- São Cleto, Segunda Perseguição
- São Clemente e o Cisma de Corinto
- Terceira Perseguição
- Desterro e martírio de São Clemente
São Cleto, Segunda Perseguição
Os cristãos gozavam de alguma tranquilidade no reinado de Tito e de Vespasiano, posto que ainda não tivessem sido revogados os sangrentos decretos de Nero pelos quais todo aquele que tinha alguma autoridade podia perseguir, a seu capricho, os fiéis de Jesus Cristo.
Domiciano, a quem a história apelida de segundo Nero, ordenou que vigorassem novamente, e com maior rigor as leis de perseguição. No seu reinado São Cleto governou a Igreja doze anos. Este Pontífice nasceu em Roma, e ali o instruiu São Pedro na fé; trabalhou muito durante o pontificado deste e o de São Lino. Entre as obras que se lhe atribuem, acha-se a divisão da cidade de Roma em 25 quartéis ou seções; em cada uma das seções estabeleceu um sacerdote ou na sua falta um diácono, para que cuidasse das necessidades espirituais e temporais dos fiéis. Achava-se ocupado em propagar o Evangelho dentro e fora da cidade de Roma, quando Domiciano ordenou que se buscasse o chefe dos cristãos e que se lhe desse a morte. A impaciência do tirano em dar-lhe a morte poupo-lhe muitos e grandes suplícios; martirizaram-no no ano de 93. Autores dignos de fé dizem que São Cleto foi o primeiro que usou a fórmula: <<Saúde e benção apostólica>>, com que os Papas soem começar suas cartas.
São Clemente e o Cisma de Corinto
O quarto Pontífice é São Clemente; este era filho de um Senador romano chamado Faustino. Foi eleito para governar a Igreja depois do martírio de São Cleto. Entre as belas instituições deste Pontífice conta-se a dos notários ou escreventes, que se encarregavam de escrever com o maior cuidado a ordem dos sofrimentos dos mártires, e de todas as coisas que eles diziam ou faziam em presença dos juízes ou dos imperadores: esses escritos chamavam-se “Atas dos mártires”.
Causou-lhe muitos trabalhos e sofrimentos o cisma de Corinto, onde as discórdias intestinas tinham chegado a tal ponto que muitos dos fiéis, negando-se a acatar a autoridade da igreja, pretendiam eleger e consagrar sacerdotes à sua vontade. Crescendo o mal, pensou-se em apelar para a Igreja de Roma, mãe e mestra de todas as outras Igrejas, por uma extensa carta dirigida ao Sumo Pontífice. São Clemente depois de ter lido, respondeu aos Coríntios outra que constitui um importante documento da antiguidade cristã, e que como tal convém seja conhecida em seus pontos principais:
” À Igreja de Deus que está em Roma, à de Corinto e aos chefes que são chamados e santificados pela vontade de Deus em Nosso Senhor Jesus Cristo. Que a graça do Senhor onipotente se aumente sempre em vós.”
Fala-lhes em seguida da paciência, da doçura e dos benefícios de Deus criador, e continua da maneira seguinte:
“Se considerarmos quanto Deus está próximo de nós, e como nenhum pensamento pode ficar-lhe oculto, devemos certamente tratar de não fazer o que é contrário à sua Divina Vontade, e sujeitarmo-nos ao que Ele colocou sobre nós: devemos refrear nossa língua e dominá-la com o amor do silêncio.”
Segue recomendando-lhes que fujam do ócio e da moleza porque somente quem trabalha tem direito à vida, e continua assim:
“Portanto devemos fazer com zelo todo o bem que pudermos, porque Deus Criador se compraz em nossas obras. Cada um permaneça na ordem e no grau em que Deus por sua bondade o colocou. O fraco respeite o mais forte, o rico socorra o pobre, e o pobre bendiga a Deus pelo modo com que o provê. O sábio faça conhecer a sua sabedoria não por palavras, porém por boas obras. O humilde não fale com jactância de si mesmo, nem faça alarde de suas ações. Quem for casto não se orgulhe, pois o dom da castidade não provém dele. Os grandes não podem existir sem os pequenos, nem os pequenos sem os grandes. No corpo humano a cabeça nada pode sem os pés, nem os pés sem a cabeça. O corpo não pode passar sem o serviço dos mais pequenos membros”.
Expõe em seguida as virtudes e as obrigações próprias de todo o cristão para conservar mutuamente a caridade, e passa a fazer-lhes esta doce admoestação:
“Porque há entre vós divisões e rixas? Acaso não temos todos igualmente o mesmo Deus, o mesmo Jesus Cristo, o mesmo Espírito de graça derramado sobre nós, a mesma vocação em Jesus Cristo? Porque pois sendo seus membros fazemos guerra ao nosso próprio corpo? Somos tão insensatos que esquecemos que uns somos membros dos outros? Vossa divisão, ó fiéis! Tem desanimado alguns, pervertido muitos e nos tem mergulhado a todos na aflição. Cesse depressa este escândalo, prostremo-nos aos pés do Senhor; supliquemo-lhe com abundantes lágrimas, que nos perdoe e restabeleça a caridade fraterna.”
