Meditação para o dia 31 de Maio
Que lhe arrebentassem os aquedutos, foi à ordem dada por Holofernes para tomar a cidade de Betúlia (Jd 7, 6). Assim o demônio também envida todos os esforços para acabar com a devoção à Mãe de Deus nas almas. Pois, cortado esse canal de graças, mui fácil se lhe torna a conquista. Consideremos, portanto, continua São Bernardo, com que afeto e devoção quer o Senhor que honremos esta nossa Rainha. Consideremos o quanto deseja que a ela sempre recorramos e era sua proteção confiemos. Pois em suas mãos depositou a plenitude de todos bens, para nos tornar cientes de que toda esperança, toda graça, toda salvação, a nós chegam pelas mãos dela. A mesma coisa declara Santo Antonino. Todas as misericórdias dispensadas aos homens lhes têm vindo por meio de Maria.
É por isso Maria comparada à lua. Colocada entre o sol e a terra, a lua dá a esta o que recebe daquele, diz São Boaventura; do mesmo modo recebe Maria os celestes influxos da graça para no-los transmitir aqui na terra.
Pelo mesmo motivo chama-lhe a Igreja “porta do céu”. Como todo indulto do rei passa pela porta de seu palácio, observa S. Bernardo, assim também graça nenhuma desce do céu a terra sem passar pelas mãos de Maria. Ajunta São Boaventura que Maria é chamada porta do céu porque ninguém pode entrar no céu, senão pela porta que é Maria.
Nesse sentimento confirma-nos São Jeronimo (isto é, um antigo autor com esse nome) no sermão da Assunção, que vem inserido nas suas obras. Nele lemos que em Jesus Cristo reside a plenitude da graça, como na cabeça, de onde se transfunde para nós, que somos seus membros, o vivificador espírito dos auxílios divinos necessários à nossa salvação. Em Maria reside a mesma plenitude como no pescoço, pelo qual passa esse espírito para comunicar-se ao resto do corpo. Com cores mais vivas dá São Bernardino o mesmo pensamento:
“Por meio de Maria transmitem-se aos fiéis, que são o corpo místico de Jesus Cristo, todas as graças da vida espiritual emanadas de Jesus Cristo, que lhes é cabeça”
E com as seguintes palavras procura confirmar isto:
“Tendo-se Deus dignado de habitar no ventre desta Virgem Santíssima, adquiriu ela certa jurisdição sobre todas as graças: porque, saindo Jesus Cristo do seu ventre sacrossanto, dele saíram juntamente como de um oceano celeste todos os rios das divinas dádivas”
Escrevendo com maior clareza ainda, diz o Santo:
“A partir do momento que esta Virgem Mãe concebeu em seu ventre o Divino Verbo, adquiriu, por assim dizer, um direito especial sobre os dons que nos provém do Espírito Santo, de tal modo que criatura alguma recebe graças de Deus, senão por mãos de Maria”
À Encarnação do Verbo e à sua Mãe Santíssima refere-se à passagem de Jeremias (31, 22):
“Uma mulher circundará a um homem”
Certo autor explica exatamente no mesmo sentido estas palavras:
“Nenhuma linha pode sair do centro de um círculo sem passar primeiro pela circunferência. Assim de Jesus, que é o centro, graça alguma chega até nós sem antes passar por Maria que o encerra, desde que o recebeu em seu puríssimo seio”
Por esse motivo, segundo São Bernardino, todos os dons, todas as virtudes e as graças também todas, são dispensadas pelas mãos de Maria, a quem, quando e como ela quer. Assevera igualmente Ricardo de São Lourenço ser vontade de Deus que todo bem que faz às suas criaturas lhes venha pelas mãos de Maria. O venerável abade de Celes exorta por isso todos à invocação dessa tesoureira da graça, como a denomina, porque só por intermédio dela os homens hão de receber todo o bem que podem esperar.
