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O Filho de Deus tomou sobre si as nossas iniquidades

Deus filium suum mittens in similitudinem carnis peccati, et de peccato damnavit peccatum in carne — “Deus, enviando seu Filho em carne semelhante à do pecado, também por causa do pecado condenou o pecado na carne” (Rm 8, 3)

Sumário. Para a nossa salvação o divino Redentor ofereceu-se voluntariamente ao Pai, a satisfazer à justiça divina; e o Pai pôs sobre ele todos os nossos crimes. Eis, portanto, o Verbo divino, inocente, todo puro, santo; ei-lo desde Menino carregado de todas as blasfêmias, de todas as impurezas, de todos os sacrilégios e crimes dos homens; ei-lo, numa palavra, feito por nosso amor objeto das maldições divinas. E não nos resolveremos a amá-lo? Ó meu Jesus, amo-Vos de todo o coração, e por vosso amor quero conservar-me sempre puro de todo o pecado.

I. Considera a que grau de humilhação quis abaixar-se o Filho de Deus. Não somente quis tomar a forma de um servo, mas ainda a de um pecador. In similitudinem carnis peccati — “Semelhante à carne do pecado”. Pelo que escreveu São Bernardo: Non solum formam servi accipiens, ut subesset, sed etiam mali servi, ut vapularet: Jesus Cristo não só quis tomar a condição de servo, a fim de estar submisso aos outros, ele que era o Senhor de todos; mas também quis tomar a aparência de servo culpado, a fim de ser castigado como um malfeitor, ele que era o Santo dos santos. Para este fim quis vestir-se com a mesma carne de Adão, a qual estava infectada pelo pecado. Posto que não contraísse a mancha do pecado, tomou todavia sobre si todas as misérias, que a natureza humana tinha atraído em castigo do pecado.

A fim de nos alcançar a salvação, o nosso Redentor ofereceu-se voluntariamente a seu Pai para satisfazer por todos os nossos pecados; e o Pai pôs sobre ele todas as nossas iniquidades: Posuit in eo iniquitates omnium nostrum (1). Eis, portanto, o Verbo divino, inocente, todo puro, santo, ei-lo desde menino carregado de todas as blasfêmias, de todas as impurezas, de todos os sacrilégios e de todos os crimes dos homens; ei-lo feito, por nosso amor, objeto das maldições divinas, por causa dos pecados, pelos quais se tinha obrigado a satisfazer à divina justiça.

Jesus Cristo tomou assim sobre si tantas maldições, quantos foram e ainda serão os pecados mortais de todos os homens. Foi neste estado que se apresentou a seu Pai desde o primeiro instante da sua vida terrestre; apresentou- se como um réu e devedor por todos os nossos crimes, e como tal foi pelo Pai condenado a morrer justiçado e amaldiçoado sobre uma cruz: Condenou o pecado na carne. Ah! Se o Pai eterno fosse suscetível de dor, que dor não teria sentido em ver tratado como réu, e como o réu mais celerado do mundo, o seu Filho unigênito, objeto dos seus afetos e digno de todo o seu amor.

II. Ecce homo— “Eis aqui o homem”, disse Pilatos, quando aos judeus mostrou Jesus flagelado, a fim de os excitar à compaixão por Jesus inocente e tão maltratado. Ecce homo — “Eis aqui o homem”, parece que assim nos diz também o Pai Eterno, mostrando-nos Jesus na Gruta de Belém. O Menino — assim diz — que aí vedes, ó homens, posto numa manjedoura de animais, estendido sobre a palha, sabei que é o meu Filho dileto, que veio para tomar sobre si os vossos pecados e os vossos castigos. Amai-o, porque é tão digno do vosso amor, e conservai o vosso coração puro de todo o pecado. Não queirais no futuro pospor o vosso Deus a um prazer infame, a uma vil criatura.

Ó meu inocente Senhor, espelho sem mancha, amor do Pai Eterno, não é a Vós que são devidos os castigos e maldições, mas a mim, miserável pecador. Mas quisestes mostrar ao mundo este excesso de amor, de sacrificar a vossa vida, a fim de nos obter o perdão e a salvação pagando pelos vossos sofrimentos os castigos por nós merecidos. Todas as criaturas louvem e bendigam para sempre a vossa misericórdia e bondade infinita. Graças Vos dou por todos os homens, mas principalmente por mim: como Vos ofendi mais do que os outros, sofrestes mais por mim do que por eles. Maldigo mil vezes os indignos prazeres que Vos custaram tantas dores.

Mas, já que pagastes o preço do meu resgate, não seja perdido para mim o Sangue que derramastes por meu amor. Tenho dor de Vos haver desprezado, ó amor meu, e peço-Vos uma dor mais viva ainda. Fazei que eu conheça o mal que fiz, ofendendo-Vos a Vós que sois meu Redentor e meu Deus, e sofrestes tanto para me obrigar a Vos amar. Amo-Vos, bondade infinita, mas desejo amar-Vos mais ainda; quisera amar-Vos quanto mereceis. Fazei-Vos amar, ó meu Jesus, fazei-Vos amar de mim e de todo o mundo: sois tão digno de amor! Por piedade, esclarecei os pecadores que não Vos querem conhecer ou se recusam a amar-Vos: dai-lhes a compreender o que haveis feito por seu amor e quanto desejais a sua salvação. Maria Santíssima, rogai a Jesus por mim e por todos os pecadores: obtende-nos as luzes e as graças de que temos necessidade para amarmos vosso divino Filho, que tanto nos amou.

Referência:
(1) Is 55, 6.

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(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo II: Desde o Domingo da Páscoa até à Undécima semana depois de Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 382-384)