Parte II
Capítulo XIV
1. Até aqui ainda não falei do Santíssimo Sacrifício e Sacramento do altar, que é para os exercícios de piedade o que o sol é para os outros astros.
A Eucaristia é, na verdade, a alma da piedade e o centro da religião cristã, a qual se referem todos os seus mistérios e leis. É o mistério da caridade, pelo qual Jesus Cristo, dando-Se a nós, nos enche de graças dum modo tão amoroso quão sublime.
2. A oração feita em união com este sacrifício divino recebe uma força maravilhosa, de sorte que a alma, Filotéia, cheia das graças de Deus, da suavidade de Seu espírito e da influência de Jesus Cristo, se acha naquele estado de que fala a Escritura quando diz que a Esposa dos Cantares estava reclinada sobre o seu Dileto, inundada de delícias e semelhante a uma nuvem de fumaça que o incenso mais precioso levanta para o céu, aromatizando o ar.
3. Faze o possível para arranjar o tempo necessário de ouvir todos os dias a Santa Missa, a fim de oferecer juntamente com o sacerdote o sacrifício do teu divino Redentor a Deus, seu Pai, por ti mesma e por toda a Igreja. São João Crisóstomo nos afirma que os anjos a Ele assistem em grande número, para honrar com Sua presença este mistério adorável.
Não devemos duvidar que, unindo-nos com Ele num mesmo espírito, tornemos o céu propício a nós, enquanto a Igreja triunfante e militante se ajunta com Jesus neste ato divino, para ganhar-nos nEle e por Ele o Coração de Deus, Seu Pai, e merecer-nos todas as Suas misericórdias.
Que dita para uma alma poder, concorrer para isso algum tanto, por uma devoção sincera e afetuosa!
4. Se absolutamente não podes ir a igreja, é necessário então suprires a falta da presença corporal pela espiritual; nunca omitas, numa hora da manhã, ir em espírito aos pés do altar, identificar a tua intenção com a do padre e dos fiéis e ocupar-te com este santo sacrifício, em qualquer parte que estiveres, como o farias, se estivesses na igreja.
Proponho-te em seguida um método de ouvir a Missa devotamente.
a) Desde o começo da Missa até o padre subir ao altar, faze com ele a preparação, que consiste em te apresentares a Deus, em confessares a tua indignidade e em pedires perdão de teus pecados.
b) Depois de subir o padre ao altar até ao Evangelho, considera a vinda e a vida de Nosso Senhor neste mundo, lembrando-te delas com uma representação simples e geral.
c) Do Evangelho até depois do Credo considera a pregação de Nosso Senhor; protesta-lhe sinceramente que queres viver e morrer na fé, na prática de Sua palavra divina e na união da santa Igreja Católica.
d) Do Credo ao Pater Noster aplica, teu espírito a meditação da paixão e morte de Jesus Cristo, as quais se representam atual e essencialmente neste santo sacrifício, que oferecerás em união com o padre e com todo o povo a Deus, o Pai de misericórdia, para Sua glória e nossa salvação.
e) Do Pater noster a comunhão, excita teu coração, por todos os modos possíveis, a querer ardentemente unir-se a Jesus Cristo pelos laços mais fortes do eterno amor.
f) Da comunhão ao fim, agradece a sua divina majestade, por Sua encarnação, vida, paixão e morte e também pelo amor que nos testemunhou neste santo sacrifício, conjurando-O por tudo isso a ser propício a ti, a teus parentes e amigos e a toda Igreja e, ajoelhando-te em seguida com profunda humildade, recebe devotamente a bênção que Nosso Senhor te dá na pessoa de Seu ministro.
Querendo, no entanto, fazer no tempo da santa Missa a tua meditação habitual, escusa-te seguir este método. Será suficiente fazer no começo a intenção de assistir a este santo sacrifício, tanto mais que quase todas as práticas deste método se acham sintetizadas numa meditação bem feita.
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(SALES, São Francisco de. Filoteia ou a Introdução à Vida Devota. Editora Vozes, 8ª ed., 1958, p. 112-114)