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O Rosário, devoção brasileira

Nossa Tradição

Sim, pode-se afirmar com segurança e baseado na história da vida nacional: não há devoção mais querida e tradicional, no Brasil, que a devoção ao Rosário de Maria.

Uma das mais belas tradições religiosas do povo brasileiro é sem dúvida a devoção ao Rosário de Nossa Senhora. Não há quase velha cidade brasileira sem a Igreja do Rosário, ou a imagem tradicional da Virgem do Rosário. As Irmandades do Rosário são entre nós as mais antigas e veneráveis. O Terço é o objeto indispensável de devoção nas mãos do povo. Não se compreende mesmo entre nós piedade sem Terço, sem o Rosário bendito de Maria. O povo canta os seus Terços de promessa, reza o Terço em família diante do oratório, das imagens queridas, reza o Terço na Missa, e não compreende Reza solene, festa piedosa, Novenas, etc., sem o Terço!

Podemos afirmar que com a devoção à Santa Cruz, o Rosário é a maior e mais bela tradição piedosa da gente brasileira.

Já ouviram o povo cantar?

“Bendito e louvado seja
O Rosário de Maria
Se Ela não viesse ao mundo
Ai de nós o que seria!”

Feliz, mil vezes feliz e abençoado o povo que pode se orgulhar de uma devoção tão fervorosa à Mãe de Deus!

A doce proteção de Maria nos conservou até hoje a unidade na fé. Do Norte ao Sul do Brasil, as mesmas devoções e as mais tocantes tradições de fé. O mesmo fervor pelo Rosário. O brasileiro não entende o culto a Nossa Senhora sem o Rosário, sem o Terço querido.

E se o Rosário, no dizer de tantos Santos e doutores, e na palavra autorizada dos Papas é vida, é salvação, é a mais rica e mais bela devoção Mariana da cristandade, como devemos nos considerar felizes ao vermos enternecidos a alma do povo brasileiro aos pés da Virgem do Rosário!

Desde os tempos primitivos da catequese jesuíta aprendemos a rezar o Rosário de Maria. Fomos educados na contemplação dos mistérios do Rosário. É fato histórico incontestável. De todas as devoções do século XVI no Brasil, observa um historiador, a mais apta para fomentar a piedade entre os índios e nos Colégios, foi sem dúvida a de Nossa Senhora. A primeira Igreja construída pelos jesuítas teve a invocação de Nossa Senhora da Ajuda, e pouco depois recebeu outra o mesmo nome em Porto Seguro. Nossa Senhora da Ajuda ou Auxiliadora não é a Virgem do Rosário da Batalha de Lepanto, invocada nas contas do Rosário da cristandade dos tempos de Pio V? Todavia, outros nomes e títulos tiveram as Igrejas de Maria:

— Nossa Senhora da Assunção, Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora da Graça, Nossa Senhora da Esperança, Nossa Senhora da Escada, Nossa Senhora da Paz e Nossa Senhora do Rosário!

Eis, segundo os historiadores, Nossa Senhora do Rosário, entre as invocações mais tradicionais e primitivas da devoção de nosso povo a Virgem Santíssima.

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O Rosário, nossa Devoção Antiga

Recorro ao ilustre Padre Serafim Leite, na sua História da Companhia de Jesus no Brasil.

“É digno de menção, diz o historiador, que o primeiro poema escrito no Brasil tem por objeto Nossa Senhora: De Beata Virgine Dei Matre Maria, e tanto nos colégios como nas aldeias, introduziu-se o costume de se recitar o Rosário e cantar aos sábados a Salve Rainha, a canto de órgão, acudindo a gente com círios nas mãos”.

Em 1581 fizeram-se a aprovação dos Estatutos da Confraria de Nossa Senhora do Rosário da Bahia, e, em 1583 fundou-se em São Paulo a mesma Confraria com a singela e formosíssima cerimônia da bênção das rosas. Em 1584, o visitador por intermédio do procurador em Roma, Padre Antônio Gomes, pede os Estatutos de Nossa Senhora do Rosário para os estudantes. Neste mesmo ano se assinalam Confrarias de Nossa Senhora nas aldeias da Bahia. E ordenou o Padre Visitador, em 1586, que nos engenhos e fazendas em todo o Brasil, se instituísse para os índios e negros, a Confraria do Rosário com o fim de promover a piedade e instrução religiosa: piedade, obrigação de rezar o Rosário todos os dias santificados; instrução, porque comprometiam-se os que entravam na Confraria, a reunir-se naqueles mesmos dias para aprender a doutrina.

ANCHIETA, NOBREBA, os heróis que nos trouxeram a luz da fé, traziam consigo o Rosário de Maria e explicavam aos índios, os seus mistérios com muita graça e devoção. Em toda capela erigida nos sertões brasileiros, ouviam-se as Ave-Marias do Rosário, ora cantados, ora rezados com devoção. As naus portuguesas atravessam o oceano enquanto a maruja sob a direção de sacerdotes recitava cada dia o Rosário, até aportarem em plagas brasileiras.