As palavras do Eclesiástico (24, 8): “Eu sozinha rodeei o giro do céu” — é aplicada a Maria pela Igreja, e Segneri assim as comenta: Assim como a primeira esfera com o seu movimento faz que todas as outras esferas se movam, assim também o paraíso inteiro reza com Maria, quando ela se põe a pedir por uma alma. Pacciucchelli diz até que a Virgem, como Rainha, ordena aos anjos e santos que a acompanhem, e junto com ela dirijam suas preces ao Altíssimo.
Entendemos assim finalmente o motivo por que a Santa Igreja nos manda invocar e saudar a Divina Mãe com o grande título de “Esperança nossa”. Afirmava o ímpio Lutero não poder suportar que a Igreja Romana chamasse Maria, uma criatura, nossa esperança. Que só Deus e Jesus Cristo, como nosso medianeiro, são nossa esperança; que, ao contrário, Deus amaldiçoa a quem põe sua esperança nas criaturas — era o que o herege dizia. Mas a Igreja ensina-nos a invocar constantemente Maria e saudá-la como nossa esperança. Aquele que põe sua esperança na criatura, independentemente de Deus, é sem dúvida amaldiçoado pelo Senhor. Pois tão somente ele é a única fonte e distribuidor de todo o bem. Sem ele nada tem e nada pode dar a criatura. Mas, como temos provado, conforme a determinação de Deus, todas as graças devem chegar até nós por meio de Maria, como por um canal de misericórdia. Por conseguinte, não só podemos como devemos confessar que ela é nossa esperança, porquanto recebemos as graças por seu intermédio. Daí o título que lhe dá São Bernardo “de toda a razão de sua esperança”. O mesmo diz São João Damasceno dirigindo-se à Santíssima Virgem com estas palavras: Em vós, Senhora, tenho colocado toda a minha esperança e de vós espero minha salvação. Também Santo Tomás sustenta que Maria é toda a esperança de nossa salvação. Virgem Santíssima exclama Santo Efrém, acolhei-nos sob a vossa proteção, se salvos nos quereis ver; pois só por vosso intermédio esperamos a salvação.
Concluamos então com as palavras de São Bernardo:
“Procuremos venerar com todos os afetos do coração Maria, Mãe de Deus, porque é vontade do Senhor que de suas mãos recebamos todos os bens da graça”
Sempre, portanto, que desejarmos ou solicitarmos uma graça, tratemos, segundo o conselho do Santo, de recomendar-nos a Maria e tenhamos confiança de obtê-la por sua intercessão. E continua ele:
“Se tu não mereces a graça solicitada, bem a merece Maria, que por ela se empenhará”
Pelo que também nos aconselha que recomendemos Maria todas as boas obras e orações que oferecemos a Deus, se queremos que ele as aceite.
EXEMPLO
Foi elevada a honra dos altares a filha de São Vicente de Paulo a humilde Irmã Catarina Labouré. É a Santa da Medalha Milagrosa. Em 18 de Julho de 1830, véspera da festa do São Vicente, a Irmãzinha ouviu falar de Nossa Senhora. Inflamou-se no desejo de ver a Mãe de Deus.
Pelas 23 horas ouve chamar pelo seu nome. Aparece-lhe um menino de encantadora beleza vestido de branco e todo brilhante de luzes.
— Vem à capela, lhe diz, a Santíssima Virgem te espera.
A Irmã veste-se depressa e acompanha o menino que vai iluminando o caminho. Chega à Capela, ajoelha-se à mesa da Comunhão.
— Eis a Santíssima Virgem que se aproxima, diz-lhe o Anjo em forma de menino.
Ouviu-se um leve ruído e uma bela Senhora veio sentar- se numa cadeira ao lado esquerdo do Altar. Irmã Catarina foi prostrar-se aos pés de Maria. E ouviu os conselhos tão ternos da Mãe do Céu. Foi a primeira aparição. Quatro meses mais tarde às cinco e meia da tarde, a Irmã viu na Capela a Virgem Santíssima de pé sobre um globo com um manto azul prateado; parecia ter feixes e raios luminosos nas duas, mãos e estes raios caiam sobre o mundo. — Uma voz interior lhe dizia:
“Estes raios são o símbolo das graças que Maria alcança para os homens”
Em volta do quadro estavam escritas estas palavras:
“Ó Maria concebida sem pecado rogai por nós que recorremos a vós!”
