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São João não se dirigiu imediatamente para a diocese da Ásia. Um dever sagrado e caro o prendia ainda à Judeia, demorando-se junto da mãe de Deus, que se tornara sua, pelo legado divino da Cruz. Assim, apesar do encanto elevado da lenda, que dá Maria como vivendo em Éfeso, a crítica tem de renunciar a esta suposição completamente incompatível com a tradição, a cronologia e a história. Tudo faz crer que Maria ficou em Jerusalém, e ali morreu. Nessa hipótese, mais que verosímil, ela não se apartou dos lugares que lhe eram tão caros pelos passos de seu Filho. Ali, na cidade santa, pátria-mãe da fé, e ponto de encontro dos irmãos, fica ela com João até o seu derradeiro dia. Ali desce também ela ao túmulo que não devia guardar seus despojos; e assim compreende-se como, no tempo de São Jerônimo, o mausoléu da virgem era venerado no vale de Josafá, no mesmo lugar onde ainda o encontram os viajantes e os peregrinos. Qual foi a vida de Maria e do apóstolo na pobre casa onde João a recolheu ao descerem do Calvário? Ninguém o contou; e não sei mesmo se alguma língua humana seria capaz de repetir dignamente aquela conversação «que já era dos céus». Bossuet não se anima:«Dizer-vos, exclama ele, o que eram as ocupações e os discursos de Maria durante sua peregrinação, penso que não é cousa que os homens devam tentar. Quem poderia descrever a impetuosidade desse mútuo amor, para o qual concorria tudo o que a natureza tem de terno, tudo o que a graça tem de eficaz? É certo, cristãos, que podemos ter uma vaga ideia de todos estes milagres; mas imaginar qual era a veemência dessas correntes de chamas, nem mesmo os serafins, ardentes como o são, jamais poderão fazê-lo» (1)
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Entretanto a caridade começara seu reinado nessa bela comunidade da Igreja do cenáculo, que ia tornar-se o tipo ideal das Igrejas e cuja lembrança pura devia iluminar as últimas instruções de São João em Éfeso."Os discípulos perseveravam na doutrina dos apóstolos, na participação a fração do pão e na oração. Todos que acreditavam eram considerados iguais; seus bens estavam em comum. Iam orar juntos no templo, partindo o pão pelas casas com alegria e simplicidade de coração. Louvavam a Deus, agradavam ao povo, e cada dia via-se crescer o número daqueles que se haviam de salvar nesta união" (At 2, 42)Com efeito, o Evangelho não era mais o pequenino grão de mostarda da parábola; a árvore saia da terra. A verdade não se levantara ainda para os povos sentados à sombra da morte; mas uma cidade, uma província até então cismática, entreabria os olhos a claridade celeste; e, coisa extraordinária! Era esta mesma Samaria, outrora inóspita e sobre a qual João pedira a Jesus que fizesse descer o fogo do céu. Convertidos por Felipe, um dos sete novos diáconos, e batizados por ele, os Samaritanos esperavam que a mão dos apóstolos, únicos investidos do poder, lhes conferisse o Espírito Santo. Pedro foi designado para essa missão. João não podia separar se dele, partiram, pois juntos (1). Convinha que aquele que outrora chamara o fogo vingador sobre os Samaritanos, sabendo enfim agora de que Espírito era fizesse cair sobre suas cabeças mais propícia chama.