Os jesuítas com o padre Antônio Vieira à frente introduziram mais tarde no Maranhão e em outras terras brasileiras o piedoso costume do Terço em família.

Não há devoção mais tradicional da família brasileira. Nossa gente foi educada, foi formada na vida espiritual, nas contas do Rosário de Nossa Senhora. É nossa glória. E agora, não é ao Rosário de Maria que todo o Brasil recorre cheio de confiança nesta hora de guerras e de sangue? O Rosário é sem dúvida a mais tradicional das devoções brasileiras!

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EXEMPLO

Vieira e o Rosário

Quem aí não conhece o grande padre Antônio Vieira, o rei dos clássicos e dos oradores da língua portuguesa? Pois dele escreve o padre Luiz Gonzaga Cabral, sem dúvida o Autor que melhor estudara a obra oratória e a personalidade daquele gênio:

“Se houve devoção em cujo apostolado se empregasse com ardor o zelo de Vieira esta foi sem dúvida, mais que todas, a devoção a Maria, a devoção ao Rosário”. (Vieira pregador — Livro I — cap. XII).

A obra oratória de Vieira se revela de uma incrível fecundidade e variedade em trinta sermões sobre as excelências, poderes e maravilhas do Rosário. Todos estes sermões sobre um mesmo assunto, e cada um encerra uma novidade, revela uma energia criadora, unia fecundidade e oratória que o colocam ao lado, senão superior a muitos dos maiores oradores da Igreja e dos mais eloquentes expositores. Não houve assunto mais pregado por Vieira que o Rosário de Maria. A publicação dos trinta sermões sobre o Rosário a fez ele em cumprimento de um voto feito e repetido várias vezes nos perigos que correra em sua vida agitada. “E sempre, pela imensa benignidade da Rosa Mística, Nossa Senhora do Rosário e sua poderosa intercessão sai livre”, disse ele.

O padre André de Barros, o clássico biógrafo de Vieira, nos revela como o genial orador amava o Rosário da Virgem. Eis como escreve:

“O amor à Senhora do Rosário o fez introduzir o Terço do Rosário Santíssimo. Em todas as embarcações que não eram de hereges o fazia rezar todos os dias por toda gente da nau; e foi isto com tanta felicidade que os marinheiros que tinham navegado com o padre Vieira continuaram em outras viagens a mesma devoção de que veio a pegar-se em todos os navios portugueses assim mercantes como de guerra este celestial contagio”.

Pois Vieira estava realmente contagiado pelo santo amor ao Rosário de Maria. Fez ecoar pelos oceanos em mil naves portuguesas os cânticos e o Rosário da Virgem. No Maranhão ordenou que se cantasse o Terço na Igreja, e ele próprio de sobrepeliz ia dizer as orações e contemplar os mistérios. Fez com que em todas as famílias do Maranhão se recitasse o Terço em comum cada noite. E então diz o padre André de Barros, “ouvia desde então o céu estas vozes todas as noites em muitas partes e ao mesmo tempo; porque a senhora da casa, com as filhas e escravas de um lado, e o senhor com os filhos e escravos do outro, entoavam à Mãe de Deus este angélico descante.”

Não se contentava com isto só o padre Vieira. Instituiu na Igreja do Colégio do Maranhão práticas espirituais todos os sábados, destinadas à recitação do Rosário e à narração de uma história piedosa ou exemplo do Rosário de Maria. Diz o biógrafo de Vieira:

“E a esta devoção, acudia grande concurso não só do povo como dos principais e das autoridades da terra”.

E já no fim da vida, aos oitenta anos, o gênio de Vieira nos lega Trinta sermões sobre o Rosário!
Morreu velho, aos noventa anos, em 17 de Julho de 1697, na Bahia. Muito antes da morte, já de vista fraca não podia mais rezar o Breviário. Assim impossibilitado, tomava nas mãos tremulas o Rosário de Maria e gastava “duas horas” em recitar e meditar os mistérios do Rosário cada dia com uma devoção enternecedora.

Que tocante exemplo!

O jesuíta, o formador da nossa gente, o mestre espiritual do povo brasileiro, nos educou na escola do Rosário, na recitação e meditação dos mistérios do Saltério da Virgem!

Não há, pois, devoção mais tradicionalmente brasileira que a devoção do Rosário de Nossa Senhora.

Voltar para o Índice do livro Mês do Rosário, de Mons. Ascânio Brandão

(BRANDÃO, Monsenhor Ascânio. O Mês do Rosário, Edições do “Mensageiro do Santíssimo Rosário”, 1943, p. 251-258)