Materiais com que se constrói o edifício espiritual
O edifício espiritual da alma é a prática das virtudes levada à perfeição. Uma casa grande e formosa não se pode edificar senão pouco a pouco, e à força de muitos trabalhos; é necessário que haja ordem e variedade; é necessário empregar nela diversos instrumentos e madeiras várias; assim também constrói-se por meio de diversas virtudes, exigindo-se trabalhos largos e gloriosos, uma constância invencível e outras virtudes. A longanimidade pode representar a longitude do edifício; a caridade sua largura, a esperança sua altura. Os quatro muros são as quatro virtudes cardeais: a prudência, a justiça, a fortaleza, a temperança. A humildade e a fé são seu fundamento e base; a paciência seu teto; os bons desejos suas vantagens; a observação dos Mandamentos sua porta, e o temor de Deus o porteiro; os Anjos são seus guardiões; a contemplação é sua sacada; a oração forma suas muralhas, e o cão que está de vigia noite e dia, é a vigilância; a alma é sua dona, e todas as virtudes são seus quartos e salas. O esposo é a vontade, a esposa é a modéstia; a família compõe-se das boas obras; os serventes são os sentidos que obedecem à alma; a mesa é a Sagrada Escritura; o pão, a Eucaristia, o fogo, o Espírito Santo; o ar, o bom exemplo; o óleo, a misericórdia e a mansidão; o leito, a tranquilidade da consciência; os remédios, os Sacramentos; os médicos, os Sacerdotes; os hóspedes, o Pai, o Filho, o Espírito Santo, a Virgem Santíssima e os Anjos da Guarda.Necessidade da doçura
Cuidai de que não desapareça jamais a mansidão de vosso coração, diz Santo Agostinho: De corde lenitas non recedat (Medit.). Não vos vingueis por vossa própria conta, mas dai lugar a que passe a cólera, diz São Paulo: Non vos metipsos defendentes, sed date locum irae (Rm 12, 19). Deixai passar a ira, isto é, guardai silêncio, cedei aquele que se enfurece, sede dóceis, sofrei com paciência a injúria, não digais nada até que a calma tenha modificado vosso coração para que caiba nele a doçura e a caridade. Irmãos meus, diz São Paulo aos Gálatas, se alguém cair desgraçadamente em algum delito, vós que sois espirituais, cuidai de levantá-lo com doçura, refletindo naquilo que se passa com cada um de vós mesmos, e temendo cair, como ele, na tentação: Fratres, et si praeoccupatus fuerit homo in aliquo delicto; vos, qui spiritales estis, hujusmodi instruite in spiritu lenitatis, considerans te ipsum ne et tu tempteris (Gl 6, 1). Jesus Cristo, diz Santo Agostinho, pronunciou estas palavras: Aprendi de mim, não a fazer um mundo, não a criar as coisas visíveis e invisíveis, não criar outras maravilhas aqui na terra, nem a ressuscitar os mortos; mas, sim, aprendei de mim como ser manso e humilde de coração: Discite a me, non mundum fabricare, non cuncta visibilia et invisibilia creare, non ipso in mundo mirabilia facere, et mortos suscitare; sed quoniam mitis sum et humilis corde (Serm. de Verb. Dom. in Matth.).Causas da discórdia
Donde provém as guerras e os pleitos entre vós?, pergunta o Apóstolo São Tiago. Não são vossas paixões que combatem em vossa carne? Unde bello et lites in vobis? Nonne hinc, ex concupiscentiis vestris quae militant in membris vestris? (Tg 4, 1). A discórdia é infernal e diabólica; emana de Lúcifer, que foi o primeiro a introduzi-la entre os Anjos no Céu. Uma das fontes da discórdia é a cobiça e avareza, fundando-se, na maioria das vezes, nas palavras: o teu... e o meu. Outro manancial de discórdias é o orgulho, dizem os Provérbios: Inter superbos semper jurgia sunt (Pr 13, 10).É preciso que sejamos desprendidos
A fim de que o espírito, ocupado tão somente com os bens temporais, não ponha menos cuidado em possuir os eternos, o cristão deve ter tanta confiança na divina Providência, diz São Gregório, que, ainda quando não se possa procurar o necessário para a vida, deve estar bem convencido de que o necessário nunca este haverá de lhe faltar: Tanta debet esse in Deum fidúcia, utpraesentis vitae sumptibus quamvis non provideat, tamem sibi hos non desse certissimar sciat; ne dum mens ejus occupatur ad temporalia, minusprovideat aeterna (Pastor.). Não leveis ouro, nem prata, nem dinheiro algum em vossos bolsos, disse Jesus Cristo a seus discípulos: Nolite possidere aurum, neque argentum, neque pecuniam in zonis vestris (Mt 10, 9). Quando viajares, não leveis nem alforje, nem duas túnicas, nem duas sandálias, nem tampouco cajado: Non meram in via, meque duas tunicas, neque calceamenta, neque virgam (Mt 10, 10)[1].Necessidade de não adiar nossa conversão
É preciso converter-se, e converter-se logo. É preciso apressar nossa marcha, correr para nossa conversão, diz São João Crisóstomo: Cum opus est, et vehementi cursu (Homil. ad pop.). É preciso dispor-nos prontamente a seguir nossa viagem, porque o caminho é longo e a vida é curta. A vocação[1] de Deus insta-nos; há perigo no adiamento! Não tardes em converter-te ao Senhor, não adies (a tua conversão) de um dia para o outro, diz o Eclesiástico: Non tardes converti ad Dominum, et ne differas de die in diem (Eclo 5, 8). Quem é aquele que, tendo apanhado uma víbora, não a solta imediatamente? Quem teria em sua casa um inimigo capital, um assassino? Quem aguentaria sustentar o fogo na mão? O pecado mortal é uma víbora, um assassino, um fogo devorador. Por conseguinte, assim que o sintamos em nosso coração, devemos expulsá-lo. Santo Agostinho declara, com amargas lágrimas, o tempo que tardou em converter-se:Por que, pergunta-nos o Senhor no Eclesiástico, por que vós vos atrasais? Vossas almas estão ardendo de sede? Qui adhuc retardatis? Animae vestrae sitiunt vehementer (Eclo 51, 32).“Ó Formosura, sempre antiga e sempre nova, exclama ele, quanto tardei em vos amar!” (Lib. Confess.).