores, o amor a Jesus Cristo, a devoção à Sua sagrada Paixão, a oração, os exercícios espirituais e o retiro mensal. Quem ama, a Jesus Cristo, é obediente e está satisfeito com tudo e goza sempre de paz.

Mais tarde enviarei um regulamento para a boa ordem das missões, o qual quero que se observe pontualmente, e exigirei contas de seu cumprimento.

Comunico-vos que nomeei Reitor desta casa de São Miguel de Pagani ao Pe. João Mazzini com seus Consultores Pe. Alexandre de Meo e Pe. Vitantonio Papa e seu Admonitor Pe. Domingos Corsano.

Termino, como comecei, com lágrimas nos olhos; e peço a todos que se conduzam bem e não me causem mais amargura nos poucos dias que me restam de vida. O amor e dedicação que me tendes demonstrado sempre, permitem-me esperar que meu pedido seja atendido.

E abençoando a todos os Revmos. Padres e Confrades, sou vosso afetuosíssimo

Irmão Afonso Maria, do SS.Redentor

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(LIGÓRIO. Santo Afonso de. Cartas Circulares. Oficinas Gráficas Santuário de Aparecida, 1964, p. 80-89)