Livro II. EXORTAÇÕES À VIDA INTERIOR
Capítulo V
1. Não podemos confiar muito em nós, porque freqüentemente nos faltam a graça e o critério. Pouca luz temos em nós e esta facilmente a perdemos por negligência. De ordinário também não avaliamos quanta é nossa cegueira interior. A miúdo procedemos mal e nos desculpamos, o que é pior. Às vezes nos move a paixão, e pensamos que é zelo. Repreendemos nos outros as faltas leves, e nos descuidamos das nossas maiores. Bem depressa sentimos e ponderamos o que dos outros sofremos, mas não se nos dá do que os outros sofrem de nós. Quem bem e retamente avaliasse suas obras não seria capaz de julgar os outros com rigor.Livro I. AVISOS ÚTEIS PARA A VIDA ESPIRITUAL
Capítulo II
1. Todo homem tem desejo natural de saber; mas que aproveitará a ciência, sem o temor de Deus? Melhor é, por certo, o humilde camponês que serve a Deus, do que o filósofo soberbo que observa o curso dos astros, mas se descuida de si mesmo. Aquele que se conhece bem se despreza e não se compraz em humanos louvores. Se eu soubesse quanto há no mundo, porém me faltasse a caridade, de que me serviria isso perante Deus, que me há de julgar segundo minhas obras? ESTÁ a multiplicasse, no mundo moderno, um novo tipo de homem. Se algum leitor vier a reconhecer aqui o seu próprio retrato, que pare, reflita e mude. O novo homem é o homem-massa, que já não preza a sua personalidade, mas pretende submergir-se na coletividade ou multidão.
A PSICANÁLISE significa, etimologicamente, exame da alma; esta espécie de psicanálise, levada a efeito pelo próprio indivíduo, é valiosa. Ao examinar a sua própria alma, qualquer um de nós pode aprender cinco verdades gerais acerca de todos os seres humanos: I. Há uma dualidade em todos nós; temos consciência de uma tensão entre os nossos ideais elevados e a sua tênue realização, do conflito entre o que devemos fazer e o modo como agimos, de uma luta entre o nosso eu, com o seu anseio pela supremacia, e as restrições impostas à nossa vontade pelas outras pessoas, com os seus desejos opostos aos nossos. Há conflito entre o nosso desejo de sermos isentos de toda a restrição e a escravidão dos maus hábitos a que nos teremos de sujeitar se nos libertarmos de restrições; entre o anseio de sermos nós próprios, e o fato de que os nossos melhores prazeres constantemente nos alheiam de nós próprios. Este estado de tensão é endêmico no homem.
CADA um de nós é que dá cambiantes sombrios ou luminosos ao que nos rodeia. Podemos, por um esforço criador, inundar a nossa alma de tal luz que torne esplendentes os acontecimentos que se cruzarem com o nosso caminho. Por outro lado, podemos cair num estado de depressão íntima tão profunda e tão cheia de melancolia que só os mais intensos impulsos externos dos sentidos serão capazes de nos despertar da apatia.
NIETZSCHE, filósofo do século XIX, tentou exprimir a índole da sua época, afirmando:
E, com isto, quis dizer que, neste período, os homens iam perdendo a fé. Lançou também olhar profético para o futuro e predisse que o século XX seria de guerras e revoluções. Estas duas afirmações estão ligadas por lógica mais profunda do que o inventor da filosofia do «super-homem» imaginava. Na verdade, os homens que deixaram de amar a Deus, não amarão, por muito tempo, o próximo, e encontrarão particular dificuldade em procurar amar este próximo especial, que é o seu inimigo.«Deus morreu»