





Ocorre-me outra consideração, e não de pequena utilidade, quando medito na sede de Cristo crucificado. Parece-me, pois que o Senhor disse: Tenho sede, no mesmo sentido em que disse à samaritana: Dá-me de beber; porque pouco depois, explicando o mistério do que lhe dissera, acrescentou:Como poderá, porém ter sede, quem é fonte de água viva? Não falava Cristo de si, quando no Evangelho: Se alguém tem sede, venha a mim e beba? (Jo 7) e não é Ele mesmo aquela pedra, de que fala o Apóstolo aos Coríntios (1Cor 10): Bebiam da pedra, que os seguia, e a pedra era Cristo? Não é Ele aquele mesmo que diz aos Judeus por Jeremias (Jer 2): Abandonaram-me, sendo eu a fonte d’água viva; e para si cavarem cisternas, cisternas rotas, que não podem conter a água. Parece-me, pois que estou vendo Cristo na Cruz, como numa elevada atalaia, vendo todo o mundo cheio de gente sequiosa, e desfalecida pela sede, e que o mesmo Senhor, compadecido, quando sofria a Sua sede corporal, daquela sede geral do gênero humano, gritara: Tenho sede, isto é, estou sem dúvida sequioso, porque se esgotou já o humor do meu corpo: esta sede, porém breve terminará, mas a minha maior sede é de que os homens conheçam pela fé que eu sou a verdadeira fonte de água viva, e de que venham a mim e bebam, e não tornem a ter mais sede."Se conhecesses o dom de Deus, e quem é que te pede, que lhe dês de beber, talvez tu lhe pedisses, que te desse água viva"
O Antigo Testamento explica-se a maior parte das vezes pelo Novo, porém neste mistério da sede do Senhor as palavras do Salmo 68 podem ter-se como comentário do Evangelho; pois nele não se diz claramente, se os que ofereceram vinagre ao Senhor, na Sua sede, o fizeram por obséquio, se para mais O atormentarem; isto é, se por amor, se por ódio. Nós com São Cirilo tomamos a má parte aquele oferecimento do vinagre: são, porém, tão claras as palavras do Salmo, que não carecem de explicação; e delas colheremos o fruto de aprendermos de Cristo a termos a sede que devemos ter: a sede da salvação. As palavras do profeta são as seguintes:Por isso os que a Cristo, Senhor Nosso, deram pouco antes de ser crucificado, vinho misturado com fel, e os que depois de crucificado, Lhe ofereceram vinagre, eram daqueles de quem Ele se queixa, dizendo: Esperei por quem tomasse parte, etc."Esperei por quem tomasse parte na minha tristeza; e ninguém a tomou; esperei que alguém me consolasse; e ninguém me deu consolação, na minha fome deram-me fel, e vinagre na minha sede"
O segundo fruto desta terceira palavra colhe-se do mistério das três mulheres, que estavam junto da Cruz do Senhor; pois Maria Madalena representa os penitentes e os que começam a sê-lo; Maria de Cléofas os proficientes; Maria, Mãe de Cristo e Virgem, os perfeitos; e com ela podemos também reunir São João, virgem, e que dentro em pouco tempo havia de ser perfeito, se ainda não o era. São aqueles os únicos que se acham junto da Cruz do Senhor; porque os que vivem em pecado e não tratam de fazer penitência, afastam-se da Cruz que é a escada do Céu. Além disto todos os que estão junto da Cruz, tem motivo para lá estarem; pois precisam do auxílio do Crucificado, os penitentes ou incipientes estão em guerra aberta com os vícios e apetites desordenados, e muito precisam do auxílio de Cristo, nosso General, para se animarem a combater, vendo-o a lutar contra o Dragão, e não querendo descer da Cruz, sem dele obter completo triunfo, assim o diz o Apóstolo na sua Epístola aos Colossenses:"Despojou os Principados e Potestades, e os trouxe confiadamente publicamente deles em si mesmo, e pouco antes Encravando na Cruz a cédula do decreto, que havia contra nós" (Col 2)

Esta divulgação universal devia ser em breve a do Evangelho de São João. O apóstolo começou por endereçá-la em pessoa aos fiéis da Ásia. Esse é, cremos, o fim de sua primeira Epístola. Seu Evangelho dizia: No princípio era o Verbo... A Epístola, fazendo alusão a isso, começava por estas palavras idênticas: O que foi desde o princípio, o Verbo da vida, vo-lo anunciamos. Pediram-lhe que escrevesse o Evangelho, acabava de fazê-lo; e desta satisfação dada à Igreja dizia:"Vi um anjo voar pelo meio do céu, levando o Evangelho eterno, para o anunciar aos que habitam na terra, e a toda a nação, tribo, língua e povo. Dizendo em alta voz: Temei ao Senhor e o honrai; porque chegou a hora de seu juízo. Adorai aquele que fez o céu, a terra, o mar e as fontes das águas" (1)
"Escrevemos estas coisas para que vos alegreis, e que a vossa alegria seja completa" - Et haec scribimus vobis, ut gaudeatis et gaudium vestrum sit plenum (1Jo 1, 4)


E mesmo que não tenhas perdido a inocência batismal, certamente já terás merecido um longo purgatório. Por isso alegra-te se fores castigado neste mundo e não no outro. Consola-te também nos sofrimentos internos com a esperança do céu. Recorda-te das palavras de São Paulo:"Recebemos o que mereciam nossas ações” (Lc 23, 41).
“Os padecimentos deste mundo não tem comparação com a glória futura que será manifestada em nós” (Rom 8, 18)
Se tua vida te parecer insuportável, olha para teu divino Salvador, que te precede, carregando a cruz. Ouve o que Ele diz:“O que aqui é para nós uma tribulação momentânea e ligeira produz em nós, de um modo maravilhoso no mais alto grau, um peso eterno de glória” (2 Cor 4, 17)
Teu Salvador vai sempre adiante, e só pára ao chegar ao monte Calvário, para ai morrer por ti. Acostuma-te a submeter-te já antecedentemente na oração a todos os sofrimentos que talvez te sobrevirão; assim procederam os santos e por isso estavam sempre prontos a abraçar todas as cruzes, mesmo as que lhes sobrevinham inesperadamente. Suplica, finalmente, ao Senhor instantemente que te conceda a graça da paciência, pois, sem a oração, nunca obterás essa grande graça. Justamente na oração encontraram os santos mártires a coragem para suportar os mais atrozes tormentos e a morte mais ignominiosa. Se recorreres ao Senhor com confiança, Ele te livrará dos teus padecimentos ou então te concederá a graça de suportá- los com paciência. Ele mesmo disse:“Quem quiser vir após mim, renuncie a si mesmo e tome todos os dias a cruz sobre si” (Lc 9, 23)
Sumário I. A sua natureza II. Da Paciência em Geral III. Da Paciência nas Enfermidades IV. Da Paciência nas Injúrias e Perseguições V. Da Paciência na Desolações Espiritual VI. Alguns avisos a respeito do Exercício da Paciência VII. A Abnegação e o Amor da Cruz no Redentor VIII. A Prática da Paciência IX. Orações para alcançar a Virtude do Mês“Vinde a mim todos que andais em trabalhos e vos achais carregados e eu vos aliviarei” (Mt 11, 28)


"Virgem, prudentíssima, trono da sabedoria, rogai por nós" - Virgo prudentissima, sedes sapientiae, ora pro nobis