TODO o amor se apoia numa tripeça. Todo o amor tem três bases ou sustentáculos: bondade, conhecimento e semelhança. Consideremos, em primeiro lugar, a bondade. Pode alguém enganar-se na escolha do que lhe parece ser bom, mas jamais poderá desejar alguma coisa, sem que acredite na sua bondade intrínseca. Buscava o filho pródigo algo de bom para si, algo que fosse capaz de lhe saciar a fome, quando tentou alimentar-se de bolotas; iludiu-se, apenas, no seu juízo, julgando que as bolotas eram alimento próprio de um homem. Todos nós estamos na mesma precária situação. Não deixamos de procurar encher a vida, o espírito, o corpo e as nossas casas de «bens», e nada aceitamos que, na ocasião, não nos pareça ter algo de bom em si. Os nossos juízos, porém, nem sempre são verdadeiros; podemos tomar falsamente um bem aparente por um bem real, e deste modo prejudicar-nos.
A TRAGÉDIA do homem de hoje, disse-nos um dia um grande e distinto psicólogo, é que ele já não acredita que tem uma alma para salvar. A este grupo dirigiu Nosso Senhor a bela parábola dos trabalhadores da vinha. Ao fim do dia, foi o dono da vinha à praça e disse:
Em certos lugares do Oriente, prevalece ainda este costume de os homens se juntarem, diante das mesquitas e nas praças públicas, com pás nas mãos, à espera de serem contratados.«Por que estais aqui todo o dia ociosos?»
NUNCA, como hoje, tiveram os homens tantos meios de poupar tempo. E nunca, como agora, tiveram tão pouco tempo de lazer ou de repouso. Contudo, poucos se dão conta disto: os reclamos criaram, na mentalidade moderna, a falsa noção de que lazer e não trabalhar são a mesma coisa, de que, quanto mais rodeados estivermos de ferrolhos e rodas, de interruptores e aparelhos, mais tempo temos ao dispor.
MUITO poucos, nos tempos que vão correndo, fazem aquela espécie de trabalho que gostariam de fazer. Em vez de escolherem, livremente, as suas ocupações, são forçados, por necessidade econômica, a dedicar-se a tarefas que não conseguem satisfazê-los. Dizem muitos: «eu deveria ocupar-me em alguma coisa de superior ao que estou agora a fazer», ou «este meu trabalho só é importante, porque mo pagam». Tal atitude está na base de tanto trabalho imperfeito e mal executado. O homem que escolhe o trabalho, porque este satisfaz a uma finalidade que se harmoniza com o seu modo de ser, é o único que se engrandece pelo trabalho. Verdadeiramente, só ele poderá dizer, quando chegar ao fim:
«Está acabado»
TODOS nós queremos a felicidade. Mas, se somos sensatos, todos deveríamos nos convencer de que no prazer há três leis, que, uma vez seguidas, tornarão a consecução da felicidade incomensuravelmente mais fácil. Primeira lei — Podemos contar com horas felizes; mas a vida não se há de planear como se constasse somente de horas felizes. O prazer é como a beleza; é condicionado pelo contraste. A mulher que quer fazer sobressair um vestido de veludo preto, não irá colocar-se, se tem o sentido da realidade, em frente duma cortina preta, mas duma cortina branca.
Há uma profunda diferença de qualidade entre os os bens possuídos, de que precisamos, usamos e realmente desfrutamos, e a acumulação de coisas inúteis, que amontoamos por vaidade, avidez ou desejo de ultrapassar os outros. A primeira espécie de posse é uma extensão legítima da personalidade: com o nosso amor enriquecemos um objeto que usamos muito, e ganhamos-lhe afeição. Podemos notar estas duas espécies de propriedade quando observamos as crianças: a que só possui um brinquedo, enriquece-o com o seu amor. A amimada com muitos brinquedos à sua disposição, rapidamente se enfastia e deixa de sentir prazer em qualquer deles.
CADA um de nós é que dá cambiantes sombrios ou luminosos ao que nos rodeia. Podemos, por um esforço criador, inundar a nossa alma de tal luz que torne esplendentes os acontecimentos que se cruzarem com o nosso caminho. Por outro lado, podemos cair num estado de depressão íntima tão profunda e tão cheia de melancolia que só os mais intensos impulsos externos dos sentidos serão capazes de nos despertar da apatia.
NIETZSCHE, filósofo do século XIX, tentou exprimir a índole da sua época, afirmando:
E, com isto, quis dizer que, neste período, os homens iam perdendo a fé. Lançou também olhar profético para o futuro e predisse que o século XX seria de guerras e revoluções. Estas duas afirmações estão ligadas por lógica mais profunda do que o inventor da filosofia do «super-homem» imaginava. Na verdade, os homens que deixaram de amar a Deus, não amarão, por muito tempo, o próximo, e encontrarão particular dificuldade em procurar amar este próximo especial, que é o seu inimigo.«Deus morreu»
TEM o mundo moderno um estranho amor ao subterrâneo... às caves profundas e escuras da existência humana, à introspecção, à análise das regiões subconscientes da nossa vida. Esta atração é, em parte, uma reação contra o extremo oposto. Há cem anos, julgavam os homens que a sua vida alcançara um novo e mais alto escalão. Falavam dum progresso fatal, da vitória sobre a morte, da transformação dos homens em deuses, da conversão da terra num Paraíso. Agora, a presunção dos nossos antepassados deu lugar ao desespero atual. O homem, que sofreu a vertigem duma altura artificial, caiu no abismo do mais terrível desespero. O seu entusiasmo desmedido degenerou em tédio, a sua esperança em prazeres mais intensos deu lugar à saciedade, a sua demasiada complacência em inebriantes expectativas abriu caminho à náusea.
FEZ-NOS Deus do nada... do nada absoluto... e é bom que lembremos, de vez em quando, este fato. Porque Deus nos fez, somos preciosos; mas, porque viemos do puro nada, jamais podemos vangloriar-nos de autossuficiência. E, porque viemos de Deus, temos um desejo insaciável de voltar a unir-nos com a Sua Vida, Verdade e Amor. Mas, como também somos filhos do nada, estamos tão dependentes d’Ele, como, os raios solares, do sol. Quando São João Batista viu, pela primeira vez, Nosso Senhor, o seu sentimento do nada obrigou-o a dizer:
Esta atitude não implica qualquer humildade falsa, nem fingimento, desmentido pelos fatos, de que ele ou o seu trabalho fossem sem valor algum. Foi antes o simples reconhecimento de que até a estrela mais brilhante tem de se ofuscar ao raiar do sol nascente.«Convém que Ele cresça, mas que eu diminua»