“Caramba! Se o Luís não merece agora uma surra, então nunca mais! O cozido que ele nos preparou para o jantar de ontem! Horrível! Comemo-lo, é verdade; pois, quando se tem fome de lobo não se faz luxo, mas, à noite! Horror! — Ainda agora me vem suor frio, quando me lembro. Sonhei que me enterravam vivo. Vi claramente como me deitavam no caixão, e me desciam na cova, e os torrões a caírem, produzindo um som abafado. Esperneio... grito... em vão. Os torrões caem e caem, e cada qual deles cai diretamente sobre meu estômago e o comprime. Por que exatamente ali? E como pesam! Não aguento mais... Agora berro: Socorro!! Estão-me matando!— Uma lanterna elétrica projeta um facho de luz no meu rosto, acordo vejo rostos espantados ao redor... Que aconteceu? — Nada! — No dia seguinte, porém, quis dar uma sova no cozinheiro. Justamente entrava o professor para vi¬sitar a cozinha. Assim ele ficou ciente de tudo”
Mais uma vez o acampamento sofria o enfado produzido por monótonos dias de chuva. O vento ia tangendo grandes blocos de nuvens, e nós preparávamos as refeições dentro do abarracamento. O professor se assentou junto do Jorge, que demonstrara precedentemente formidável ignorância, quando perguntado acerca do corpo humano.
“Ora, que tapeação!” gania a voz exaltada de Jorge, debaixo duma árvore. Pelo tom devia ser mesmo alguma desilusão séria. Os rapazes, logo se acercaram: “Que história é essa de tapeação?” perguntaram três a uma voz.
“Refinado logro! Peguei um elatro e coloquei-o de costas, bem quietinho. Olhava-me tão sereno, que pensei que não podia mexer-se. Fazia como se não tivesse uma centelha de vida. De repente — hup! — Um salto, e desapareceu simplesmente, à francesa! Abandonou-me sem mesmo dizer adeus! Fiquei logrado!”Desiludidos os rapazes já iam debandar, quando o professor aproveitou o ensejo para uma conversa.
“Alô, rapazes! Depressa... Depressa!”Francisco soltara o grito de alarme da borda do mato. Todos, mesmo os mais lerdos, correram direitinho para ele, que estava debaixo de majestoso carvalho, ostentando vitorioso sua presa, entre os dedos estendidos.
“Vejam este escaravelho! Estava justamente saindo do carvalho”.De fato, era presa respeitável. Escaravelho tão vistoso, com antenas formidáveis como este, talvez riem o gabinete da História Natural do ginásio o possuísse. Na coleção de Francisco receberá naturalmente o lugar de honra. Atraído pelas expressões de júbilo, veio também o professor.
“Professor, o senhor prometeu contar-nos alguma coisa do caçador vermelho”. “Ah sim, o caçador vermelho. Foi num livro de um explorador do Brasil, que tive notícia dele. Um verdadeiro finório. 'Calicurgus annulatus' é seu nome científico. É uma vespa cor de sangue, própria do Brasil, e conta uns três centímetros de comprimento. Se ferir um homem, a vítima fica algum tempo entorpecida. O naturalista escreve: — É a hora da sesta, num dia cálido de verão. Nada se move, nem um pássaro pia... De repente, bem alto acima de minha cabeça, aparece um pequeno ponto que desce, descrevendo espirais sempre mais apertadas. É ele, o Calicurgus! Deve ter percebido alguma coisa lá do alto.
“Rapazes! Depressa! Aqui! Incrível!”, repercutiu a vozinha do Carlito pelo acampamento. Percebemos logo que nada de mal lhe sucedera, mas que devia ter descoberto alguma coisa. Todos desabalaram para lá. “Vejam só! — Um rato morto, passeando aqui pelo atalho”. “Que? Rato morto passeando!” “Bem, não é propriamente o rato; ele é arrastado por cinco besouros. — Já faz algum tempo que estou observando como eles se esfalfam; no entanto, conseguem levá-lo.”
