Meditação para o Sábado da 2ª Semana do Advento
Sumário
Meditaremos os grandes bens que nos provêm da Encarnação do Verbo, e consideraremos o Verbo Encarnado:
1.° Como consolador das nossas aflições;
2.° Como médico caridoso que cura todas as nossas misérias.
— Tomaremos depois a resolução:
1.° De recorrer em todas as nossas aflições a Jesus Cristo como único e verdadeiro consolador;
2.° De não nos afeiçoarmos aos falsos bens da terra, mas a Jesus Cristo só.
O nosso ramalhe espiritual será a palavra do Salvador:
Venite ad me omnes qui laboratis et onerati estis, et ego reficiam vos – Vinde a mim todos os que andais em trabalho, e vos achais carregados, e eu vos aliviarel (Mt 11, 28)
Meditação para o Dia
Adoremos o Verbo eterno atraído à terra pela Sua extrema caridade, para ser nela o consolador dos aflitos, o amparo dos que sofrem, a força dos fracos, o recurso do gênero humano. Oh! Quão bem merece, por todos estes títulos, o nosso culto e amor!
PRIMEIRO PONTO
O Verbo Encarnado é o consolador de nossas aflições
Consideremos com um profundo sentimento de devoção o Verbo Encarnado apropriando-se cá na terra todas as misérias da humanidade, à exceção do pecado, a fim de poder deste modo mais facilmente consolar-nos e compadecer-se das nossas enfermidades (1). Se houvesse vivido na terra no gozo e prazer, não se teria dignado enxugar as lágrimas dos que sofrem e choram. Do meio da opulência, a Sua palavra dificilmente teria sido saboreada pelo pobre e indigente. Cercado de glória e de honras, como teria Ele persuadido o amor da obscuridade e da humilhação? Mas se, ao contrário, Ele pode dizer-nos:
«Vós sofreis, e eu também sofri, e sofri mais do que vós. Estais privados de muitas coisas, e eu também estive no seio de minha mãe nu e privado de tudo, e depois do meu nascimento não tive toda a minha vida senão o alimento, a habitação e o vestido dos pobres. A obscuridade e a humilhação indignam-vos; e eu ocultei todas as minhas grandezas, e passei na terra por um homem de nenhuma importância, por um ignorante, um louco, um possesso do demônio, um criminoso!»
Então compreendemos quanto sem razão temos para queixar-nos; quanto Jesus Cristo, deificando na Sua pessoa a humildade, a pobreza, a dor, as tornou dignas de toda a nossa estimação, de todo o nosso amor; e consolamo-nos. Nós vimos dizer os nossos males aquele que primeiro os sofreu, dirigir os nossos suspiros e confiar as nossas lágrimas Àquele que chorou antes de nós e por nós. Oh! Quão realmente era este O consolador que nos convinha, um Homem-Deus experimentado nos trabalhos (2), um Homem-Deus pobre e humilde! (3). Agradeçamos, amemos ao Verbo Encarnado, e recorramos a Ele nas nossas aflições.
SEGUNDO PONTO
O Verbo Encarnado é o médico caridoso que cura todas as nossas misérias
As nossas primeiras misérias são os nossos pecados, que nos pungem pelo remorso, nos tiram a paz, algumas vezes até a esperança, e arriscam a nossa salvação. O Verbo Encarnado oferece-nos o remédio a este primeiro mal: prepara-nos com o Seu próprio sangue um banho salutar, em que nos purifica de todas as nossas maculas (4). Se caímos, levanta-nos e perdoa-nos, contanto que voltemos para Ele; se recaímos, perdoa-nos ainda; se recaímos sempre, perdoa-nos sempre, com a única condição do arrependimento e propósito firme de emenda (5).
Depois do pecado, as nossas paixões são as nossas segundas misérias; tiranizam-nos e o impelem-nos sempre para a reincidência. Ainda aqui, se recorremos ao Verbo Encarnado, se lhe dizemos com confiança: Aquele que amais está enfermo (6); sarai a minha alma, que pecou (7); Ele nos responderá: Recebei os meus Sacramentos, meditai a minha doutrina, penetrai-vos dos meus exemplos, e triunfareis das vossas paixões.
Finalmente, a nossa terceira miséria, que gera todas as outras, é o deplorável erro que nos induz a crer que a felicidade consiste no gozo dos bens exteriores, das honras, das riquezas, dos prazeres; falsos bens que podem a todo o momento ser-nos tirados pelos caprichos dos homens ou dos elementos. O Verbo Encarnado opõe a este grande mal o exemplo da Sua própria pessoa, privada de todo o aparato exterior. Em redor dEle, não há senão pobreza, humildade, padecimento, e dali diz eloquentemente a quem quer ouvi-lO, que existe uma grandeza maior que a que fere os sentidos, uma glória maior que a da fama, uma felicidade maior que a dos prazeres; que toda a grandeza e felicidade do homem não lhe vem senão de dentro, da paz da consciência, da pureza do coração, e que tudo o que está fora de nós, como não nos pertence, não pó de tornar-nos melhores nem mais honrosos (8). Temos nós até agora compreendido esta divina linguagem? O que somos na opinião não nos move muito mais do que o que somos perante Deus? Contentes de ser tomados pelo que somos, não nos comprazemos nós nos louvores, que bem sabemos que não merecemos? Arguidos injustamente, não nos deixamos nós abater, como se o desprezo público causasse a menor mudança no que realmente somos?
Resoluções e ramalhete espiritual como acima
Referências:
(1) Non habemus pontificem qui non possit compati infirmitatibus nostris, tentatum autem per omnia pro similitudine absque peccato (Hb 4, 15)
(2) Scientem infirmitatem (Is 53, 3)
(3) Unde debuit per omnia fratribus similari, ut misecors fieret (Hb 2, 17)
(4) Lavit nos a peccatis nostris in sanguine suo (Ap 1, 5)
(5) Confide, fili, remittuntur tibi peccata tua (Mt 9, 2)
(6) Ecce quem amas infirmatur (Jo 11, 3)
(7) Sana animam meam, quia peccavi tibi (Sl 11, 4)
(8) Omnis gloria… ab intus (Sl 44, 14)
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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo I, p. 69-72)