ENTRE muitos pensadores superficiais de nossos dias, há tendência para ensinar que todo o ato humano é um reflexo sobre o qual não podemos ter domínio. Desejariam classificar a ação generosa como não digna de mais apreço que o pestanejar, o crime como não mais voluntário que um espirro. Esses falsos pensadores julgam que o homem está «condicionado» a agir desta ou daquela maneira, sem liberdade de eleição nem responsabilidade pelas suas boas ou más ações. Afirmam que o crime e o pecado são causados por falta de campos de jogos, ou por um traumatismo de infância, que transformou a vítima em «criança difícil» e a impediu, para sempre, de se «adaptar» à realidade e às suas exigências.Tal filosofia malbarata, radicalmente, toda a dignidade humana. Confunde comportamento, que é humano, com o simples agir, que é animal. Ignora as faculdades espirituais do homem, que o habilitam a não se subordinar aos seus impulsos e não ceder à tentação do expediente mais fácil, por causa da sua dedicação a um ideal. Esta falsa concepção da natureza humana, contradiz a experiência do próprio senso comum: não se é compelido a ler este capitulo, nem se é compelido a pô-lo de parte. E, assim, nestes três minutos que se seguem, pode ter-se a consciência de gozar de liberdade para seguir um ou outro rumo. Em todos os momentos da nossa vida, atua em nós o poder da escolha.
«Eu não podia deixar de o fazer», é a mais fraca e a mais inverossímil desculpa. É particularmente preferida pelos mentirosos, que dizem:
«Ela perguntou-me a opinião sobre o seu chapéu novo, e não podia dizer-lhe a verdade!»
Mas por que não? A verdade nunca ofende, se for dita com caridade e bondade. «Mas eu tinha de…» não é desculpa aceitável para cometer qualquer pecado, e mentir é um pecado.
A ideia de que os homens agem por «forças» mais poderosas que a sua vontade, é grandemente perigosa no palco social. Mesmo o assassinato é justificado por alguns, que dizem que a necessidade econômica torna as guerras inevitáveis. Ninguém, em tempos de fé, falou alguma vez de guerras como uma necessidade. As guerras são feitas por homens, não por economias, e os homens, em épocas mais sensatas, que a nossa, passavam por ser agentes livres, que decidiam do próprio destino.
São Tiago disse-nos:
«Donde vêm as guerras e as contendas entre vós? Dir-vos-ei donde elas vêm: das concupiscências que infestam os vossos corpos mortais. Os vossos desejos tornam-se insaciáveis, por isso matais; invejais e não podeis satisfazer o vosso desejo, por isso há litígios e guerras»
Não é a guerra atômica que de si mesma há de vir; os homens é que hão de decidir no seu coração se tal guerra virá ou não. Não é a bomba inerte que gera os problemas do nosso tempo, mas a crueldade dos homens. Um montão de bombas nas mãos de São Francisco de Assis seria tão inofensivo como uma flor. Uma só bomba, porém, nas mãos de um Ditador Soviético (ou de um Presidente que a queira lançar), pode ameaçar Nova Iorque ou provocar uma escandalosa calamidade em Hiroshima.
A tradição cristã atribui o mal a uma escolha pessoal, a um ato da vontade livre que abusa da liberdade que Deus deu ao homem. A liberdade é, hoje, sumamente exaltada nos discursos dos políticos, mas é apenas a liberdade política que eles elogiam; ninguém toma o microfone para lembrar ao ouvinte que cada indivíduo é moralmente livre, que os seus pecados são responsabilidade sua. Tal liberdade é ridicularizada; por vezes, temos de espirrar… Por conseguinte, segundo estes pensadores avariados, temos de pecar e nada é capaz de o impedir. Esta tentativa para negar a liberdade do homem converteria, caso ela triunfasse, as pessoas em outros tantos animais.
A «moralidade de espirro» tem especiais atrativos para aqueles que desejam escapar à voz da consciência. Anseiam por acreditar numa filosofia que lhes permita ser cruéis, mentirosos e orgulhosos, sem sentirem remorsos. A sua própria consciência, a sua razão incorrupta dizem-lhes que aquilo que estão a fazer é mau, e que serão responsáveis por isso. Para se subtraírem a este conhecimento incômodo, tentam alguns subornar a sua consciência, de modo que esta apresente uma versão mais favorável. Criam uma nova moralidade, de tal modo calculada que se ajuste às suas ações e as dê como boas. Como a verdadeira consciência era causa de desassossego, então vão inventar uma falsa consciência que os tranquilize e lisonjeie.
O homem que assim criou uma nova consciência, arvorou-se em rival de Deus, capaz de determinar o bem e o mal. Quando faz algo de bom (como contribuir para uma obra de caridade, com a publicação de seu nome nos jornais), chama a si toda a honra. Quando faz algo de mau, dirá: «é porque nasci assim» ou «a minha infância foi infeliz e por isso não se pode esperar de mim melhor proceder».
As falsas consciências parecem triunfar — mas só nas horas claras do dia. No entretanto, nas noites longas, os moralistas de espirro são atormentados pelo remorso e o seu desassossego é a Voz de Deus, intimando-os a sair da escravidão, a que a si mesmos se reduziram, para a gloriosa liberdade de filhos de Deus.
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(SHEEN, Dom Fulton. Rumo à Felicidade – WAY TO HAPPINESS. Tradução de Dr. A. J. Alves das Neves, pároco de São Pedro da Cova. Livraria Figueirinhas, Porto, 1956, p. 210-213)