TODOS os jovens estão cheios de incertezas e de ansiedade latente, porque a vida não foi ainda reduzida à unidade. O imediato e o presente solicitam-nos com tal ímpeto que não se dão conta de uma meta e finalidade predominante. Para encobrir este penoso estado, o jovem, muitas vezes, imagina-se o que um psicólogo poderia chamar um «super-ego». Não é uma imagem diferente de si mesmo, mas antes a imagem de alguma coisa que o aperfeiçoará e reconduzirá à unidade. Este «super-ego» é o que desejamos ser, para completar a nossa personalidade e o que, por vezes, receamos nunca vir a ser. É quase como a bolota imaginando o roble, o botão, imaginando a flor e o alicerce, o teto. É a satisfação de todas as aspirações, a realização dos nossos sonhos.
«Os jovens sonham sonhos e os velhos contemplam visões»
Os jovens olham para a frente, os velhos para trás. Os jovens, como o arroio, olham para o mar, que os inundará de alegria; os velhos, como o mar, olham para trás, para os arroios.
Por isso, no amor juvenil, há uma inclinação para admirar aqueles que lhes completam a imperfeição. Isto nada mais é que o amor de Deus, que é quem pode satisfazer as aspirações do coração. É, portanto, incapaz de amar, aquele que se considera plenamente satisfeito, que não tenta atingir a perfeição de que está privado. Todo o jovem se enamora da imagem do possível, isto é, do seu sonho em marcha, da sua vacuidade repleta, dos seus anelos satisfeitos. Gustavo Thibon disse, uma vez, que «toda a mulher promete o que só Deus pode dar». Com isto quis afirmar que o amor, a que todo o coração aspira, é infinito; a mulher parece dá-lo ao homem, mas, na realidade, o que quer o homem, não é o amável, mas o Amor, que é divino. Na literatura, não é raro encontrarmos mulheres delineadas com os traços do possível, por exemplo, a Beatriz de Dante. De fato, não se sabe se Beatriz algum dia existiu. Mas certamente a sua influência foi maior assim, porque perdurou como o ideal possível. Trazemos dentro de nós as linhas mestras da imagem do nosso ideal. Um dia, vemos este ideal; e, embora se chame «amor à primeira vista»: logo que se viram, logo se amaram, talvez ele fosse aquilo que sempre se amou, mas ainda não se vira; pelo menos, assim se pensa. O nosso ideal ou «super-ego» pode induzir-nos a procurar situações favoráveis para o ver realizado, como o homem, que gosta de bater-se em duelo, procura a companhia dos duelistas. A juventude busca, por toda a parte, a pessoa que há de completar o circuito interior, que há de preencher um desejo que, no fundo, é de Deus, mas que, por algum tempo, coloca outrem no Seu lugar. Todos amam mais o todo que a parte. Portanto, todos amam mais a Deus que o Seu amor refletido nas criaturas. Mas quase sempre não se chega a tomar consciência desse amor.
O grande mistério da vida não é realmente desejar ser amado, mas ser amado. Temos necessidade de amor, porque somos imperfeitos, mas não é fácil compreender por que se há de amar o imperfeito. É por isso que todos os amantes se consideram indignos. O amado está sobre um pedestal, o amante está prostrado, confessando a sua indignidade. O amor apresenta-se sempre como um dom imerecido. Abandonar ou ser infiel a esse amor é ferir toda a personalidade, porque isso destrói a imagem do ideal que lá estava primeiro. Destruir a imagem do possível é condenar-se à angústia, que palpita na verdade das cruéis palavras de Ovídio:
«Não posso viver contigo, nem sem ti»
Este «super-ego», ou ideal, ou imagem do possível, manifesta-se de diversos modos no jovem e na donzela. No primeiro, há prazer em demonstrar que ela é o ideal. Assim ele racionaliza o seu ideal, provando a si mesmo e aos outros que o ideal se concretizou. No entretanto, ela esforça-se por intensificar a ideia de que é ideal, movendo-se nos céus cristalinos da imaginação. Para atrair, ela dá a aparência de se distanciar, tornando-se o ideal supremo para o apaixonado. Mas, em ambos os casos, o verdadeiro e absoluto ideal não se encontra. Esse ideal é Deus. E só mais tarde é que a juventude verifica que aquilo a que ela aspirava era «o amor que nos escapa em todos os amores», o amor do Infinito, amado com «paixão sem paixão e ardente tranquilidade».
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(SHEEN, Dom Fulton. Rumo à Felicidade – WAY TO HAPPINESS. Tradução de Dr. A. J. Alves das Neves, pároco de São Pedro da Cova. Livraria Figueirinhas, Porto, 1956, p. 117-119)