Esta oração escrita em semicírculo saía junto da mão direita de Maria passando pela cabeça e terminava na altura da mão esquerda.
A cena mudou-se e Irmã Catarina viu de outro lado a Letra M tendo em cima uma cruz com um risco na base. Em baixo do monograma de Maria os corações de Jesus e de Maria. O de Jesus, cercado de espinhos e o de Maria transpassado pela espada. Doze estrelas rodeavam os símbolos. Depois Catarina ouviu uma voz que lhe dizia:
“É preciso cunhar uma medalha desta forma. As pessoas que a trouxerem e fizerem com devoção esta prece terão uma proteção especial da Mãe de Deus”
A mesma visão se renovou no mês de Dezembro. O confessor de Irmã Catarina, o Pe. Aladel, lazarista, com licença do Arcebispo de Paris mandou cunhar a medalha. Em pouco tempo se difundiu por todo o mundo.
Fez tantos prodígios que foi chamada logo a Medalha milagrosa.
Irmã Catarina Labouré é hoje uma Santa canonizada. Seu corpo virginal foi encontrado intacto. E as mãos que tocaram nos joelhos de Nossa Senhora, ficaram tão belas e rosadas como de pessoa viva, e pareciam brilhar.
ORAÇÃO
Ó Virgem Imaculada e Santa, ó criatura a mais humilde e a mais excelsa diante de Deus! Fostes tão pequena aos vossos olhos, porem tão grande aos olhos do Senhor que ele vos exaltou a ponto de vos escolher para sua Mãe e fazer-vos depois Rainha do céu e da terra. Dou, pois, graças àquele Deus, que tanto vos sublimou, e me alegro convosco por ver-vos tão unida a Deus, que mais não é possível a uma pura criatura. Diante de vós que sois tão humilde, com tantos dotes, me envergonho de comparecer, eu miserável, tão soberbo e tão carregado de pecados. Entretanto, mesmo assim, quero saudar-vos: Ave, cheia de graça. Sois cheia de graça, impetrai também a graça para mim. O Senhor é convosco. Aquele Senhor que esteve sempre convosco desde o primeiro instante de vossa criação, uniu-se agora a vós mais estreitamente, fazendo-se vosso Filho. Bendita sois vós, entre as mulheres: ó Mulher bendita, entre todas as mulheres, alcançai-me também a divina bênção. E bendito é o fruto de vosso ventre: ó planta bem-aventurada, que destes ao mundo um fruto tão nobre e tão santo! Santa Maria, Mãe de Deus: ó Maria, confesso que sois verdadeiramente a Mãe de Deus, e por esta verdade estou pronto a dar mil vezes a vida. Rogai por nós, pecadores. Mas se vós sois a Mãe de Deus, sois também a Mãe de nossa salvação, e de nós pobres pecadores. Pois para salvar- nos foi que Deus se fez homem, e vos fez sua Mãe para que vossos rogos tenham a virtude de salvar qualquer pecador. Eia, pois, ó Maria, rogai por nós: agora e na hora de nossa morte. Rogai sempre; rogai agora, que estamos em vida no meio de tantas tentações e perigos de perder a Deus. Mas sobretudo rogai por nós na hora de nossa morte, quando estivermos a ponto de deixar este mundo, e sermos apresentados ao divino tribunal a fim de que, salvando-nos pelos merecimentos de Jesus Cristo e pela vossa intercessão possamos um dia, sem perigo de jamais nos perder, saudar vos e louvar-vos com o vosso Filho no céu, por toda a eternidade. Amém
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(BRANDÃO, Monsenhor Ascânio. Um Mês com Nossa Senhora ou Mês de Maria, segundo Santo Afonso Maria de Ligório. Edições Paulinas 1ª ed., 1949, p. 218-224)