Os Coríntios tinham mandado à Roma um fervoroso cristão chamado Fortunato, para que expusesse à Santa Sé a triste divisão daquela cidade. São Clemente encarregou o mesmo mensageiro e mais quatro pessoas que levavam a carta, recomendando-lhes que voltassem logo. Concluía a carta dizendo:
“Mandai-nos o quanto antes, em paz com alegria Claudia, Efebo, Valério e Vitão, que vos enviamos com Fortunato para que nos tragam quanto antes a notícia da tão desejada, e por nós tão suspirada, paz e concórdia; deste modo nós também, mais prontamente gozaremos de vossa tranquilidade.”
A carta impressionou tanto o ânimo dos Coríntios , que arrependendo-se de suas faltas, reconciliaram-se com seus pastores, pediram perdão e veneraram todos as palavras do Vigário de Jesus Cristo que se achava em Roma.
Terceira Perseguição
O imperador Trajano, embora elogiado por alguns historiadores, como príncipe sábio e clemente, foi o autor da terceira perseguição. Estamos certos disto por sua resposta a Plínio, o moço, governador da Bitínia. Escrevera-lhe este uma carta, consultando-o qual a conduta que deveria ter para com os cristãos. Toda a sua culpa, lhe dizia, consiste em cantar hinos em honra de Cristo; são eles numerosíssimos e os há de idade e condição, nas cidades e nos campos, de forma que os templos de nossos deuses têm ficado quase desertos. Por outra parte sua conduta é pura e inocente; porém sua pertinácia em não querem acatar as ordens do imperador no que diz respeito à religião, é bastante para fazê-los dignos do maior castigo.
Tal é testemunho que dava um perseguidor dos cristãos do seu número e de sua santidade, Trajano lhe respondeu que não era necessário pena de morte, segundo a lei, toda vez que fossem acusados ou conhecidos; resposta absurda, porque se os cristãos eram culpados, porque não se devia persegui-los? E se eram inocentes, porque deviam ser castigados com pena de morte?
Desterro e martírio de São Clemente
Entre os mártires que padeceram o martírio no reinado de Trajano, conta-se o Pontífice São Clemente. Como pertencia ele a família nobre, o imperador quis ter para com ele algumas condescendências; aduziu razões, promessas e ameaças para induzi-lo a abandonar a fé, porém tudo foi em vão. Irritado o imperador o condenou às minas de Quersoneso Táurico, chamado hoje Criméia. Depois de uma viagem longa e penosíssima, chegou o santo Pontífice ao lugar de seu desterro, e foi obrigado a trabalhar com uma turma de malfeitores. Muito o consolou a nova de que no meio dos condenados àqueles trabalhos achavam-se cerca de dois mil cristãos, somente culpados de publicamente terem professado sua fé, os quais desejavam ter entre si um ministro sagrado da Religião.
O Pontífice ocupou-se logo de ajudá-los e de prodigalizar-lhe os auxílios da religião, e mitigou não pouco os seus sofrimentos com o seguinte milagre: como não havia água naqueles lugares, deviam transportá-la com grande trabalho de mais de uma milha de distância. À vista disto, São Clemente rogou a Deus por eles e no mesmo instante, como nos tempos de Moisés, brotou ali mesmo uma fonte perene de água cristalina, que satisfez as necessidades dos cristãos e dos pagãos. Semelhante milagre operado em presença de tão grande multidão, comoveu aqueles infelizes desterrados, e um grande número de infiéis abraçou a fé. O imperador, inteirado deste fato, escreveu ao governador do Quersoneso, ordenando-lhe que reprimisse e fizesse voltar à idolatria os recém-convertidos; porém eles preferiram perder a vida antes de abandonar sua fé. Ao mesmo Pontífice, que era seu chefe, ataram uma barra de ferro ao pescoço e o atiraram ao Mar Negro. Assim concluiu gloriosamente sua vida o quarto Pontífice, depois de ter governado a Igreja durante nove anos (anos 100).
Conta lenda antiga, que as águas do mar, depois da morte de São Clemente, se retiraram três milhas para dentro, deixando ver aos fiéis na praia um pequeno templo de mármore que encerrava o corpo do santo mártir. Confirma esta tradição uma pintura antiquíssima descoberta há anos em Roma, no subterrâneo da Igreja de São Clemente. (V. s. Efrem Siro).