Por Dom Henrique Soares da Costa
Caríssimos, comecemos nossa meditação da Palavra de Deus com uma pergunta: o que diz a Escritura Santa sobre o sábado?
A palavra shabbat significa repouso. Segundo a narrativa do Gênesis, no sétimo dia, o Senhor Deus repousou de toda a Sua obra, depois de ter visto que tudo que criara era muito bom:
“Deus concluiu no sétimo dia a obra que fizera e no sétimo dia descansou de toda obra que fizera. Deus abençoou o sétimo dia e o santificou, pois nele descansou depois de toda a obra da criação” (2,2s).
No pensamento do Antigo Testamento, o homem deveria, portanto, descansar no sábado para imitar o Senhor Deus e para reconhecer Nele o Criador de todas as coisas. O sábado seria o dia de louvar e bendizer o Senhor pela criação. O homem reconhece, então, que ele não é Deus; é apenas criatura: só o Senhor é Deus, o Criador do céu e da terra!
Segundo o Livro do Êxodo, o sábado é santo e deve ser guardado cuidadosamente “como uma aliança eterna” entre o Senhor e os israelitas (cf. 31,13-17). Assim, o sábado não somente celebra a criação, como também a aliança do Senhor Deus com Israel, o Seu Povo escolhido. Para o israelita piedoso, portanto, guardar o sábado é celebrar a Aliança com o Senhor Deus de Israel.
Depois, o Deuteronômio acrescentou ainda um terceiro motivo para que os israelitas guardassem o descanso do sétimo dia: Israel fora escravo no Egito; sabia o peso do trabalho escravo. Guardando o sábado, recordaria o Senhor que o libertara e dava um respiro aos estrangeiros e aos escravos (15,14):
“Lembra-te de que foste escravo no Egito e que de lá o Senhor teu Deus te fez sair com mão forte e braço estendido. É por isso que o Senhor teu Deus te mandou guardar o sábado!” (5,15)
Assim, eram fundamentalmente três os motivos para o sábado:
(1) imitar o Senhor, dando-Lhe graças pela criação;
(2) celebrar a Aliança feita com o Povo eleito no Monte Sinai e
(3) ser um dia de descanso e alívio para os que viviam debaixo do trabalho pesado. Portanto, o sábado, no pensamento de Deus, seria um dia de celebração, de descanso e de alegria diante do Senhor Deus.
Infelizmente, desde a volta do Exílio de Babilônia e no tempo de Jesus nosso Senhor, eram tantas as prescrições preceituais sobre o sábado, que sua observância era, em certo sentido, um fardo, uma tensão! Para que se tenha uma ideia, eis alguns exemplos válidos ainda hoje entre os judeus: no sábado não se pode nem mesmo tocar nos objetos de trabalho, não se pode escrever ou fazer marcas permanentes sobre quaisquer coisas, não se pode tocar em dinheiro, comprar, vender ou falar sobre negócios, não se pode acender fogo, produzir faísca nem acender nada, nem mesmo fazer brilhar um objeto de metal, não se pode cozinhar ou preparar alimentos já cozidos, não se pode tocar instrumentos musicais ou praticar esportes…
No Evangelho, o Senhor Jesus não desvaloriza o sábado. Ele mesmo, como judeu praticante, o guardou. Mas, o Senhor não aceitava que as observâncias de Lei se tornassem um peso, quase que como tendo um valor em si mesmas, desligadas do seu sentido, que é levar o homem a Deus e, portanto, fazê-lo viver de verdade. Por isso Sua sentença lapidar:
“O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado” (Mc 2,27)
E aqui, caríssimos, estejamos bem atentos, pois o Senhor nos dá um princípio que vale para tudo na prática da nossa religião: a finalidade de todas as práticas religiosas é levar o homem à comunhão com Deus e, assim, fazê-lo viver, pois a Vida do homem é a comunhão com o Senhor Deus, a amizade com Ele!
Uma prática religiosa que oprima, que mate, que seja um absoluto em si mesma, não deve ter lugar no cristianismo!
Isto não significa esvaziar ou desvalorizar os usos da nossa fé, mas deixar claro que eles não são absolutos! Só Deus é absoluto e tudo tem valor enquanto leva a Deus e, assim, plenifica o homem, imagem de Deus!
Isto aparece de modo muito belo na segunda leitura deste hoje: São Paulo suporta tudo, trazendo na carne da sua vida os sofrimentos de Cristo para que a Vida de Cristo, a Glória de Cristo, obra do Espírito Santo de Cristo, seja manifestada na sua existência humana, em todo o seu ser, corpo e alma e, assim, ele mesmo, apóstolo, torne-se, para os irmãos, instrumento do conhecimento da Glória de Deus que brilha na face de Cristo! Em outras palavras: tudo vale a pena, todo trabalho, todo sofrimento, todas as privações, somente enquanto nos levam a Cristo Jesus, que nos dá a Vida divina!
Que fique, portanto, a clara lição: nem devemos esvaziar e descuidar dos preceitos e costumes da nossa fé nem, tampouco, absolutizá-los! A religião verdadeira existe para o homem, para a sua salvação, para a sua comunhão com Deus! No entanto, ela não pode ser sob a medida do homem, mas sob o querer de Deus! E o critério último é o amor, pois Deus mesmo é Amor!
Mas, fica ainda uma questão: por que nós, cristãos, já não guardamos o sábado? Porque passou a antiga criação, celebrada no sábado judaico; passou também a antiga Aliança com os judeus!
O próprio Cristo nosso Senhor dissera:
“Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas. Não vim revogá-los, mas dar-lhes pleno cumprimento, porque em verdade vos digo que, até que passem o céu e a terra, não será omitido nem um só i, uma só vírgula da Lei, sem que tudo seja realizado” (Mt 5,17s)
Pois bem, o nosso Salvador cumpriu em Si tudo quanto estava profetizado na Lei.
No caso do sábado, Ele realizou a nova criação com a Sua santa Ressurreição; Ele estabeleceu a nova e eterna Aliança no Seu sangue no Sacrifício, presente agora em cada Eucaristia; Ele cumpriu plenamente em Si o repouso sabático quando passou o Sábado Santo no repouso da morte. Assim, nos fez ultrapassar o sábado dos judeus e entrar no novo tempo, na nova Aliança, no Dia sem fim, que já não é o sétimo, mas o oitavo, sete mais um, plenitude consumada, o dia que chamamos desde os tempos do Apocalipse de “Dia do Senhor” (cf. Ap 1,10). Por isso mesmo, a séria advertência do Apóstolo:
“Ninguém vos julgue por questões de comida e de bebida, ou a respeito de festas anuais ou de lua nova ou de sábados, que são apenas sombra das coisas que haviam de vir. Mas, a realidade é o Corpo de Cristo!” (Cl 2,16)
É triste, depois de vinte séculos de cristianismo, constatar ainda cristãos preocupados em distinguir alimentos puros e impuros e preocupados em guardar o sábado dos judeus… Nunca esqueçamos: tudo isto era sombra, era figura, era profecia que cumpriu-se em Cristo e perdeu sua utilidade! A realidade é o Corpo de Cristo, é a Igreja, Israel da nova e eterna Aliança! E esta Aliança tem como preceito fundamental o amor a Deus e aos irmãos, como Cristo amou! A Ele a glória pelos séculos. Amém.