Conversão no Sanhedrin (Sinédrio)
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Os três anos passados na intimidade de Jesus Cristo, tinham feito de João a testemunha do Evangelho, e as relações familiares com o Filho de Deus são suficientes para explicar o seu conhecimento e garantir-lhe a sinceridade. Mas, quem nos explicará a nova energia, que vai fazer do discípulo predileto um apóstolo e um mártir, e essa transformação súbita e inefável, que do pescador de homem, fará hoje o mais sublime dos Evangelistas? Este espírito precisava ainda de um último raio de luz; era mister uma chama a este coração para fundir-se e tornar-se de bronze a alma fiel e terna. O Espírito Santo fez o milagre, o milagre necessário, sem o qual nada se explica, milagre que Jesus Cristo profetizara no Evangelho de São João. Foi unicamente em São João que a teologia referente ao Espírito Santo recebeu as revelações e os desenvolvimentos que formam um conjunto doutrinário completo. Conta-nos o discípulo que, na última entrevista de Jesus, na véspera de sua morte, os apóstolos ouvindo-O falar em partida, ficaram enternecidos; mas o Senhor lhes dissera:"Não se inquiete o vosso coração, porque meu Pai vos dará outro Consolador que ficará eternamente convosco"
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As memórias de João nos transportam em seguida a três dias mais tarde. O discípulo retirara-se para uma casa em Jerusalém, talvez sua própria casa, como o insinua São Lucas, na qual hospedara a mãe de Deus, e que Nicéforo e outros historiadores dizem estar situada na colina de Sion. Pedro ali se achava com ele, acabrunhado pelos remorsos (1). Foi ali que chegou à João a primeira notícia de um fato maravilhoso. No domingo pela manhã, entra precipitadamente uma mulher. Era Maria Madalena que corre e diz:Que foi? Que veio esta mulher contar? E o que tinha visto? Pela manhã algumas mulheres da Galileia, entre as quais o Evangelho cita Maria, mãe de Tiago o Menor ou o Justo; Salomé, mãe de João; Joanna, mulher de Chusa, da casa de Herodes, muito cedo se haviam dirigido ao sepulcro de Jesus. Era o sepulcro situado no centro de um jardim sobre a encosta da montanha do Calvário, e cavado no rochedo como se veem ainda os túmulos das Patriarcas e dos Reis de Judá. Essa gruta sepulcral e esse jardim eram de um Judeu distinto, José de Arimateia, que, auxiliado por Nicodemos, ali depositara o corpo do divino Mestre, depois de tê-lO perfumado e envolvido em tiras, como era costume no Oriente. Mas esse embalsamamento rápido, preparado às pressas na véspera de um sábado, era insuficiente. A fim, pois, de concluir o trabalho de piedade suprema, as santas mulheres para lá se dirigiam antes mesmo do amanhecer, levando consigo vasos cheios de aromas, inquietas, porém, perguntando-se entre si, quem levantaria a pedra que fechava o sepulcro."Levaram o Senhor do sepulcro e não sei onde o puseram" - Cucurrit ergo Maria Magdalene, et venit ad Simonem Petrum et ad alium discipulum quem amabat Jesus, et dicit illis: Tulerunt Dominum de monumento, et nescimus ubi pouerunt eum (Jo 20, 2)
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Depois do hino de ação de graças, Jesus Cristo, tendo dado o sinal para deixar o cenáculo, encaminhou-Se para o monte das Oliveiras, onde costumava orar durante a noite. Foi durante esse trajeto que fez a seus discípulos uma parte do discurso que nos transmitiu São João, e do qual precisa bem o lugar e as circunstâncias. Caminhavam juntos lentamente, por uma noite triste e suavemente iluminada pelo luar da Páscoa. E, ao atravessar as vinhas que, naquele lugar cresciam como grandes arbustos, Jesus, segundo o costume, tomava da natureza que se lhe antolhava, imagens capazes de melhor fazer compreender a sua doutrina."Eu sou, dizia ele, a verdadeira vida, e meu Pai é o agricultor. Eu sou a videira, e vós as varas. O que permanece em mim, e eu nele esse dará muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer" - Ego sum vitis vera, et Pater meus agrícola est... Ego sum vitis, vos palmite. Qui manet in me et ego in eo, hic fert fructum multum: quia sine me nihil potetis, facere (Jo 15, 1, 5).
