Sedebit populus meus in pulchritudine pacis, et in tabernaculis fiduciae, et in requie opulenta – “Assentar-se-á meu povo na formosura de paz, e nos tabernáculos da confiança, e num descanso opulento” (Is 32, 18)
Sumário. Por isso vemos que os bons religiosos, encerrados em suas celas, bem que mortificados, desprezados, pobres e enfermos, vivem mais contentes do que os grandes do mundo com todas as riquezas, pompas e prazeres que gozam. Se os homens refletissem bem nesta grande verdade, todo o mundo se tornaria um convento, todos se fariam religiosos.
I. A paz da alma é um bem que vale mais do que todos os reinos do mundo. De que serviria ter o domínio de todo o mundo sem a paz interior? É melhor ser o aldeão mais pobre do mundo e estar contente, do que ser senhor de todo o mundo e viver inquieto. -Mas, quem pode dar esta paz? O mundo? Não. A paz é um bem que só de Deus pode vir. Por isso ele mesmo se chama o Deus de toda a consolação: Deus totius consolationis (1).
Ora, se Deus é o único dispensador da paz, a quem pensamos que Deus a concederá senão àqueles que deixam tudo e se desprendem das criaturas, para se consagrarem inteiramente ao Criador? Por isso vemos que os bons religiosos, encerrados em suas celas, bem que mortificados, desprezados, pobres e enfermos, vivem mais contentes de que os grandes do mundo com todas as riquezas, pompas e prazeres que gozam.
Dizia Santa Escolástica que, se os homens conhecessem a paz que experimentam os bons religiosos, todo o mundo se tornaria um convento. E Santa Maria Magdalena de Pazzi acrescentava que todos haviam de tomar de escalada os conventos, se soubessem a paz que neles se goza. -O coração humano, criado para um bem infinito, não se pode contentar com todas as criaturas, que são bens finitos e caducos. Só Deus, que é o bem infinito, o pode contentar. Delectare in Domino, et dabit tibi petitiones cordis tui (2) – “Deleita-te no Senhor, e te outorgará as petições do teu coração”.
Não, um bom religioso, que vive unido com Deus, não tem inveja a todos os príncipes da terra, que possuem reinos, riquezas e honras. Ele dirá com São Paulino: “Tenham os ricos as suas riquezas e os reis os seus reinos; quanto a mim, meu reino e minha glória é Jesus Cristo”. Ele dirá o que dizia o Bem-aventurado Seraphim de Ascoli, leigo capuchinho, a saber, que não teria trocado um palmo do cordão por todos os reinos do mundo.
II. Oh! Que consolação, para quem deixou tudo por Deus, poder dizer com São Francisco: Deus meus et omnia – “Meu Deus e meu tudo!” e ver-se livre da escravidão do mundo, da sujeição do século e dos afetos da terra. Esta é a liberdade de que gozam os filhos de Deus, como são os bons religiosos. -É verdade que no princípio o desprendimento das conversações e dos passatempos do mundo, os exercícios da comunidade, as regras parecem espinhos; mas, depois, estes espinhos, a quem lhes sofrer com coragem e com amor as primeiras picadas, tornar-se-ão flores e delicias. Assim provará na terra aquela paz, que, como diz São Paulo, excede todos os gozos dos sentidos e todos os regalos dos festins, dos banquetes e dos prazeres do mundo: Pax Dei quae exsuperat omnem sensum (3).
Meu Senhor, meu Deus, meu amor, meu tudo, já compreendo que só Vós me podeis contentar nesta vida e na outra. Não quero, porém, amar-Vos para minha própria satisfação; quero amar-Vos para dar gosto a vosso divino Coração. Quero que minha paz, minha única satisfação em toda a minha vida, consista em unir a minha vontade com o vosso santo beneplácito, ainda que para isto me fosse preciso sofrer qualquer pena. Vós sois o meu Deus e eu sou a vossa criatura. E que coisa maior posso esperar do que dar gosto a meu Senhor, que se mostrou tão particularmente amoroso para comigo?
Vós, meu Jesus, descestes do céu à terra para levardes por meu amor uma vida pobre e mortificada; eu deixo tudo afim de viver dedicado a vosso amor; todo o meu prazer será dar-Vos prazer. Amo-Vos, meu amabilíssimo Redentor, amo-Vos com todas as minhas forças. Contanto que me concedais amar-Vos, tratai-me como quiserdes. Quero contentar-Vos quanto posso.
– Ó Maria, Mãe de meu Deus, protegei-me, fazei-me semelhante a vós, não na glória, visto que não a mereço, mas em dar gosto a Deus e em seguir a sua santa vontade, assim como vós fizestes.
Referências:
(1) 2 Cor 1, 3
(2) Sl 36, 4
(3) Fl 4, 7
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(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo II: Desde o Domingo da Páscoa até a Undécima Semana depois de Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 237-240)