ÊXTASE significa ser «arrebatado para fora de si mesmo», e falando em sentido lato, o fato mesmo de amar arrebata o amante para fora de si mesmo, levando-o a centrar os seus pensamentos, para além de si mesmo, no ser amado.
Os adolescentes ficam, por vezes, surpreendidos ao verificar que pessoas mais idosas descobrem que eles estão enamorados; denunciam-se pela distração sonhadora, pelo seu olhar imóvel para os espaços celestes e pela indiferença em coisas tais, como a hora das refeições. O amor «arrebatou-os para longe».Ainda é o amor que está na base de todas as histórias de professores distraídos, que, em noites chuvosas, vão deitar o guarda-chuva na cama, e depois se põem debaixo da bica dos canos dos beirais; as coisas do espírito que eles amam, arrebataram-nos para fora do lugar ambiente. Qualquer grande amor tem efeito semelhante: faz o amante indiferente à fadiga física e à sordidez que o envolva. A cabana de um homem e de uma esposa que se amem, é um lugar muito mais aprazível do que os ricos aposentos do casal que cessou de amar. O amor de Deus gera uma indiferença maior ainda para com o nosso meio ambiente: um santo, como São Vicente de Paulo, foi levado tão longe no seu amor para com os pobres de Deus que se esquecia de se alimentar. Como da vida cristã escreveu Edna S. Vicente Millay:
«Se, em cada entardecer, fixares a tua tenda mais próximo da cidade do teu desejo e vislumbrares as suas portas cada vez menos distantes, deitar-te-ás sobre urtigas, deitar-te-ás com víboras, e mal notarás onde te encontras»
Há uma grande diferença, porém, entre o amor humano e o amor divino, embora ambos nos arrebatem para longe. No amor humano vem o êxtase, no princípio. Mas, quando se trata de amar a Deus, só se atinge o êxtase depois de muitas dores e agonias de alma. Nos prazeres corporais, encontramos, primeiro, a festa, mas depois o cansaço, e, possivelmente, dores de cabeça. Mas o espírito encontra, primeiro, o cansaço, e talvez dores de cabeça, mas como necessário prelúdio para a festa. Os prazeres estáticos, gozados por um jovem marido e esposa, no princípio do casamento, são, em certo sentido, «um engodo» para os induzir a realizar a sua missão de paternidade. A lua de mel é uma espécie de crédito divino, em que ficam empenhados aqueles que, mais tarde, pagarão as custas de criar família. Mas nenhum grande êxtase, quer do espírito, quer da carne, nos é dado em posse permanente, sem que tenhamos de o pagar. Todo o êxtase tem rotulado em si quanto custa.
«O primeiro fervor é falso fervor», tanto no casamento, como na religião. O êxtase inicial não é o amor verdadeiro e perdurável, que procuramos encontrar e possuir. Este pode vir, mas somente depois de muitas provações purificadoras, de fidelidade no meio da tentação, de perseverança, mau grado o desânimo, e de busca constante do nosso destino divino, para além das seduções do mundo. É uma coisa bela o profundo, estático amor de alguns pais e mães cristãos, mas só o conseguiram depois de subir o seu Calvário. É este o verdadeiro êxtase que pertence menos à juventude que à velhice.
O primeiro êxtase de amor é uma viva emoção, mas emoção algum tanto egoísta: nele, o amante procura obter do amado tudo o que ele é capaz de dar. No segundo êxtase, tenta receber de Deus tudo o que ambos podem dar. Se o amor estiver identificado só com o êxtase inicial, buscar-se-á o seu prolongamento na presença de outra pessoa; se estiver identificado com um amor unificante, constante e eterno, procurar-se-á aprofundar-lhe o mistério em Deus, que é quem deposita todos os amores nos corações.
Muitíssimos maridos e esposas esperam que o seu consorte dê o que só Deus pode dar; o êxtase eterno. Todavia, se algum homem ou mulher pudesse dá-lo, seria Deus. Temos razão em desejar o êxtase de amor; mas se esperamos gozá-lo por meio da carne, que está meramente em peregrinação para Deus, estamos a preparar uma decepção. O primeiro êxtase de amor não é ilusão, mas uma espécie de folha com indicações de viagem, um antegosto, uma antevisão, estimulando corpo e alma a continuar a jornada para as alegrias eternas. Se o primeiro êxtase passa, esta mudança não é convite para amar outra pessoa, mas para amar de outra maneira, e a outra maneira é o amor em Cristo. O amor terá de seguir esse caminho, porque Ele disse:
«Eu sou o Caminho»
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(SHEEN, Dom Fulton. Rumo à Felicidade – WAY TO HAPPINESS. Tradução de Dr. A. J. Alves das Neves, pároco de São Pedro da Cova. Livraria Figueirinhas, Porto, 1956, p. 90-92)