Meditação para o Domingo na oitava da Ascensão
SUMARIO
Continuaremos as nossas meditações sobre a solidão interior, e consideraremos três das suas principais vantagens:
1.° Glorifica a Deus;
2.° Santifica-nos;
3.° Faz a nossa felicidade.
— Tomaremos depois a resolução:
1.° De nos unirmos muitas vezes do coração durante toda a semana com Maria e os Apóstolos recolhidos no Cenáculo;
2.° De vigiarmos sobre todos os movimentos da nossa imaginação, do nosso espírito e do nosso coração, para os reprimir de pronto e fortemente;
3.° De examinarmos a nossa alma em certos momentos prefixos, para ver se só Deus nela habita e reina plenamente.
O nosso ramalhete espiritual será a palavra da Imitação:
“Esvaziai bem vosso coração, para viver só com Deus” – Omnibus evacuatis et licentiatis, solus cum uniaris (III Imitação 8, 5)
Meditação para o Dia
Transportemo-nos pelo pensamento ao Cenáculo e, unindo a nossa oração à de Maria e dos Apóstolos, que ali estão juntos, tributemos a Jesus Cristo, sentado à mão direita de seu Pai, adoração, louvores e amor. Supliquemos-Lhe, que nos faça compreender as vantagens da solidão interior e amá-la e praticá-la.
PRIMEIRO PONTO
A Solidão Interior glorifica a Deus
A alma, que tem a coragem de se separar, dentro em si, de tudo o que não é Deus, para se entregar toda a Deus, lhe diz com isto mesmo, que só Ele é tudo, que tudo o mais é nada; que o mundo e todas as criaturas juntas não merecem, que ela pense neles, nem lhes tenha afeição, que ela pertence só a Deus, e quer pertencer-Lhe para sempre; que Ele só lhe basta, porque só Ele é todo o bem – omne bonum (Ex 33, 13). Ora há alguma homenagem mais digna da majestade divina? Que podemos tirar de nós mesmos, que a glorifique mais e Lhe prove melhor essa suma estima e preferência, que Lhe são devidas por tantos títulos? Tomamos nós a peito glorificar a Deus assim? Consultemos a nossa consciência.
SEGUNDO PONTO
A Solidão Interior santifica-nos
Toda a perfeição Cristã se reduz a dois pontos: desprender-nos das criaturas e unirmo-nos a Deus. Ora ambos se cumprem admiravelmente na solidão interior. Aprendemos ali a desafeiçoarmo-nos do mundo e de nós mesmos: do mundo, porque vemos claramente o seu nada; de nós mesmos, porque com os olhos sempre abertos sobre o nosso próprio corado, vemos todas as nossas misérias, e reconhecemos quanto somos desprezíveis. Oh! Como todas as criaturas parecem insignificantes a quem as considera no silêncio da solidão interior, e como o coração se desaferra delas voluntariamente! Mas ao mesmo tempo, como Deus se patenteia então o que é verdadeiramente, isto é, o só grande, o só amável, o só perfeito! Escuta, alma minha, escuta dentro em ti: não nesse lugar, em que a imaginação cria os seus fantasmas, mas nesse lugar mais profundo, onde a verdade se faz ouvir, onde se recolhem as puras e simples ideias; escuta, e lá no íntimo do teu coração soará sem ruído esta palavra divina:
Só Deus é tudo; só Deus é grande, tudo o que não é Deus é nada.
Ouvindo esta palavra, cativada das belezas desse Ser supremo, tu O buscarás cheia de amor, e logo o acharás, aproximando-se de ti com incomparável bondade, segundo a palavra do seu Apóstolo:
“Chegai-vos para Deus, e ele se chegará para vós” – Appropinquate Deo, et appropinquabit vos (Zc 4, 8)
Assim se completa na solidão interior a união divina. A alma cativada por tão belo encontro, exclama então com a esposa dos Cantares:
“Achei aquele, a quem o meu coração ama ; aferrei d’ele, e não o largarei” – Inveni quem diligit anima mea: tenui eum, nec dimittam (Ct 3, 4)
Conservá-lo-ei na solidão do meu coração, e aí permanecerei só com Ele, só sem outro desejo senão o da Sua presença, só sem outro amor senão o Seu, só sem outra vontade senão a Sua (1). Oh! Que rápidos progressos fazemos então na virtude! Nada achamos difícil, porque temos conosco o Deus forte; nada penoso, porque está conosco o Deus de toda a consolação. Não somos já tentados a parar no caminho da perfeição, porque é Deus mesmo que nos impele.
TERCEIRO PONTO
A Solidão Interior faz a nossa Felicidade
A solidão interior é o delicioso lugar designado para se reunirem o Criador e a criatura. Ali ama-se a Deus, goza-se da Sua presença, e a alma feliz e tranquila exclama como os Apóstolos no Tabor:
“Bom é que aqui estejamos” – Bonum est nos hic esse (Mt 17, 4)
Ali tem-se uma vida escondida, mas está escondida com Jesus Cristo em Deus (2). Que mais é preciso para ser feliz? Ali conversa-se deliciosamente com Deus; e em comparação de uma palavra de Deus, que são todas as palavras dos homens? (3). Ali não entram as notícias do mundo; mas as do céu lá descem todos os dias: todos os dias revela à alma belezas desapercebidas até então, e a alma extasia-se (4). Ali os vãos prazeres do mundo ficam à porta; mas Jesus Cristo indeniza-a disso com as Suas deliciosas consolações, com a Sua abundante paz. Oh! Quanto se ganha na troca, até em prazer e felicidade! Ó solidão, diz São Jerônimo, paraíso da terra, caminho do céu! Ó deserto, onde se goza da familiaridade de Deus! Ó alma cristã, que fazeis no século, vós, que sois maior que o mundo? (5). Ali finalmente está o tabernáculo, onde a alma se esconde como na face de Deus, longe da perturbação dos homens e da contradição das línguas; a forte torre onde reina um contínuo sossego, uma paz não interrompida, porque o homem inimigo não pode atingi-la (6); e é ali que é bom estar desde que o sol nasce até que se põe, e durante a noite tantas vezes quantas o sono se retire das pálpebras; é ali, que é bom trabalhar e descansar, orar e conversar, finalmente fazer todas as coisas.
Como temos nós procedido a respeito da solidão interior? Temo-la formada em nós e conservamo-la pela prática do recolhimento de espírito?
Resoluções e ramalhete espiritual como acima
Referências:
(1) Tenui eum, nec dimittam
(2) Vitam abscondita cum Christo in Deo (Cl 3, 3)
(3) Narraverunt mihi iniqui fabilationes, sed non ut lex tua (Sl 118, 85)
(4) Anima mea liquefacta est, ut locutus est (Ct 5, 6)
(5) O solitudo, paradisus suscipiens in caelum! O eremus, familiarius Deo gaudens! Quid agis, frater, in saeculo, qui major es mundo? (Hier., ad Hel.)
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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo III, p. 90-94)