O Evangelho de São Mateus 27, 27-30
Os soldados do governador, Conduzindo Jesus ao Pretório, reuniram em torno dele toda a corte, e despojando-o das suas vestes, o cobriram com um manto de púrpura. Depois entrelaçando uma coroa de espinhos a puseram sobre a cabeça, e na mão direita uma cana. Ajoelhando-se diante dEle, o escarneciam os soldados, dizendo:
“Deus te salve, rei dos Judeus!”
E lhe davam bofetadas, e cuspiam-lhe na face, e tomando a cana, batiam-lhe na cabeça.
Depois da flagelação, a coroação de espinhos. Ainda não bastavam os açoites. A crueldade dos inimigos de Jesus prepara-Lhe uma coroa de agudos e penetrantes espinhos que ferem a Sacrossanta cabeça do Redentor. E batem com a cana para que mais fundo penetrem os espinhos. Terrível suplício! Jesus se vê abandonado e entregue às zombarias e insultos dos inimigos.
Batem-Lhe na face e zombam da sua realeza dizendo:
— Deus te salve, Rei dos Judeus!
A cabeça, parte tão delicada e sensível do corpo, sofre mais quando ferida. Que dor intolerável a daqueles espinhos a rasgarem a fronte do Redentor! O sangue corre e embebe-Lhe os cabelos e desce pela face e a barba. Segundo os comentadores, esta coroa de espinhos tinha a forma de um capacete de espinhos, trançados de modo a envolver toda a cabeça. E batida com a cana descia até quase à altura dos olhos rasgando a fronte, penetrando com dores incríveis nas têmporas. Jesus, numa febre ardente, uma sede o devora e os seus membros estremecem todos. Que suplício horroroso, é o Vosso, ó meu Divino Redentor! E tudo para expiação de nossos pecados de pensamentos, nossos pensamentos de orgulho, de sensualidade, de ódio e vingança, enfim pensamentos que ofendem a Deus e mancham nossa alma.
O profeta anunciara que o Salvador seria coberto de feridas da cabeça aos pés.
A planta pedis usque ad verticem non est in eo sanitas – “Da planta dos pés à cabeça nada existe nele são”
Tudo está ferido, profetizou Isaías. De todo corpo porém sofreu mais a cabeça. Ei-la banhada em sangue e toda rasgada pelos espinhos! Pecou Adão, cabeça do gênero humano e por ele entrou no mundo o pecado. Sofre Jesus, o novo Adão, em sua humana cabeça para reparar os crimes do homem pecador, do homem, cabeça da humanidade .
O Rei coroado por zombaria é apresentado ao povo:
Ecce Homo! Eis o Homem!
Ecce Rex vester! Eis o Vosso Rei!
O povo Judeu não o quis por Rei. Nós, porém, vos queremos ó Jesus. Sede o único Rei de nossas almas! Fazei que ao meditarmos este mistério doloroso possamos compreender melhor a malícia de nossos pensamentos maus e perversos ou escandalosos!
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Fruto: A Mortificação do Espírito
Não basta mortificar os sentidos. As mais duras austeridades de nada nos haviam de valer se nosso espírito continua orgulhoso, e obstinado. Havemos de ir à fonte. Batemos o que há de mais grosseiro e aparente com a mortificação dos sentidos. Pela mortificação do espírito atingimos ao mais sutil. Dominemos nosso espírito pela mortificação.
Diz o padre Monsabré:
“Morte a estes pensamentos e desejos inúteis e vãos que nos impedem o recolhimento interior. Morte a esta avidez de glória de bens frívolos, de brilho no mundo, da estima dos homens. Morte a esta hipocrisia que nos leva a querermos parecer sempre maiores e melhores do que somos.
Morte a esta curiosidade indiscreta de querer tudo saber e a este orgulho da ciência e da razão.
Morte a estas ideias de independência que sempre tenta se subtrair ao jugo da obediência e desrespeita as Autoridades.
Morte a este amor-próprio cheio de suscetibilidades, e sempre em contradição com os outros.
Morte a estas pequeninas invejas, antipatias, rancores que perturbam o coração e tiram a paz da alma.
Morte a estas afeições muito sensíveis e que escravizam o coração e o afastam do amor Divino. Morte a esta piedade que só procura na devoção o sensível, o doce, o agradável e foge sempre das cruzes e provações”
Há muito que mortificar em nosso espírito.
Basta examinar cada dia o nosso orgulho, este nosso eu insuportável e atrevido, para sentirmos a necessidade da mortificação de nosso espírito. A cabeça coroada de espinhos de nosso Divino Redentor, nos ensine como devemos mortificar nosso espírito. Sem esta mortificação interior, que valem as mais sangrentas disciplinas e as maiores austeridades?
