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Os Ociosos da Praça

Capítulo 16. Os Ociosos da Praça - Livro Rumo à Felicidade, de Fulton Sheen
A TRAGÉDIA do homem de hoje, disse-nos um dia um grande e distinto psicólogo, é que ele já não acredita que tem uma alma para salvar. A este grupo dirigiu Nosso Senhor a bela parábola dos trabalhadores da vinha. Ao fim do dia, foi o dono da vinha à praça e disse:

«Por que estais aqui todo o dia ociosos?»

Em certos lugares do Oriente, prevalece ainda este costume de os homens se juntarem, diante das mesquitas e nas praças públicas, com pás nas mãos, à espera de serem contratados.

Esta história tem uma explicação espiritual e refere-se a diferentes espécies de ociosos. Além dos ociosos propriamente ditos, há os que são meros preguiçosos, sem nada que fazer. Muitos são ociosos no sentido de que laboriosamente se ocupam de bagatelas, afadigados com trabalhos que não têm real valor. Muitos são ociosos por uma constante indecisão, e outros perdem o mimo por desconhecerem a finalidade da vida. Aos olhos humanos não há muitos ociosos, mas, quando os olhos do Céu contemplam a terra, esta deve parecer-se a uma vasta praça, onde poucos trabalham. Para Deus, toda essa atividade em adquirir riquezas, casar e dar em casamento, comprar e vender, estudar e pintar, são tudo meios para alcançar o supremo e final objetivo, que é a salvação da nossa alma. Todo o dispêndio de energias humanas que estabelece como fim o que é um meio, que isola a vida da finalidade da vida, é uma ociosidade ativa, uma triste e deplorável vacuidade.

Não obstante esta nova e austera definição de ociosidade, dada por Nosso Senhor, muita esperança, contudo, nos sugere esta parábola, pois alguns foram contratados à hora undécima, e receberam tanto como os que trabalham o dia inteiro. Nunca é demasiado tarde para a graça de Deus. É um típico fato psicológico que todos aqueles que se voltam, tarde, para Deus, geralmente consideram perdidos todos os seus anos passados. Refletindo Santo Agostinho na sua mocidade malbaratada, dizia:

«Quão tarde Te amei, ó Beleza Antiga»

Não há casos desesperados; não há vida que esteja tão gasta que não possa ser ressarcida; nem há nenhuma ociosidade tão inveterada que impeça se trabalhe utilmente alguns minutos na vinha do Senhor, mesmo às últimas horas da vida, como aconteceu com o ladrão arrependido.

Quando o Senhor, ao fim do dia, deu a cada um o mesmo salário, os que tinham suportado o peso do dia e do calor queixaram-se de que aqueles que tinham vindo, à undécima hora, recebessem a mesma coisa. Ao que o Nosso Divino Senhor retorquiu:

«Acaso o teu olho há de ser mau por que eu faço bem?»

A ideia da recompensa não se deve imiscuir no serviço de Deus. Aqueles que levam uma vida virtuosa durante quarenta anos, e depois protestam contra a salvação dos recém-chegados, têm espírito mercenário. Em todos os atos do homem verdadeiramente espiritual, a inspiração vem do amor e não do desejo da recompensa. Não se pode falar de recompensa de um verdadeiro amor matrimonial, sem insultar marido e esposa. Ao afeto com que uma criança cinge com os braços o pescoço materno ou que conserva a mãe desperta em vigílias mais longas que as das pacientes estrelas, não pode associar-se a recompensa. Também não pode associar-se ao heroísmo de um homem que arrisca a vida para salvar a outrem. Da mesma maneira, os que se dedicam quotidianamente a uma piedade sincera ficam tão encantados, fascinados, glorificados pela sua entrega abnegada como qualquer destes.

A ociosidade física corrompe o espírito; a ociosidade espiritual, o coração. A ação conjunta do ar e da água pode converter uma barra em ferrugem. Portanto, a todas as horas, o homem que se encontra na praça deve perguntar-se a si mesmo:

«Por que estou eu aqui ocioso?»

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(SHEEN, Dom Fulton. Rumo à Felicidade – WAY TO HAPPINESS. Tradução de Dr. A. J. Alves das Neves, pároco de São Pedro da Cova. Livraria Figueirinhas, Porto, 1956, p. 59-61)