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Vida desolada de Jesus Cristo

A vida de nosso amante Redentor foi toda desolada e privada de todo o conforto. Sua vida foi aquele grande mar inteiramente amargo sem nenhuma gota de doçura ou consolação:

“Grande como o mar é a tua dor” (Lm 2,13).

O Senhor revelou um dia a Santa Margarida de Cortona que durante sua vida inteira não experimentou uma só consolação sensível.

A tristeza que ele experimentou no jardim de Getsêmani era tão grande, que bastaria para tirar-lhe a vida, e essa tristeza ele não a sofreu só, então, mas o afligiu sempre desde o primeiro instante de sua encarnação, pois todas as penas e ignomínias que ele deveria suportar até à morte lhe estavam sempre presentes. Mas não foi tanto essa vista quanto a de todos os pecados que os homens cometeriam depois de sua morte que o afligiu sumamente durante sua vida inteira. Ele viera por meio de sua morte a tirar os pecados do mundo e a resgatar as almas do inferno; mas via que, apesar de sua morte, todas as iniqüidades possíveis seriam cometidas na terra, das quais cada uma, vista distintamente por ele, o afligia imensamente, como escreve São Bernardino de Sena:

“Ele viu em particular cada uma das culpas”.

E foi essa a dor que ele tinha sempre diante dos olhos e sempre o afligia:

“Minha dor está sempre na minha presença” (Sl 37,18).

Santo Tomás diz que a vista dos pecados dos homens e da ruína de tantas almas que se haviam de perder foi para Jesus Cristo um tormento tão grande que sobrepujou as dores de todos os penitentes, mesmo daqueles que morreram de pura dor. Os mártires sofreram grandes dores, cavaletes, unhas de ferro, couraças ardentes, mas suas dores eram sempre mitigadas por Deus com doçuras internas. Entre tantos martírios não houve um só tão penoso como o de Jesus Cristo, já que sua dor e sua tristeza foram pura dor e pura tristeza, sem mistura de consolação:

“A grandeza da dor de Cristo se aprecia da inteireza da dor e da tristeza” (3 p. q. 46 a. 6).

Tal foi a vida de nosso Redentor e tal foi a sua morte, inteiramente desolada. Ao morrer na cruz, privado de todo o alívio, procurava alguém que o consolasse, mas não encontrou:

“Busquei alguém que me consolasse e não o encontrei” (Sl 68,21).

Não encontrou então senão escarnecedores e blasfemadores que lhe diziam:

“Se és o Filho de Deus, desce da cruz. Salvou os outros e não pode salvar-se a si mesmo” (Mt 27,40 e 42).

E assim o aflito Jesus, achando-se abandonado de todos, se voltou para seu eterno Pai; vendo, porém, que até seu Pai o havia abandonado, deu um grande grito e exclamou num lamento supremo:

“Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?” (Mt 27,46).

E assim terminou a vida nosso Salvador, morrendo como ele predisse por Davi, submergido numa tempestade de ignomínias e de dores:

“Eu cheguei ao alto mar e a tempestade me submergiu” (Sl 68,3).

Quando nos sentirmos desolados, consolem-nos com a morte desolada de Jesus Cristo; ofereçamos-lhe então a nossa desolação, unindo-a com a que ele inocentemente padeceu no Calvário por nosso amor.

Ah, meu Jesus, quem não vos amará, vendo-vos morrer assim desolado e consumido de dores para pagar os nossos pecados? E eu sou um dos carrascos, que tanto vos afligi durante toda a vossa vida com a vista de meus pecados. Mas já que me chamastes à penitência, concedei-me ao menos que eu participe daquela dor que sentistes das minhas culpas durante a vossa paixão. Como posso procurar prazeres, eu que tanto vos afligi com os pecados de minha vida? Não, eu não vos peço prazeres e delícias, eu vos suplica lágrimas e dor: fazei que eu viva o resto de minha vida chorando sempre os desgostos que vos dei. Abraço vossos sagrados pés, ó meu Jesus crucificado e desolado, e assim eu quero morrer. Ó Maria, Mãe das dores, rogai a Jesus por mim.

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