POR detrás de toda a tentativa de «se escapar», feito o dano, está a esperança de que nunca se será descoberto. Se há apenas uma inspeção aos livros, pode estar-se razoavelmente certo de que não se descobrirá o roubo; mas se há uma segunda inspeção por um guarda-livros superior, ser-se-á menos tentado a cometer o crime. Nada leva tanto ao mal como a crença de que este mundo é tudo, e de que, para além dele, não há um julgamento ulterior sobre o modo como vivemos e pensamos. Se este mundo é tudo, por que não tirar então dele o maior proveito possível, custe o que custar, contanto que se fique impune?Contrária a esta filosofia é a de Nosso Senhor que disse:
«O que está oculto será revelado, e o que está escondido será reconhecido» (Lc 12, 2)
Em tudo há a propensão para sair da treva para a luz, para aqui se apresentar a um juízo equitativo. As sementes, que foram enterradas, procuram furar a terra que as cobre; as árvores de uma floresta densa curvam-se para melhor absorverem a luz; as conchas do mar profundo encaminham-se tateando para a praia. Também a vida do homem, por mais profundamente que este enterre os seus crimes, se lançará, um dia, para a Luz do Juízo, onde «cada homem será julgado segundo as suas obras».
A psicologia moderna baseia-se no pressuposto de que, mesmo neste mundo, o homem nunca sai impune. Os seus ódios secretos, os seus pecados ocultos, os seus petulantes atropelos das leis de moralidade — tudo isto deixa traços na sua mente, no seu coração e na sua subconsciência. Como o rapaz da antiga fábula, que escondeu na blusa uma raposa, que tinha roubado, e, enquanto negava a sua culpa, a raposa comeu-lhe as entranhas, também milhares de pessoas estendidas nos leitos de clínicas psiquiátricas podem negar a moralidade e a culpabilidade; mas, mesmo quando o negam, um verdadeiro psicólogo pode ver as suas consciências a serem devoradas. Nada há oculto que não venha a ser revelado.
Dentro de cada coração há paixões e desejos, esperanças e receios, ódios e concupiscências, maus propósitos e delitos ocultos; um dia todos estes habitantes sombrios desse mundo abissal da mente romperão caminho para a confissão da culpa, ou então para se manifestarem em sinais mentais e físicos da negação dessa culpa. Ninguém há que não seja livre em negar a moralidade, mas não é livre em se furtar aos efeitos da sua violação. O pecado está escrito no rosto, no cérebro, vê-se nos olhares fugidios e nos secretos temores da noite.
Se um homem sabe que os seus furtos virão a ser descobertos um dia, fará o possível por os ressarcir, antes disso acontecer. Se se sabe que tudo o que se fez, um dia será não só revelado a Deus, mas também aos outros homens, procurar-se-á purificar-se dos seus delitos, de modo que o que era dívida se transforme em crédito. Para tal alma nada há mais néscio que tentar ficar impune.
A psiquiatria é mais uma necessidade moderna do que uma descoberta moderna. Desde há séculos que o teu método é conhecido, mas nunca houve ocasião de aplicar, porque, noutros tempos, os homens sabiam que não podiam ficar impunes. As suas purificações, reparações e expiações faziam-se de joelhos em oração, e não de costas num leito de clínica. Mas neste tempo em que se negou a Divindade e a moral, a sociedade viu-se a braços com o tratamento dos efeitos mentais suscitados por essa negação. Os crimes não são novos, porque a lei moral é postergada talvez não mais que nos dias de grande fé. Mas nesses dias, quando faziam o mal, sabiam que era mal. Perdiam o caminho, mas nunca deitavam fora o mapa. Hoje, porém, quando os homens fazem o mal, chamam-lhe bem. Isto cria, além do problema moral que se nega, um problema mental. E, é aqui sobretudo que a psiquiatria intervém. Não há nada de novo na descoberta de que fica a jazer no subconsciente a realidade que recusamos encarar. O que é novo é a necessidade de submeter a tratamento os que violam a lei e a negam; os que vivem licenciosamente e recusam aceitar as suas consequências. Toda a alma que viola uma lei de Deus, mais tarde ou mais cedo volta contra si mesma o seu errado modo de pensar, e a língua comprida do malfazer não guardará silencio. Negue muito embora o Juiz Divino; as suas ansiedades e receios revelam que há já um juiz sentado na sua própria consciência, condenando mesmo quando a sociedade aprova e reprovando quando ele próprio negasse. A maldade não se pode manter em segredo. O temor de Deus pode ter desaparecido da civilização moderna, mas o temor do homem ocupou o seu lugar e trouxe-nos, portanto, a infelicidade. Temer a Deus é recear ferir alguém que se ama, como um filho perante um pai dedicado. Temer o homem é encolher-se diante de ameaças e crueldade. Um dia um grande Livro será aberto, e dele constarão todas as palavras ociosas que tivermos proferido. Tudo o que é dito nas trevas se apresentará à luz, porque no exame final ninguém, em nada, ficará impune.
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(SHEEN, Dom Fulton. Rumo à Felicidade – WAY TO HAPPINESS. Tradução de Dr. A. J. Alves das Neves, pároco de São Pedro da Cova. Livraria Figueirinhas, Porto, 1956, p. 137-140)