Por Dom Henrique Soares da Costa
A Liturgia da Palavra deste hoje apresenta-nos as Bem-aventuranças, uma das mais belas páginas da Escritura e o que de mais doce há nas palavras de Nosso Senhor. Mas, essas Bem-aventuranças são um doloroso escândalo para nós!
Sejamos sinceros: elas parecem um sonho lindo, mais irreal e impraticável!
O texto de São Mateus nos diz que Jesus subiu ao Monte, como Moisés, no Antigo Testamento, do alto do Monte Sinai deu a Lei aos judeus. Jesus senta-se, como um Mestre, não na cátedra de Moisés, mas na Sua própria cátedra… Os discípulos se aproximam para escutar; e o Mestre lhes ensina, a eles, e a nós, que agora, sentados, buscamos compreender a Palavra do Senhor…
Mas, o que Jesus ensina?
Feliz quem é pobre, feliz é quem chora, feliz quem tem fome e sede, quem é manso e puro, quem é misericordioso e perseguido! Caríssimos, que contraste com a mentalidade do mundo, da sociedade do bem-estar!
Que contraste com a nossa mentalidade! Que contraste com a lógica da maldita “teologia” da prosperidade, que alguns pregam em nome de Cristo, mas que de cristã não tem nada! Bem-aventurado quem é pobre, quem chora, quem tem fome!
Como compreender isso? Como aceitar? Como viver estas palavras?
Na verdade, há uma só bem-aventurança; as outras nada mais são que ressonância, eco dessa única:
“Bem-aventurados os pobres!”
Deles – e só deles – é o Reino dos Céus! Compreendamos o que Jesus quis dizer!
Na Bíblia, pobre é todo aquele que se encontra numa situação de penúria, de impotência, de angústia e incapacidade;
pobre é quem se sente pequeno diante dos desafios da existência;
pobre é quem não tem o suficiente para viver, não tem casa, não tem comida, não tem trabalhos;
pobre é quem não tem saúde; pobre é o humilhado, o prisioneiro arrependido; pobre é o aidético, pobre é o canceroso, pobre é o discriminado; é o frágil psíquica ou fisicamente… Pobre é quem não tem voz, não tem vez, não tem sua dignidade respeitada! Pobre é o solitário, o não amado, o deprimido… Todos esses são os pobres da Bíblia.
Mas, por que Jesus os considera bem-aventurados?
Por um motivo só: porque, do fundo de sua miséria, eles tem mais facilidade de perceber realmente o que nós somos e o que a vida é; na sua situação extrema, eles podem perceber com mais facilidade o essencial, averbado da fragilidade da existência… Somos todos pobres e dependentes, somos frágeis e a vida, sem Deus, nos traga como uma onda gigante e impiedosa! O pobre, porque já não tem quem o possa socorrer, levanta os olhos para o Céu e reconhece o amor terno e presente de Deus. Por isso ele é feliz: porque descobriu que somos todos pequeninos e amados por Deus.
Infelizmente, somos cegos, enganamo-nos facilmente, e quando estamos bem, achamos que somos os donos de nossa vida, tendemos a colocar a confiança nas coisas, nas pessoas, no prestígio e em tantas outras escoras… E, assim, vivemos na ilusão da autossuficiência e não nos abrimos de verdade para Deus. O pobre, por não ter ninguém por ele, reza com toda a verdade e, de verdade, faz de Deus o seu protetor, seu amparo, seu refúgio!
É por isso que nas Bem-aventuranças segundo Lucas, Jesus completa quadro dizendo: Ai de vós ricos, ai de vós que estais saciados, ai de vós que agora rides, etc. Não é um mal ter dinheiro, não é um mal estar contente, não é um mal ser querido… Mas, o Senhor nos alerta aqui para um perigo: no nosso contentamento, esquecer que tudo passa, esquecer que nossa verdadeira riqueza, nossa alegria que não passa é Deus e o Seu Reino!
Olhemos em torno de nós e veremos o quanto isso é real! Por que são os pobres os que mais procuram a Deus e são mais generosos para com Ele? Porque, não tendo a quem recorrer, percebem que somente Deus é sua valia e sua riqueza. Quanto aos ricos, têm seus investimentos, seu plano de saúde, seu prestígio, seus amigos… E confia neles… Muitas vezes mais que no próprio Deus!
Por que nos países ricos a religião está sendo abandonada? Não é porque as pessoas são alfabetizadas, como se religião fosse para ignorantes! É porque, do alto de sua fartura, elas se tornam satisfeitas consigo mesmas, autossuficientes, achando-se seu próprio Deus. Recordemos o que diz São Paulo na segunda leitura de hoje:
“Considerai, irmãos, como fostes chamados por Deus. Pois entre vós não há muitos sábios de sabedoria humana nem muitos poderosos nem muitos nobres. Na verdade, Deus escolheu o que o mundo considera como estúpido, para assim confundir os sábios; Deus escolheu o que o mundo considera como fraco, para assim confundir o que é forte!”
Meus caros, estejamos atentos à advertência de Jesus! A verdade é que somente quem é pobre de verdade aceita que Deus é sua riqueza e seu tudo. Cada um de nós e a Igreja inteira, somos todos chamados a pensar nas palavras do Senhor!
Terminemos com as palavras do Profeta Sofonias:
“Buscai o Senhor, humildes da terra, que pondes em prática Seus preceitos. Deixarei entre vós um punhado de homens humildes e pobres. E no Nome do Senhor porá sua esperança o resto de Israel! Eles serão apascentados e repousarão, e ninguém os molestará!”
Que o Senhor nos conceda a graça de estar entre esses pobres que vão colocando somente Nele a sua esperança! Amém.