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Da vida oculta de Jesus no Santíssimo Sacramento

Vere tu es Deus absconditus, Deus Israel Salvator —“Vós sois em verdade um Deus oculto, Deus de Israel, Salvador” (Is 45, 15)

Sumário. Encarnando-se, o Verbo divino ocultou sua divindade, e manifestou-se como homem na terra; mas morando entre nós na Eucaristia, esconde também a sua humanidade, e só deixa ver as aparências de pão, para mostrar o amor que tem aos homens. E, todavia, os homens se atrevem a ultrajá-lo, exatamente porque se ocultou assim! Se amamos deveras a Jesus, desagravemo-lo com as nossas homenagens, e esforcemo-nos por imitá-lo, ocultando à vista dos homens a nossa própria pessoa e as nossas ações.

I. Em nenhuma obra do amor divino se verificam estas palavras do profeta como no adorável mistério da Eucaristia, no qual Deus se conserva completamente escondido: Vere tu es Deus absconditus — “Vós sois verdadeiramente um Deus oculto”. Encarnando-se, o Verbo eterno ocultou sua divindade e manifestou-se como homem na terra; mas, morando entre nós neste Sacramento, Jesus esconde também a sua humanidade, e, na palavra de São Bernardo, só deixa ver as aparências do pão, a fim de mostrar a ternura de seu amor para conosco: Latet divinitas, latet humanitas; sola patent viscera caritatis — “Escondida está sua divindade, escondida está sua humanidade; só as entranhas de sua caridade se mostram sem véu”.

Ó meu Senhor, à vista do excesso de vosso amor aos homens, fico fora de mim e não sei mais que dizer. Por amor deles chegastes, neste Sacramento, a ocultar a vossa majestade e escurecer a vossa glória: chegastes até a consumir e aniquilar vossa vida divina. E aí, sobre os altares, parece que não tendes outra ocupação senão a de amar os homens e manifestar-lhes vosso amor.

É, pois, com razão que a Igreja no Ofício do Santíssimo Sacramento canta estas palavras: Non est alia natio tam grandis, quae habeat deos appropinquantes sibi, sicut Deus noster adest nobis — “Nenhuma nação, por maior que seja, tem seus deuses tão perto de si como o nosso Deus está perto de nós”. Quando os pagãos ouviam falar das obras do amor de nosso Deus, exclamavam: “Ó! Como é bom o Deus dos cristãos”!

E, com efeito, ainda que os pagãos fingiam para si divindades à feição de seus desejos, se percorreis a história, vereis que, entre tantas fábulas e deuses que inventaram, jamais chegaram a imaginar um Deus tão amante dos homens, como é o nosso Deus verdadeiro. Para provar sua ternura a seus adoradores e os enriquecer com seus dons, quis, por um prodígio de amor, fazer-se nosso companheiro perpétuo, ficando escondido dia e noite sobre nossos altares. Mas qual é a nossa gratidão por um amor tão imenso?

II. A fim de imitarmos a vida oculta de Jesus no Santíssimo Sacramento, esforcemo-nos por ocultar à vista dos homens a nossa pessoa e as nossas ações. Como, porém, a solidão externa do corpo não serve para nada sem a interna do coração, unamos à vida retirada o recolhimento interior, fixando sempre os nossos pensamentos em Deus, e elevando-nos a Ele frequentemente por meio de fervorosas orações jaculatórias. E, entretanto, rendamos a Deus ações de graças por se ter humilhado tanto por nós na Santíssima Eucaristia, e procuremos com nossas homenagens desagravá-lo dos desprezos que recebe exatamente porque se humilhou tanto.

Sofrei que eu fale convosco, ó Coração amantíssimo de meu Jesus, donde saiu este Sacramento de amor. Quisera dar-Vos tanta honra e glória, quanta, sob as espécies sacramentais, dais, nas nossas igrejas, a vosso Eterno Pai. Quisera fazer com que todos Vos conheçam, a fim de que todos Vos amem e Vos bendigam. Ó Coração puríssimo, purificai meu coração de todo o apego às criaturas, enchei-o do vosso santo amor, e tomai posse dele todo inteiro. Gravai em meu coração todas as penas, desprezos e ultrajes tão amargos que sofrestes tantos anos e ainda continuais a sofrer com tão grande amor para comigo, a fim de que, à vista deles, deseje, ou ao menos suporte com paciência, por amor de Vós, todas as penas desta vida.

Ó Coração humílimo de Jesus, ensinai-me a vossa humildade. Coração cheio de mansidão, comunicai-me a vossa doçura. Tirai do meu coração tudo que Vos não é agradável. Convertei-o todo a Vós, a fim de que não queira e deseje senão o que Vós quereis. Fazei, em suma, que eu viva unicamente para Vos obedecer, unicamente para Vos amar, unicamente para Vos agradar. Esta graça, peço-a também a vós, ó grande Mãe de Deus e minha Mãe, Maria. Concedei-ma pelo amor de Jesus Cristo.

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(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 493-495)