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Se a Pessoa divina, que João nos mostra em seu Evangelho, só tivesse aparecido na terra durante alguns anos, para ir depois extinguir-Se irrevogavelmente pela morte, não deixando senão a lembrança histórica de uma beleza incomparável, porém para sempre desaparecida, teria sido para os homens o objeto de uma admiração religiosa, porém inconsolável. Teríamos considerado especialmente feliz e privilegiada a geração a que fosse dado o espetáculo da visita de um Deus; mas nosso amor ciumento perguntar-se-ia a si mesmo, porque nesta universal e imortal família de Jesus Cristo, só os homens de uma pequena cidade e de uma época longínqua tiveram a honra de Seu convívio divino. Parece mesmo que não teria sido conforme os conselhos e o amor d'Aquele que, segundo a expressão de Bossuet «não se arrepende de seus dons», e que, tendo nos dado seu Filho, se obrigava a no-lo dar de maneira permanente e digna. A presença de Jesus, pão de vida, na comunhão, ia resolver essas questões e satisfazer a essa necessidade de Deus e do homem. João no-lo ensinou, com os comentários colhidos dos lábios desse próprio Deus vivo e presente no meio de nós até o fim dos tempos. Os três outros historiadores das ações de Jesus nos contaram igualmente a instituição desse augusto Sacramento, mas somente no Evangelho de São João se lê sua promessa, natureza e maravilhosa virtude.I
Os três primeiros Evangelistas sobejamente nos mostraram nos acontecimentos que acabamos de expor, o lugar de São João e a prerrogativa com que foi honrado. É ele próprio que vamos agora ouvir. Falará de visu. Seu livro é um testemunho: tal é o nome que lhe confere com insistência, terminando-o (19, 36; 20, 25); além disso, sendo o discípulo amado do mestre, fala como testemunha íntima. Se recorda este título a cada instante, é porque esse privilégio lhe permitiu ver melhor, de mais perto e mais a fundo, até o recôndito da alma amante e amada! Se, pois, Justino o mártir pode dar aos quatro evangelhos a denominação comum de Memórias ou lembranças, quanto mais especialmente tal nome não se aplica ao Evangelho de São João! Esta qualidade também se justifica pela própria leitura. É a demonstração interna de autenticidade e de veracidade da narrativa, convém notar. Mil particularidades de lugar, de tempo, de estilo, revelam a presença pessoal do narrador, ao passo que reflexões ardentes ou profundas atraem o coração do amigo particular do Mestre. O que vimos, o que ouvimos, o que tocamos do Verbo de vida, nós vo-lo anunciamos, deveria ele escrever um dia. A nós também seu livro faz ver, ouvir e tocar com ele esse Verbo verdadeiramente vivo em sua narrativa. Em toda a parte o discípulo aparece sob a égide do Evangelista; seguimo-lo, por assim dizer, graças à irradiação de sua alma e ao sulco de seus passos.I
Jesus, tendo escolhido João e Tiago, tomou-os definitivamente para a sua companhia. Salomé não quis separar-se de seus filhos. Vemo-la, juntamente com algumas mulheres dedicadas da Galileia, seguir os passos de Jesus, ocupando-se da subsistência do Mestre e recebendo suas lições com os dois apóstolos seus filhos (1). O apostolado para o qual tinha sido convidado o filho de Salomé, devia ser o instrumento de salvação do universo. Mas era preciso que antes esses rudes pescadores sofressem uma transformação completa, e é esse trabalho que vamos estudar e admirar em São João. Com efeito, fundar a Igreja, constituir-lhe um espírito que é a caridade, um ensino infalível, que é a verdade, uma hierarquia, que é a autoridade; e depois, uma vez formada esta sociedade à imagem divina, dar-lhes as nações por herança, e deixá-la funcionar sob invisível assistência até o fim dos séculos: eis a ideia de Jesus, tal qual se vê no Evangelho. O seu fim não era, está claro, realizar diretamente por si mesmo a obra sobrenatural da conversão do mundo. Durante a vida, o Pastor só teve como rebanho algumas raras ovelhas do redil de Israel; e trinta anos de existência, três de pregação, de exemplos e de milagres, tendo como fim reunir ao redor de semelhante Mestre somente doze apóstolos e setenta e dois discípulos, provam bem que Ele não foi, e que não quis ser durante sua estada neste mundo, o conquistador das almas. Como Ele mesmo o explica, Ele não colhe, semeia. Semeia, e em seguida, certo de Si e do futuro, pela sua maneira divina, deixa ao tempo o cuidado de fazer brotar os gérmens. Nesta segunda criação, assim como na primitiva, contenta-se em criar os primeiros modelos das coisas e diz:Somente depois da Ascensão, no dia de Pentecostes, começará a pregação geral, universal. Será esse o trabalho dos apóstolos: o de Jesus Cristo é o de escolher, educar e formar os princípios de seu povo e os futuros ministros do reino de Deus."Crescei e multiplicai-vos"