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A Transfiguração

Meditação para o Segundo Domingo da Quaresma. A Transfiguração

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus 17, 1

Seis dias depois, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e seu irmão João, e levou-os, só a eles, a um alto monte. Transfigurou-se diante deles: o seu rosto resplandeceu como o Sol, e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz. Nisto, apareceram Moisés e Elias a conversar com Ele. Tomando a palavra, Pedro disse a Jesus: «Senhor, é bom estarmos aqui; se quiseres, farei aqui três tendas: uma para ti, uma para Moisés e outra para Elias.» Ainda ele estava a falar, quando uma nuvem luminosa os cobriu com a sua sombra, e uma voz dizia da nuvem: «Este é o meu Filho muito amado, no qual pus todo o meu agrado. Escutai-o.»

Ao ouvirem isto, os discípulos caíram com a face por terra, muito assustados. Aproximando-se deles, Jesus tocou-lhes, dizendo: «Levantai-vos e não tenhais medo.» Erguendo os olhos, os discípulos apenas viram Jesus e mais ninguém.

Enquanto desciam do monte, Jesus ordenou-lhes: «Não conteis a ninguém o que acabastes de ver, até que o Filho do Homem ressuscite dos mortos.»

Meditação para o Segundo Domingo da Quaresma

SUMARIO

Destinaremos toda a próxima semana para meditar o Evangelho de hoje, que contém a narração do mistério da transfiguração. Meditaremos as suas duas primeiras circunstâncias, que são a escolha que Jesus Cristo fez para se transfigurar:

1.º De um lugar apartado e solitário (1);

2.° De um alto monte (2).

— Tomaremos depois a resolução:

1.° De não frequentarmos a sociedade senão por necessidade de gostarmos de estar só com Deus;

2.° De nos desapegarmos de tudo aquilo a que o nosso coração tem ainda apego sobre a terra.

O nosso ramalhete espiritual será as duas palavras da nossa meditação:

“Jesus levou os seus Apóstolos à parte a um alto monte” – Ducit illos in montem excelsum seorsum (Mt 17, 1)

Meditação para o Dia

Transportemo-nos pelo pensamento ao Tabor; admiremos a escolha que nosso Senhor fez deste lugar solitário e afastado do comércio do mundo, desse monte que está perto do céu. Há nesta duplicada escolha uma duplicada razão secreta. Roguemos a Nosso Senhor que no-la explique.

PRIMEIRO PONTO

Porque escolheu Nosso Senhor, para se transfigurar, um lugar apartado?

Com esta escolha, Nosso Senhor quer ensinar-nos que não é no meio da sociedade e dos pensamentos mundanos que Deus se revela à alma e a faz passar das misérias do velho homem para o esplendor e para as virtudes do novo. Para ver a Deus, ouvi-lO, gozá-lO, e ser transformado nEle pela Sua graça, a primeira condição, que se requer, é a solidão interior, isto é, a tranquilidade da alma fechada para o bulício das criaturas e aberta só para Deus e para as Suas divinas inspirações, a paz do recolhimento debaixo da vista de Deus. Enquanto sucumbirmos à distração do espírito, à preocupação das notícias, aos devaneios, ao tumulto dos vãos pensamentos; enquanto finalmente, não vivermos retirados conosco, Deus não se apresentará aos nossos olhos, e não será para a nossa alma senão como o Deus desconhecido de Atenas. As suas perfeições infinitas não nos moverão; não O amaremos, nem desejaremos amá-lO. Estranhos a Deus, não o seremos menos a nós mesmos; não nos conheceremos, e nada veremos em nós que corrigir, nada que reformar, nem uma razão para nos humilharmos, nos mortificarmos e nos abnegarmos a nós mesmos; e toda a nossa vida decorrerá no esquecimento de Deus, na ignorância de nós mesmos.

Ó distração, quanto mal fazeis à alma! Ó santo recolhimento de espírito, quão necessário lhe és! Levai-me, Senhor, como aos Vossos Apóstolos, à parte (3), e conservai sempre ali encerrados o meu pensamento e coração.

SEGUNDO PONTO

Porque escolheu Nosso Senhor, para se transfigurar, um alto monte?

Esse lugar elevado, de onde os Apóstolos dominavam os objetos, entre os quais viviam antes, significa que, para gozarmos de Deus, merecermos a graça e nos santificarmos, é preciso que tenhamos um coração superior a todas as coisas sensíveis, um coração maior e mais alto que o mundo; é preciso calcar aos pés tudo o que antes nos atraía. Enquanto tivermos apego a alguma coisa sobre a terra; enquanto houver nela algum objeto que nos interesse, não faremos mais que arrastarmo-nos miseravelmente pelos mesmos caminhos, que girar no labirinto das nossas misérias, em vez de nos adiantarmos nos caminhos da virtude; desfaleceremos em vez de vivermos e de fortificarmo-nos. Ainda que a nossa alma tivesse as azas da pomba, que pedia o rei-profeta para voar ao seio do Deus, enquanto ela estiver presa por um só fio que seja, nunca fará mais do que debater-se e atormentar-se em volta do que a retém sem nunca tomar o seu voo. Mas, também, se esta alma consegue afinal quebrar os seus laços, se se deixa levar por Nosso Senhor até ao monte (4), e dali calca aos pés todos os vãos objetos das suas afeições, começará logo a fazer progressos na perfeição. Num só dia e com menos custo, se adiantará mais do que se adiantou durante todo o tempo em que arrastava o peso que a prendia. Nada a deterá na sua carreira, nada a estorvará e a distrairá no seu caminho; avançará com facilidade e liberdade; porque, diz a Imitação, que há de mais livre do que aquele que a nada tem apego cá na terra? (5).

Se, pois, quisermos tornar-nos solidamente virtuosos, devemos desapegar-nos de tudo o que lisonjeia a vaidade, de tudo o que conserva a moleza, de tudo o que excita a curiosidade, das futilidades que divertem, das notícias e dos homens que distraem; devemos renunciar à paixão do prazer e do gozo, e deixar de ter tanto apego a todas as comodidades da vida; devemos não satisfazer a necessidade senão com discernimento, não tomar das coisas senão o que é realmente preciso, e não tocar nele, por assim dizer, senão de leve e de passagem, como os soldados de Gedeão, ou como Jônatas, que tomava mel com a ponta da sua vara sem se deter.

Devemos principalmente desapegar-nos de nós mesmos, dos nossos gostos e do nosso gênio, da nossa vontade própria e dos seus caprichos, do nosso amor-próprio e da sua ambição, que procura colocar-se em tudo o que se diz e achar-se em tudo o que se faz; devemos destruir esse excessivo apego à saúde, que nos torna delicados, difíceis a respeito de tudo o que contraria e molesta os sentidos; devemos, finalmente, elevar-nos acima de nós mesmos (6), e sob pena de nos perdermos, desembaraçar o nosso coração de tudo o que não é Deus.

Como estamos nós a respeito deste desapego universal? É coisa mais grave do que se julga. Pensemos nele seriamente, e procuremos té-lo.

Resoluções e ramalhete espiritual como acima

Referências:

(1) Ducit illos seorsum (Mt 17, 1)

(2) In montem excelsum (Mt 17, 1)

(3) Ducit illos seorsum (Mt 17, 1)

(4) In montem excelsum

(5) Quid liberius nil desiderante in terris? (II Imitação 31, 1)

(6) Levavit super se (Lm 3, 28)

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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo II, p. 111-115)