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A Circuncisão

Meditação sobre a Circuncisão

Evangelho segundo São Lucas 2, 21

Quando se completaram os oito dias, para a circuncisão do menino, deram-lhe o nome de Jesus indicado pelo anjo antes de ter sido concebido no seio materno.

SUMARIO

Consideraremos na nossa oração, a circuncisão de Nosso Senhor:

1.º Como um mistério de amor;

2.º Como um mistério de mortificação.

— Tomaremos depois a resolução:

1.° De começar o novo ano com um espírito de amor para com Jesus Cristo, e de praticar todas as nossas obras com a intenção bem viva de Lhe agradar;

2.° De sofrer de boa vontade, por seu amor todas as tribulações que a Providência nos enviar, e de Lhe oferecer como estreias alguns atos particulares de mortificação.

O nosso ramalhete espiritual será esta palavra da Sagrada Escritura:

“Agora é que eu começo uma vida nova” – Ecce nova facio omnia (Ap 21, 5)

Meditação para o Dia

Adoremos Jesus Cristo concedendo-nos um novo ano para trabalhar na nossa salvação, mas sem todavia nos prometer que nos deixará ver o fim dele, para conservar sempre avivada a nossa vigilância.
Demos-Lhe graças por oferecer à nossa piedade, desde a entrada neste mundo, o mistério da Sua circuncisão, como eminentemente próprio para no-lo fazer começar santamente.

PRIMEIRO PONTO

A Circuncisão de Nosso Senhor é um Mistério de Amor

Decorridos oito dias depois do Seu nascimento, este divino Menino, impaciente de derramar o Seu sangue para lavar as nossas manchas e purificar-nos, dizia não com os lábios, pois que os conservava mudos, mas do fundo do Seu coração:

“Eu tenho de ser batizado em um batismo de sangue, e quão grande não é a minha angústia até que ele se conclua!” – Baptismo habeo baptizari, et quomodo coarctor usquedum perficiatur? (Lc 12, 50)

Ansiando padecer por nós, faz-se circuncidar. O golpe dá-se, e esguicha o sangue, esse sangue de que uma só gota teria bastado para expiar os pecados de mil mundos, e do qual porém não olha esta primeira efusão senão como as primícias e a promessa da efusão mais abundante, que dEle fará no Calvário. Ó Jesus, enquanto me dais tão tocante penhor do Vosso amor, poderei eu ser de gelo para conVosco, ou não Vos amar senão com um amor fraco, frouxo e sem energia? Não, isto não é possível; eu quero começar a amar-Vos com um amor inteiramente novo, com um amor prático, que dê vida à todas as minhas obras, com um amor forte, que nada desanime: porque nada custa, quando se ama; ou se alguma coisa custa, acha-se nisso felicidade (1).

SEGUNDO PONTO

A Circuncisão de Nosso Senhor é um Mistério de Mortificação

Este mistério prega-nos juntamente a mortificação do gozo, do amor-próprio, e das inclinações do coração.

1.° A mortificação do gozo. Desde p primeiro momento da descida ao presépio, o Menino Jesus pregava-nos esta doutrina com o Seu corpinho tremendo com frio e estendido sobre a palha; mas hoje a lição é muito mais forte: porque a dor é muito mais cruel. A faca da circuncisão rasga a Sua carne e dela faz esguichar o sangue. Podia Ele dizer mais eloquentemente ao mundo, que não nos salvamos senão pelo padecimento, que são desgraçados os que gozam, bem-aventurados os que padecem, que ao menos devemos suportar de boa vontade as tribulações quê a Providência nos enviar, suportar com paciência os rigores da estação, as contradições do próximo, as dores interiores ou exteriores, as violências que exige algumas vezes o cumprimento do dever; ao menos, não devemos mais declinar, por todos os modos, o trabalho e o padecimento, e buscar incessantemente as nossas comodidades com uma delicadeza pouco digna de uma alma cristã.

2.º Mistério da circuncisão prega-nos o sacrifício de amor-próprio: porque o Verbo Encarnado, fazendo-se circuncidar, recebia em Seu corpo o carácter de escravo e de pecador: o carácter de escravo, porque os senhores costumavam imprimir no corpo dos escravos uma marca, que desse a conhecer a Sua dependência e escravidão; o carácter de pecador, porque ela lembrava que o pecado original se propagava por via da geração; que desta sorte os judeus nasciam todos pecadores, donde se seguia, que as testemunhas da cerimônia podiam dizer do Menino Deus: Eis aqui um escravo, eis aqui um pecador! Que humilhação para um Deus! Quem poderá, depois disto, desejar ser estimado e honrado, ambicionar a glória e o renome?

3.° O mistério da circuncisão prega-nos o sacrifício das nossas inclinações, esse sacrifício que São Paulo chama a circuncisão do coração, e que é o grande objeto da moral cristã. Esta circuncisão do coração foi substituída pelo Evangelho à circuncisão da carne: consiste na extinção de todas as inclinações que nos atraem para a terra, para a carne e para os sentidos, para esse eu egoísta, monstruoso composto da vontade própria e dos seus caprichos, do gênio e dos seus arrebatamentos, da preguiça e das suas negligências, do ditame e dos seus extravios.

É nisto que consiste a verdadeira virtude, muito mais do que nos exercícios de piedade e na frequentação dos Sacramentos, coisas boas e santas por certo, mas somente como meios de atrair a graça, que anima a abraçar a mortificação, a extirpar a inclinação que temos para o mal.

Resoluções e ramalhete espiritual como acima

Referências:

(1) Ubi amatur, non laboratur; aut si laboratur, labor amatur (Santo Agostinho)

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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo I, p. 142-145)