En dilectus meus loquitur mihi: Surge, propera, amica mea, columba mea, formosa mea, et veni — “Eis aí o meu amado que me diz: Levanta-te, apressa-te, amiga minha, pomba minha, formosa minha, e vem” (Ct 2, 10),
Sumário. Afiguremo-nos ver a santa Menina que, acompanhada dos seus pais e de numerosos anjos, se põe a caminho de Jerusalém. Chegada que é aos degraus do templo, beija, de joelhos, as mãos de São Joaquim e de Santa Ana, pede-lhes a bênção, e, sem mais olhar para trá, despede-se do mundo e consagra-se irrevogavelmente ao seu Deus. Felizes de nós, se pudéssemos oferecer hoje ao Senhor os primeiros anos da nossa vida! Ofereçamos-lhe ao menos os poucos que ainda nos restam; pois, melhor é começar tarde do que nunca.
I. A santa Menina Maria, apenas chegada à idade de três anos, rogou a seus santos pais, que, conforme a sua promessa, a levassem a encerrar-se no templo. Quando chegou o dia marcado, eis que parte de Nazaré a imaculada Virgenzinha com São Joaquim e Santa Ana e com uma multidão de anjos, que acompanham a santa Menina destinada a ser a Mãe do seu Criador. Vai, pois, lhe diz São Germano, vai, ó Virgem santa, vai à casa do Senhor, e espera a vinda do Espírito Santo, que te fará Mãe do Verbo Eterno.
Chegada que foi a santa comitiva ao templo de Jerusalém, a santa Menina se volta para seus pais, e, de joelhos, beijando suas mãos, pede-lhes a bênção, e depois, sem mais olhar para trás, sobe os degraus do templo, e, despedindo-se então do mundo, e renunciando a todos os bens que o mundo lhe podia prometer, oferece-se e consagra-se inteiramente ao Criador.
A vida de Maria no templo não foi senão um ato contínuo de amor e de consagração de si mesma ao Senhor: ela ia crescendo de hora em hora, ou antes, de instante em instante, nas santas virtudes, auxiliada, sim, pela graça divina, mas também trabalhando com todas as suas forças para cooperar com a graça. Ela mesma se mostrou um dia à virgem Santa Isabel e lhe disse: “Pensas, porventura, que obtive as graças e as virtudes sem fadiga? Sabe que não obtive graça alguma de Deus sem grande trabalho, oração contínua, desejo ardente e muitas lágrimas e penitências”.
II. A vida da virgenzinha Maria no templo foi uma oração contínua. Vendo o gênero humano perdido e em inimizade com Deus, orava principalmente pela vinda do Messias, com o desejo de ser serva da virgem feliz que viria a ser Mãe de Deus. Imaginemos que então alguém lhe tivesse dito: Ó santa Menina, sabe que movido pelas tuas preces o Filho de Deus já se apressa a vir e remir o mundo; e sabe que és tu a bendita, escolhida para ser sua mãe.
Ó Maria, Filha amadíssima de Deus, Menina santa, que rogais por todos, rogai também por mim. Vós vos consagrastes inteiramente desde criança ao amor do vosso Deus; ó, não poder eu do mesmo modo, neste dia, oferecer-vos as primícias da minha vida e dedicar-me inteiramente ao vosso serviço, ó minha santa e dulcíssima Soberana! Não é mais tempo disto, pois, desgraçadamente, perdi tantos anos servindo o mundo e os meus caprichos, sem pensar em vós nem em Deus. Maldigo o tempo em que não vos amei! Mas é melhor começar tarde do que nunca. Eis-me aqui, ó Maria; apresento-me hoje a vós e me ofereço inteiramente ao vosso serviço, para o resto de minha vida; como vós, renuncio a todas as criaturas, e me dedico sem reserva ao amor do meu Criador. Consagro-vos, pois, ó minha Rainha, o meu espírito para pensar sempre no amor que mereceis, a minha língua para vos bendizer, o meu coração para vos amar.
Acolhei, ó Virgem santa, a oferta que vos faz um miserável pecador; acolhei-a, eu vos suplico pelo prazer que experimentou o vosso coração, no momento em que vos dáveis a Deus no templo. Se tarde começo a servir- vos, justo é que redima o tempo perdido redobrando o meu zelo e o meu amor. “E Vós, ó Deus, que no dia presente quisestes que no templo fosse apresentada a Bem-aventurada sempre Virgem Maria, digna morada do Espírito Santo: concedei-me que pela sua intercessão mereça ser apresentado no templo da vossa glória” (1). Fazei-o pelo amor de Jesus Cristo.
Referência:
(1) Or. festi.
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(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Duodécima semana depois de Pentecostes até ao fim do ano Eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 393-395)