A PSICANÁLISE significa, etimologicamente, exame da alma; esta espécie de psicanálise, levada a efeito pelo próprio indivíduo, é valiosa. Ao examinar a sua própria alma, qualquer um de nós pode aprender cinco verdades gerais acerca de todos os seres humanos:
I. Há uma dualidade em todos nós; temos consciência de uma tensão entre os nossos ideais elevados e a sua tênue realização, do conflito entre o que devemos fazer e o modo como agimos, de uma luta entre o nosso eu, com o seu anseio pela supremacia, e as restrições impostas à nossa vontade pelas outras pessoas, com os seus desejos opostos aos nossos. Há conflito entre o nosso desejo de sermos isentos de toda a restrição e a escravidão dos maus hábitos a que nos teremos de sujeitar se nos libertarmos de restrições; entre o anseio de sermos nós próprios, e o fato de que os nossos melhores prazeres constantemente nos alheiam de nós próprios. Este estado de tensão é endêmico no homem.
II. Este conflito é reservado ao homem: os animais não conhecem tais agonias de indecisão entre os dois bens aparentes, solicitando-os, simultaneamente, em diferentes direções. Esta diferença indica-nos a causa de todas as nossas tensões: é que o homem tem uma alma imortal, e os animais não têm. Nós, homens, estamos atormentados por conflitos, porque estamos suspensos entre o finito e o infinito; somos como escaladores de montanhas a meio da ascensão, que aspiram atingir o cume e estremecem com medo de cair no abismo.
III. Sendo todos nós um composto de corpo e alma, cada um tem de fazer escolha entre as duas direções, em que se pode mover: pode subir acima de si próprio ou descer abaixo do seu estado atual. Pode superar o nível humano, buscando a Deus com todo o ardor apaixonado da sua alma; ou pode deixar-se cair no desespero, na desilusão, na melancolia dos que cessarem de procurar a Bondade. Na verdade, as fronteiras da natureza humana podem ser transpostas numa ou noutra direção: para cima pela fé, ou para baixo para a loucura. Todos os homens, em todas as horas, se movem para um ou outro estado; não é normal ficar-se no nível meramente humano, pois os nossos próprios «egos» são demasiado estreitos e abjetos para servirem de residência adequada à nossa alma imortal.
Os homens e as mulheres que, negligenciando todos os esforços para tornar melhor a sua alma, afirmam que mesmo assim são felizes, estão simplesmente mentindo a nós e a eles: o seu desespero pode ser ainda invisível, mas é latente e real. Que uma crise sobrevenha a essas pessoas, e a angústia, que esconderam, torna-se assaz evidente. Os suicídios entre os que perdem o seu dinheiro ou que são contrariados nos seus amores, revelam que apenas um tênue e ilusório substituto do amor que lhe devia encher a vida os salvou, até agora, do seu profundo desespero da bondade do universo.
IV. Mas se a única alternativa para nós está entre a busca de Deus Infinito para quem fomos criados e a agonia do desespero, por que haveremos jamais de voltar as costas ao Eterno?
Há duas barreiras que separam os homens de um destino feliz, e qualquer delas pode levar os pusilânimes a recuar e a cair no desespero. Alguns homens não querem fazer o esforço intelectual de procurar a verdade pela verdade, de tentar descobrir o que é a vida no seu total significado, de reprimir de tal modo o orgulho que estejam prontos a admitir que Deus possa ser outro diferente da sua presente concepção a respeito d’Ele, e que, para chegar até Ele, têm ainda muitas outras coisas a aprender e a crer. Essa recusa impede o orgulhoso de atingir a felicidade. Mas há um outro obstáculo para crer: a recusa de aceitar Deus por causa das exigências que essa crença nos faria, e porque não nos atrevemos a enfrentar a vida sem os hábitos de sensualidade, avareza e egoísmo que a Fé nos pediria para abandonar.
V. O homem que, na verdade, «entra em si mesmo», nunca fica contente com o que lá encontra: a vacuidade interior pode conduzi-lo ao desespero. Mas há duas espécies de vacuidade: o grande vácuo de um desfiladeiro que nunca se encherá e o vácuo expectante de um ninho, com a concavidade bastante profunda para receber os novos passarinhos. Também há duas espécies de desespero: o desespero satânico, que recusa dar entrada à graça de Deus, e o desespero criador daqueles que permitem que a sua miséria seja ressarcida por Deus. O primeiro modo de desespero foi o de Judas, que se foi enforcar. O segundo foi o de David, que exclamou:
«Tem misericórdia de mim, ó Deus; tem misericórdia de mim»
Uma vez que tal misericórdia é oferecida a todos os que desesperam da sua própria confusão e conflitos e imperfeição, segue-se que o pecado nunca é a pior coisa que pode acontecer ao homem. A pior coisa é a obstinação em não reconhecer os seus pecados. Pois, se somos pecadores, há um Salvador. Se há um Salvador, há uma Cruz. Se há uma Cruz, há uma maneira de a ajustar à nossa vida, e a nossa vida a ela. Quando se fez isto, o desespero é banido e gozamos da «paz que o mundo não pode dar».
Voltar para o Índice do livro Rumo à Felicidade, de Fulton Sheen
(SHEEN, Dom Fulton. Rumo à Felicidade – WAY TO HAPPINESS. Tradução de Dr. A. J. Alves das Neves, pároco de São Pedro da Cova. Livraria Figueirinhas, Porto, 1956, p. 153-156)