Hoje de manhã; tempo claro e belíssimo, um bando de rapazes cercava o Carlos, ou melhor, o microscópio que ele trazia. Apareceu uma borboleta, e após uma caçada de quinze minutos, ele a apanhava. Afogueado voltava agora. “Como este malandro me cansou!”, suspirou ele. Depois colocou uma partícula pequenina da asa do inseto sob o microscópio. Era esse o motivo do ajuntamento.
“Oh, Carlos, deixe-me ver também! É realmente tão bonito?” “Ora! De assombrar! Maravilhoso!” “Vejam, rapazes”, disse o professor, “há pouco, nos extasiavam as estrelas imensamente grandes, e agora acontece o mesmo com coisas infinitamente pequenas. Examinem essa asa e sua finíssima contextura. Não há artista humano capaz de criar nada que apenas se assemelhe a isto. É esta a diferença, a obra humana é bela somente enquanto a consideramos em conjunto, a certa distância. Examinem com uma lente a mais linda pintura de Rubens, a mais célebre escultura de Canova, e que verão? No quadro, uma infinidade de traços de pincel; no rosto de bela estátua, horríveis irregularidades. Se, porém, colocarmos debaixo do microscópio uma obra do Criador, uma pétala insignificante, um fio de teia de aranha, uma asa de borboleta, uma gota d’água, suspendemos a respiração ante a magnificência que se nos depara na harmonia e perfeita adequação à sua finalidade. O próprio Diderot, o incrédulo escritor francês, dizia: — Um olho, uma asa de borboleta bastava para confundir um ateu”. “Sr. professor, olhe aqui, por favor”, gritou Carlos, “lá está uma mosca parada no ar! É como se estivesse dependurada, mas o fio não se enxerga. E produz um som tão esquisito!”
“Existe um pequeno besouro, o 'Rhynchites Betuleti', menor do que a mosca, — um matemático mais hábil do que a abelha. Esta só trabalha com logaritmos, enquanto que aquele, com cálculos diferenciais e integrais”. “E por que se dedica a tais horrores?”, perguntou Júlio espantado. “Ora, porque tem um problema difícil de resolver. Primeiro, ele é capaz de pôr somente alguns ovos, os quais, além disso, são extremamente susceptíveis ao calor e à umidade. Segundo, deve protegê-los contra os salteadores. Enfim, precisa cuidar de que as cegas larvinhas recém-nascidas encontrem imediatamente seu alimento. Imaginem agora: Se esse besourinho refletisse com seu juízo de inseto, que deveria ele pensar?
“Ai! Depressa! Onde está o amoníaco?!”Jorge era que cuidava da farmácia portátil. Francisco, que soltara tais gritos, tivera a desgraça de ser picado por uma abelhinha, justamente na ponta do nariz. Por isso, aquele barulho infernal. De nariz inchado saltava e pulava, enquanto segurava na mão o atrevido inseto morto.
“Veja só, que animal estúpido é a abelha, enquanto age tão inteligentemente em outras coisas”, começou o professor, quando amoníaco tinha aliviado um pouco as dores do rapaz. "Tola foi ela, quando lhe aplicou a ferroada, não sabia que o ferrão havia de quebrar e, com isso, estava condenada à morte. Sabem que a mesma abelha, em outros assuntos, por exemplo, na alta matemática, é mais versada do que muito bacharel?” “Na matemática? A abelha e matemática? Como pode rimar isso?” “Sentem-se, e ouçam”
“Vocês sabem que a função da folha é ainda muito mais assombrosa do que, a da raiz? A folha é o pulmão da árvore, com o qual respira; á também a boca, porque, assim como a raiz, ela deve ingerir parte do alimento, é ainda o estômago, visto como lhe cabe digerir e assimilar o alimento absorvido.” “Ah, sim”, observou Paulo. “Nós aprendemos que a árvore morre se a despojarmos de sua folhagem.” “Não é para menos. Prive a alguém de seus pulmões, boca e estômago!... Entretanto, as folhas podem corresponder a essa função complica da e múltipla, somente quando existem em número suficiente, têm uma forma adequada e estão expostas ao ar e à luz do sol na proporção exigida”. “E se as folhas fossem todas bem grandes, não seriam mais apropriadas para esse fim?”