Capítulo VIII
“Pilatos então tomou Jesus e mandou açoitá-lo” (Jo 19,1).
Vendo Pilatos que os dois meios empregados para não condenar aquele inocente, isto é, remetê-lo a Herodes e apresentá-lo junto com Barrabás, não tinham dado resultado, escolhe um outro meio, o de castigá-lo e depois mandá-lo embora. Convoca, pois, os judeus e diz- lhes:
“Apresentastes-me este homem… e interrogando-o diante de vós não achei nele culpa alguma, nem tão pouco Herodes… Portanto, depois de castigado, o soltarei” (Lc 23,14-17).
Vós me apresentastes este homem como delinqüente; eu, porém, não encontro nele crime algum, nem Herodes o descobriu. Contudo, para contentar-vos, eu o farei castigar e depois o porei em liberdade. Ó Deus, que injustiça! Ele o declara inocente e ainda assim lhe destina o castigo. Ó meu Jesus, vós sois inocente, mas não eu, e desde que quereis satisfazer por mim a justiça divina, não é injustiça mas é mesmo justo que sejais punido. Mas qual é o castigo a quem condenas esse inocente, ó Pilatos? A ser flagelado! Destinas, pois, a um inocente uma pena tão cruel e vergonhosa? Mas assim esse fez.
“Pilatos se apoderou de Jesus e o mandou flagelar” (Jo 19,1).
Contempla agora, minha alma, como depois dessa tão injusta sentença os carrascos se laçam com fúria sobre o manso Cordeiro e o conduzem aos gritos e alegria ao pretório e o amarram à coluna. E que faz Jesus? Ele, todo humilde e submisso, aceita por nossos pecados aquele tormento tão doloroso e ignominioso. Eis como já se armam com os azorragues e, dado o sinal, levantam o braço e começam a flagelar de todos os lados aquele corpo sacrossanto. Ó carrascos, vós vos enganastes, não é ele o réu, sou eu quem merece esses golpes. Aquele corpo virginal aparece ao princípio todo lívido e em seguida começa a jorrar sangue de todas as partes. E tendo os carnífices dilacerado todo o seu corpo, continuam impiedosamente a golpear as feridas e ajuntar dores a dores.
“E sobre a dor das minhas chagas acrescentaram novas chagas” (Sl 68,27).
Ó minha alma, serás tu também do número daqueles que com olhos indiferentes contemplam a Deus flagelado? Considera, sim, as dores, mas ainda mais o amor com que este teu doce Senhor padece esse grande tormento por ti. Certamente Jesus pensava em ti na sua flagelação. Ó Deus, se ele não tivesse sofrido mais que um golpe por amor de ti, deverias arder em amor por ele, dizendo: um Deus se compraz em ser flagelado por meu amor! Ele, porém, chega, por teus pecados, a se deixar dilacerar todas as carnes, como já o predissera Isaías:
“Ele, porém, foi vulnerado por causa de nossas iniqüidades” (Is 53,5).
Além disso, segundo o mesmo profeta, o mais belo de todos os homens já não tem mais beleza.
“Não existe nele beleza nem formosura: nós o vimos e ele não tinha mais aparência” (Is 53,2).
Os flagelos o deformaram tanto que se não o conhece mais.
“O seu rosto se achava como encoberto e parecia desprezível e por isso nenhum caso fizemos dele” (Is 53,3).
Ficou reduzido a um estado miserável, que parecia um leproso coberto de chagas dos pés até à cabeça:
“Nós o reputamos como um leproso e ferido por Deus e humilhado” (Is 53,4).
E por que isso? porque nosso amante Redentor quis sofrer aquelas penas que nos eram devidas:
“Verdadeiramente ele foi o que tomou sobre si as nossas fraquezas e ele mesmo carregou com as nossas dores” (Is 53,4).
Seja para sempre louvada a vossa bondade, ó meu Jesus, que quisestes ser tão atormentado para livrar-me dos tormentos eternos. Oh! pobre e infeliz do que não vos ama, ó Deus de amor.
Mas, enquanto os carrascos o flagelam tão cruelmente, que faz nosso amável Salvador? Ele não fala, não se lamenta, não suspira; mas com toda a paciência oferece tudo a Deus para torná-lo misericordioso em nosso favor:
“Como Cordeiro mudo ante o que o tosquia, assim não abriu ele a sua boca” (At 8,32).
Ah, meu Jesus, inocente cordeiro, esses bárbaros não vos cortam a lã, mas a pele e as carnes. Mas esse é o batismo de sangue que durante vossa vida tanto haveis desejado:
“Tenho de ser batizado com um batismo e em que ansiedade me sinto eu até que ele se cumpra” (Lc 12,50).
Levanta-te, minha alma, e lava-te naquele sangue precioso em que está toda banhada aquela terra afortunada. E como poderei eu, meu doce Salvador, duvidar do vosso amor, vendo-vos todo chagado e dilacerado por mim? Sei que cada uma de vossas chagas é um testemunho certíssimo do afeto que me tendes. Sinto que cada uma de vossas feridas me pede amor. Bastaria uma só gota de vosso sangue para me salvar, mas vós quisestes dá-lo todo, sem reserva, para que eu sem reserva me dê todo a vós. Sim, meu Jesus, eu me dou todo a vós sem reserva, aceitai-me e ajudai-me a vos ser sempre fiel.
Voltar para o Índice de Meditações sobre a Paixão de Cristo, por Santo Afonso