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A Intenção: Pelos que Governam
Um Rei coroado de espinhos, o Rei dos Reis, é o eterno modelo dos que sentem a responsabilidade de governar os homens. Oremos pelos chefes de estado. Possam eles governar com sabedoria e justiça nesta hora de tantas e tão sombrias expectativas para o mundo! A Igreja nos faz rezar cada dia ante o Sacramento do Altar: — pelo chefe da nação e do estado! É um dever. E na hora presente um dever dos mais graves. Estadistas cristãos e conscienciosos, estadistas que façam respeitadas as leis de Deus e da Igreja, e compreendam a necessidade da religião para o povo. Oremos, sim, pelos que governam.
Nosso Divino Redentor coroado de espinhos é Rei, o Rei Eterno do mundo. E o seu reino não terá fim. Pois seja respeitado e amado o reinado de Jesus nas almas, por aqueles que reinam e governam o povo com uma autoridade que vem de Deus.
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EXEMPLO
Nossa Senhora Aparecida e o Rosário
A Padroeira do Brasil na imagem tosca achada no Rio Paraíba, se manifesta aos pobres pescadores que rezam o Terço em família. E faz seus primeiros milagres à hora em que rezavam o Terço. Ninguém vai à Basílica Nacional sem rezar o Terço aos pés de Maria.
Recordemos a história edificante desta devoção e vejamos como está ligada ao Rosário.
Um antigo manuscrito, que se guarda no Arquivo do Santuário e é do punho do então Vigário de Guaratinguetá, padre José Alves de Villela, sendo o original anterior ao ano de 1743, conta do modo seguinte o aparecimento da santa Imagem:
“No ano de 1717, em fins de Setembro, passando por esta vila de Guaratinguetá para as minas, o Governador delas e de São Paulo, o Conde de Assumar, Dom Pedro de Almeida, fez notificar pela Câmara aos pescadores, para que apresentassem ao dito Governador todo o peixe que pudessem tomar. Entre muitos foram a pescar Domingues Garcia, João Alves e Filipe Pedroso, em suas canoas. E principiando a lançar as redes no porto de José Correia Leite, continuaram até o porto de Itaguaçu, distância bastante, sem tirar peixe algum. E lançando João Alves a sua rede de arrasto nesse porto, tirou o Corpo da Senhora, sem cabeça; e lançando mais abaixo outra vez a rede, tirou a cabeça da mesma Senhora, não se sabendo nunca quem ali a lançasse.
Guardou o inventor esta Imagem em um tal ou qual pano; e continuou a pescaria, não tendo até então tomado peixe algum, dali por diante foi tão copiosa a pescaria em poucos lanços, que receosos os companheiros de naufragarem pelo muito peixe que tinham nas canoas, se retiraram a suas vivendas, admirados deste sucesso.
Filipe Pedroso conservou esta Imagem seis anos, pouco mais ou menos, em sua casa, perto de Lourenço de Sá; e passando para a Ponte Alta, ali a conservou nove anos em sua nova casa. Daqui se passou a morar em Itaguaçu, onde deu a Imagem a seu filho Atanasio, o qual lhe fez um oratório tal qual; e em um altar de paus, colocou a Senhora, onde todos os sábados se ajuntava a vizinhança a cantar o Terço e mais devoções.
Em uma destas ocasiões, estando a noite serena, se apagaram repentinamente duas luzes de cera da terra, que alumiavam a Senhora; e querendo logo Silvana da Rocha acender as luzes apagadas, também se viram acesas, sem intervir diligencia alguma; foi este o primeiro prodígio.
Casos semelhantes se deram repetidas vezes, de modo que a fama se foi dilatando e chegou ao conhecimento do então Vigário de Guaratinguetá, Padre Alves de Villela. Este e outros devotos, lhe edificaram uma Capelinha, e, depois de demolida esta, edificaram no lugar onde hoje está, outra maior, com fervor dos devotos, com cujas esmolas tem chegado ao estado em que de presente está.
A bênção desta primitiva capela foi realizada a 26 de Julho de 1745. pelo padre Vilela, com licença do Bispo do Rio de Janeiro. Neste mesmo dia, 26 de Julho, festa da gloriosa Santa Ana, mãe de Nossa Senhora, se celebrou a primeira Missa no santuário.”
Nos anais do santuário de Aparecida, não lemos que Maria Santíssima tenha aparecido pessoalmente aos simples pescadores que tiveram a ventura de achar sua Imagem. Mas o encontro verdadeiramente extraordinário da estatua, os fatos milagrosos que se deram quando se começou a venerá-la, foram para eles e para todas as almas crentes uma revelação bastante clara da Virgem Mãe de Deus.
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(BRANDÃO, Monsenhor Ascânio. O Mês do Rosário, Edições do “Mensageiro do Santíssimo Rosário”, 1943, p. 185-193)